Jonas 1:1-3:

1 E VEIO a palavra do SENHOR a Jonas, filho de Amitai, dizendo: 2 Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive, e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até à minha presença. 3 Porém, Jonas se levantou para fugir da presença do SENHOR para Társis. E descendo a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem, e desceu para dentro dele, para ir com eles para Társis, para longe da presença do SENHOR.

1. Autoria e Data

Ao se iniciar um estudo sobre o livro de Jonas, com toda certeza uma das questões mais difíceis, de todas as perguntas relacionadas ao seu conteúdo, é aquela que indaga sobre sua autoria. Esta é uma pergunta realmente difícil, pelo simples fato de que ninguém é capaz de apresentar uma resposta totalmente definitiva. A leitura dos mais variados comentários bíblicos simplesmente nos coloca diante de uma profunda incapacidade quanto a se fazerem asseverações dogmáticas a respeito da identidade do autor.1

O livro recebe o seu nome do personagem principal da narrativa. Jonas, cujo nome em hebraico é Yonah e quer dizer "pombo", está identificado como o filho de Amitai. E, é bastante possível que seja a mesma pessoa que aparece em uma curta narrativa de 2 Reis 14:25 filho do profeta Amitai, o qual era de Gate-Hefer, localizado no território de Zebulom, hoje conhecido por Galiléia. Este profeta previu as triunfantes conquistas de Jeroboão II na primeira metade do século VIII a.C. Poucas são as dúvidas de que esse profeta de Gate-Hefer seja o mesmo profeta deste pequeno livro.2

Embora o livro de Jonas apareça entre os Profetas Menores no cânone Bíblico, ele difere consideravelmente de todos os outros como obra literária. Enquanto os outros Profetas Maiores e Menores são, essencialmente, coleções de oráculos, Jonas conta as aventuras de um profeta que luta contra sua missão divina.3 Na realidade, o livro de Jonas nem é de gênero profético nem histórico, mas de gênero didático.

2. Contexto Histórico

Assumindo que o nosso personagem seja o mesmo de 2 Reis 14:25 podemos reconhecê-lo como um profeta bastante ativo durante o reinado de Jeroboão II, no reino norte de Israel, entre os anos 787 e 747 a.C. Nesta mesma linha de pensamento, pode-se afirmar que ele viveu numa época dificílima e sob o regime de um rei perverso, que "fez o que era mal diante do Senhor" (II Rs. 14:24).

Jonas foi usado por Deus para dizer ao rei Jeroboão que, em razão das misericórdias do Senhor para com Israel, e apesar de suas iniqüidades, Deus iria restaurar as antigas fronteiras da nação. O que de fato veio a acontecer, como resultado de guerras vitoriosas (II Rs. 14:25-28). Jeroboão conseguiu restabelecer o poder de Israel sobre a maior parte do território ao norte de Judá controlado por Davi e Salomão. No século anterior, o império assírio fora uma ameaça ao longo da costa oriental do Mediterrâneo e se tornara bem conhecido como opressor cruel e desapiedado.

Durante o reinado de Jeroboão II, embora o poder da Assíria tivesse se aquietado, ainda se devia ter certa cautela. Nínive ainda não era a capital do império, mas Calá, uma das partes do complexo da antiga cidade-estado que incluía Nínive, foi a capital entre 880 e 701 a.C.

Caio Fábio diz que Jonas nos é apresentado como alguém que viveu intensamente os sonhos e as profundas frustrações de Israel naqueles dias.4 De fato, Jonas viveu num período em que Israel corria o risco de ser extinto como nação (II Rs. 14:27). Além disso, aquele era um tempo de quase total socialização da pobreza, posto que "não havia nem escravo nem livre" (II Rs. 14:26), pelo fato de que as classes sociais se tinham quase que unificado, tendo a classe média desaparecido por completo, e diminuído muito a riqueza privada, se bem que as pessoas de posse não haviam desaparecido totalmente. Em outras palavras: havia uma minoria rica realmente rica (II Rs. 15:20).

O empobrecimento radical dos pobres era alarmante. Paradoxalmente, era tremenda a expansão militar e Israel atingira um nível bastante estável de segurança nacional. Percebemos isso em 2 Reis 14:25-28, por meio das palavras "restabeleceu" e "conquistou", presentes no texto. Está dito ali que Jeroboão II restabelece as fronteiras e conquista espaços pela via das forças armadas; enquanto isso, a angústia social do povo era horrível. Não havia o menor vislumbre ou esperança de mudanças radicais, pois não se contava com ninguém que socorresse Israel (II Rs. 14:26).

Em conseqüência de tal situação, Jonas se transformou num profeta extremamente politizado; por conseguinte, ideologizado. Ele tinha consciência, por exemplo, de que nos seus dias a grande ameaça para Israel era a Assíria. De acordo com 2 Reis 15:19-20, esta era, naqueles dias, a consciência de qualquer cidadão em Israel. Tal processo de ideologização na vida de Jonas é um dos sintomas mais importantes de quanto a política se tornara um dos elementos mais fundamentais na formação daquela geração. Este processo se constitui um dos elementos hermenêuticos mais importantes para se compreender o que aconteceu a Jonas.5

3. Fugindo da Ordem do Senhor

Num certo dia, a palavra do Senhor veio ao profeta Jonas, filho de Amitai, com esta ordem: "Vá depressa à grande cidade de Nínive e pregue contra ela, porque a sua maldade subiu até a minha presença" (Jn. 1:1,2).

A cidade de Nínive ficava a mais de 800 quilômetros da Palestina. Portanto, seria um longo caminho a ser percorrido a pé. A Nínive histórica é mencionada por volta do século 18 a. C. como um centro de adoração a Ishtar, a deusa da fertilidade e da primavera, cujo culto foi responsável pela antiga importância da cidade. A estátua da deusa foi enviada ao faraó Amenhotep III do Egito no século XIV a.C., por ordens do rei de Mitanni. Além do mais, Nínive era grandemente conhecida por sua crueldade para com as vítimas da guerra. De acordo com Ricardo Gondim, Nínive era conhecida por sua violência bárbara: homens eram castrados, mulheres estupradas e crianças lançadas na prostituição.6

Sem dúvida, esta era uma tarefa para a qual Jonas não tinha absolutamente o coração disposto, pois os israelitas odiavam a cidade de Nínive à qual Deus enviou Jonas. Ela fazia parte da capital da Assíria, a maior potência da Mesopotâmia no século VIII. Os assírios conquistaram Israel, reino do norte, em 722 a.C. e levaram para o cativeiro seus cidadãos mais poderosos. O ódio de Israel pelos assírios é descrito de maneira convincente pelo profeta Naum. Jonas reluta em ir a Nínive, não tanto porque deseja evitar a vocação profética, mas porque está sem vontade de levar a palavra do Senhor a um inimigo tão odiado.7

De fato, "Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do Senhor", dirigindo-se para Társis (Jn. 1:3). O texto é irônico. Deus disse: "Dispõe-te". Jonas, de fato, se dispôs, mas para fugir da presença do Senhor. Jonas, um profeta, é enviado pelo Senhor a pregar aos ninivitas, mas ele foge e compra passagem em um navio que se destina ao outro lado do mundo. O seu desejo era ficar bem "longe da presença do SENHOR", pois para Jonas aquela era uma missão que confrontava profundamente seu nacionalismo e sua consciência ideológica. Ele prefere fugir a ela, deixando assim de sacrificar sua coerência político-ideológica. Ele não quer se engajar numa missão na qual não acredita. Sua opção é ir para o fim do mundo.8

Para Jonas, ir para a terra dos assírios e babilônios era de tal modo inadmissível que em vez de partir para o Oriente ele parte na direção oposta, para os confins do Ocidente.9 Vai então para Társis, no sul da Espanha, o lugar mais longínquo de todo o planeta, naqueles dias. A viagem para lá durava no mínimo um ano. Era literalmente o fim da linha. Segundo os rabinos, com base em exegese de Isaías 66:19 a razão principal pela qual Jonas foi para Társis não foi por ser o lado oposto a Nínive, mas ser um lugar onde a Palavra de Deus não se fazia ouvir.10 Jonas pensava erradamente que se afastando o máximo possível de Nínive, poderia anular a ordem do Senhor.

Deus ainda poderia convocar Oséias ou Amós, ambos contemporâneos seus, os quais não tinham sua mesma consciência ideológica, razão porque poderiam ser usados para aquela tarefa de evangelizar o inimigo político, sem sofrer tantos conflitos interiores.

Uma vez no navio, Jonas se isola de toda a tripulação, desce ao convés inferior e vai dormir. Logo após o navio ter partido, desencadeia-se uma severa tempestade que provoca ondas gigantescas e os marinheiros aterrorizados jogam fora a carga e começam a orar desesperadamente aos seus deuses. "Jonas, porém,... dormia profundamente". No texto da versão grega do Antigo Testamento, chamada de Septuaginta, se diz que Jonas não só dormia, mas "roncava profundamente".

O capitão, fazendo cuidadosa inspeção do seu navio, encontrou Jonas. Surpreso pela despreocupação deste homem, exortou-o a orar. Por meio de sortes e de um minucioso interrogatório, Jonas é identificado como o criminoso que ofendeu ao seu Deus. A tempestade cessa só depois que Jonas, à sua própria sugestão, é lançado no mar. Ele foi engolido por um grande peixe. A criatura que engoliu Jonas não foi uma baleia. "Baleia" é um erro de tradução do grego em Mateus 12:40. Não sabemos que tipo de peixe é o animal mencionado em Jonas 1:17.

Agora, arrependido do que fez, Jonas ora sinceramente pedindo salvação, quando Deus o coloca ileso sobre a praia, em terra firme, ao que parece, exatamente no lugar em que a história havia começado.

4. Cumprindo a Ordem do Senhor

Agora que Jonas tinha se submetido a Deus, estava pronto para servir. A segunda ordem do Senhor foi quase idêntica à primeira (Jn. 1:2). A fórmula do evento da palavra, colocada duas vezes, em 1:1 e 3:1, desencadeia ambas as vezes, introduzidas com as mesmas palavras, ações substancialmente opostas, mas que por fim levam ao mesmo objetivo:11

Jn. 1:1-3

Jn. 3:1-3a

Veio a palavra do SENHOR a Jonas, filho de Amitai, dizendo:

Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive

e clama contra ela...

Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do SENHOR, para Társis

Veio a palavra do SENHOR, segunda vez, a Jonas, dizendo:

Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive

e clama contra ela...

Levantou-se, pois, Jonas e foi a Nínive, segundo a palavra do SENHOR.

Desta vez o profeta obedece à ordem de ir a Nínive, a cidade antiga na margem esquerda do rio Tigre, e proclama em altas vozes sua sucinta mensagem de desgraça.

O autor do livro de Jonas diz que "Nínive era, diante de Deus, uma grande cidade: eram precisos três dias para percorrê-la" (Jn. 3:3 - BAM). Essa descrição de Nínive como "uma cidade excessivamente grande", sendo preciso três dias para atravessá-la, exemplifica uma técnica gramatical fundamental no livro todo: o exagero. "Grande" é uma das palavras favoritas deste autor; ocorre 14 vezes no livro todo. O uso freqüente dessa palavra enfatiza o exagero no conteúdo. Tudo é maior do que o tamanho natural. Nínive não é só grande, é excessivamente grande. Literalmente, o texto em hebraico diz "grande até para Deus". Mas, na verdade, a muralha interior, que circunda um espaço de menos de oito quilômetros quadrados, tem cerca de 12 quilômetros de comprimento. A caminhada de um dia levaria Jonas bem além do seu centro.12

A quantidade de dias também tem um equilíbrio significativo. Jonas passa três dias no ventre do peixe e depois é devolvido à terra, para cumprir a sua responsabilidade para com o Senhor. Entretanto, três dias não bastam para provocar um verdadeiro arrependimento em Jonas. Porém a cidade de Nínive não precisa nem de três dias para seu arrependimento; um dia basta. Contudo, a misericórdia do Senhor não restringe Nínive a três dias. O Senhor dá "40 dias", um número bem grande de dias, antes que a cidade seja destruída (Jn. 3:4).

O mais interessante, ainda, é que, apesar de lhes falar em uma língua que lhes é estranha, prega ali e as pessoas o compreendem. Mais ainda: apesar de ter pregado somente por um dia e ter caminhado apenas um terço da cidade, todo o povo de Nínive, "desde o maior até o menor" (Jn. 3:5), desde o rei até o mais insignificante súdito, reage com sincero arrependimento e se converte - todos eles num só dia - vestindo de panos de saco os próprios animais e proclamando um jejum coletivo.13

A resposta dos ninivitas contém uma expressão fundamental de conversão: "voltar atrás". O rei proclama que cada um se "converta" do seu mau caminho; então, talvez, o Senhor "volte atrás" e renuncie à sua ameaça de retaliação contra Nínive (Jn. 3:8,9). De fato, os ninivitas "voltaram atrás".14 Em razão disso pode-se concluir com certeza de que os ninivitas abandonaram o culto a Marduk, Ishtar e clamaram ao Senhor de Israel, convertendo-se a Deus. Este fato é confirmado pelas palavras do próprio Senhor Jesus, quando diz: "Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas" (Lc. 11:32).

O Senhor ouviu o clamor daquele povo e, "vendo como renunciavam aos seus maus caminhos, Deus arrependeu-se do mal que resolvera fazer-lhes, e não o executou" (Jn. 3:10 - NVI), revogando a ameaça de destruição. Nínive está aprovada diante de Deus. A ira divina se distanciava e a sua graça sobre Nínive recrudescera.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. ARAÚJO JR., Caio Fábio. Jonas, o sucesso do fracasso: quando a vontade própria interfere nos planos de Deus. Rio de Janeiro: Vinde Comunicações, 1991, p. 5.
  2. LIVINGSTON, Herbert. Jonas. In. PFEIFFER, Charles F.; HARRISON, Everett F. Comentário bíblico Moody. São Paulo: Imprensa Batista Regular,1990, v. 3, p. 828.
  3. KERMODE, Frank; ALTER, Robert Edmond (Orgs.). Guia literário da Bíblia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997 p. 251.
  4. ARAÚJO JR., Caio Fábio. Op. cit., p. 5.
  5. ARAÚJO JR., Caio Fábio. Op. cit., p. 7.
  6. GONDIM, Ricardo. Artesões de uma nova história. 4. ed. São Paulo: Candeia, 2004, p. 167.
  7. BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. Comentário bíblico. 3 ed. São Paulo: Loyola, 2001, v. 2, p. 124.
  8. ARAÚJO JR., Caio Fábio. Op. cit., p. 8.
  9. BÍBLIA. Mensagem de Deus. São Paulo: Loyola, 1980, p. 956, nota de rodapé 1.3.
  10. COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Jonas, nosso contemporâneo. Rio de Janeiro: JUERP, 1992, p. 13.
  11. ZENGER, Erich et al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p. 500.
  12. BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. Op. cit., p. 125.
  13. ZENGER, Erich et al. Op. cit., p. 498.
  14. BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. Op. cit., p. 125.

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