E eu vos digo a vós: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á;
Lucas 11:9
INTRODUÇÃO
Imagine receber amigos ou parentes para pernoitar em sua casa. Porém, você não está preparado para hospedá-los. Sua única alternativa é pedir alimentos ao vizinho. Este e seus filhos, para piorar, estavam dormindo com a porta fechada. O que você esperaria receber? Se a resposta é nada, errou! Ao contrário, receberá muito mais do que pedir. Isso acontece, pois o seu vizinho é um homem íntegro.
A parábola do Amigo Importuno faz-nos refletir acerca do relacionamento com Deus: a oração é o centro dessa relação. A proposta desta lição é, inicialmente, analisar alguns aspectos culturais do primeiro século, com o intuito de contextualizar e caracterizar os personagens e a situação em que estão envolvidos. Posteriormente, levantaremos as implicações diretas da história para, enfim, pontuarmos possíveis aplicações práticas para nossa vida.
HOSPEDAGEM: UMA REPUTAÇÃO COMUNITÁRIA
A hospedagem, na cultura oriental, é uma responsabilidade que transcende a reputação individual do hospedeiro e reflete na imagem de toda a comunidade. Faz parte do senso de HONRA e de VERGONHA e direciona as relações do mundo oriental.
As hospedarias palestinas do primeiro século são retratadas como lugares de corrupção; logo, os viajantes dependiam da hospitalidade das pessoas64. Considerando esse elemento cultural, o anfitrião deveria hospedar e colocar algo diante do hóspede, quer o viajante estivesse com fome, quer não. O pão oferecido deveria ser inteiro, ainda não utilizado em uma refeição. Seria um insulto dar ao viajante uma sobra! A responsabilidade do “magnânimo hospedeiro” oriental é de se preparar para oferecer ao hóspede o que está além de sua capacidade de providenciar.
O pão não é a refeição propriamente dita. Ele é utilizado como o garfo e a colher com que se come. Os diversos alimentos são servidos em pratos comuns. Corta-se um pedaço de pão, molha-o no prato comum e coloca-se o pão inteiro na boca. Ao pedi-lo, fica subentendido que o hospedeiro precisa, também, da refeição completa. Quando o anfitrião diz: “Eu não tenho”, está revelando que não possui algo adequado para servir de forma que a honra da aldeia seja mantida.
Ao mesmo tempo, o homem que está dormindo sabe que o hospedeiro precisa reunir o essencial à refeição. Se o
dorminhoco recusar-se a emprestar um pão, será saudado, ao amanhecer, com gritos de “vergonha”. Por desejar “escapar à vergonha”, ou da vergonha alheia, ele irá se levantar e dará tudo o que o hospedeiro desejar. O fato é que, no caso específico da parábola, ao receber muito mais do que pão, evidencia-se de que a transação foi completada em espírito de boa-vontade.
A PARÁBOLA
Lucas é o único dos evangelistas a apresentar esta parábola. Ela está no seu Evangelho, na sequência da chamada “Oração do Pai Nosso”. Mas, nesse caso, em vez de continuar com uma exortação para que os homens amem uns aos outros, como fez Mateus, ele introduz uma história cuja intenção é nos orientar acerca da importância da oração e da certeza de que o bondoso Deus irá nos atender.
Lucas descreve uma delicada situação. Um homem estava recolhido para dormir e é de súbito acordado por um amigo, batendo à porta, à meia-noite. Ele precisava, desesperadamente, de alimentos para oferecer a um terceiro
que havia chegado para hospedar-se. Levando em conta o fato de ser muito tarde, e que se tratava de uma cidade pequena, não era possível encontrar um lugar onde um pão pudesse ser comprado. Então, decidiu bater à porta do amigo.
Todavia, o outro já estava recolhido junto à família. Mas o amigo, do lado de fora da casa, não se mostrava preocupado com isso. Ele importava-se com aquele que chegara cansado de viagem. E não deseja, em hipótese alguma, faltar com as normas culturais da hospitalidade, mas também não deveria estar sentindo-se bem por ter de procurar alguém àquela hora para pedir pães emprestados. Independentemente de tudo, ele levantou-se e procurou quem lhe emprestasse os alimentos com os quais satisfizesse a necessidade do hóspede.
Em suma, a parábola fala de um vizinho que de fato preserva a sua honra e dá ao hospedeiro tudo o que este
pede, e ainda mais. Alguns comentaristas direcionam-na à persistência do hospedeiro. Segundo essa interpretação, o principal ensino de Jesus é que devemos persistir em oração, até de que as bênçãos dos céus recaiam sobre nós. Orar sem cessar é um ensinamento bíblico, porém não é dessa história em específico. Snodgrass analisou: “Os comentaristas continuam afirmando que anaideia (traduzida como importuno) significa persistência, quando praticamente não existe evidência, se existe alguma, a favor dessa posição”.
Seguindo essa linha, Baily definiu que a maneira mais apropriada é analisá-la como “evitando a vergonha”, ou seja, evita a vergonha de não atender ao hóspede conforme a tradição mandava. Assim, o hospedeiro tinha a certeza de que receberia o pão: ou pela amizade, ou porque o vizinho evitaria a vergonha do anfitrião e manteria a boa fama da aldeia. Da mesma maneira, o homem, diante de um Deus íntegro, tem muito mais motivos de estar seguro de que seus pedidos lhe serão concedidos. Conforme exposto, a parábola enfatiza os seguintes temas: Importância da Oração; relação entre a Bondade de Deus e a Certeza de que Ele Ouvirá Nossas Orações. A seguir, refletiremos, brevemente, sobre esses temas.
A IMPORTÂNCIA DA ORAÇÃO
Deus é um ser relacional e criou-nos à Sua imagem e semelhança; portanto, o relacionamento é um fator primordial em nossa vida. Essa relação com Deus determina nossa saúde emocional, reorganiza nosso mundo interior e determina relacionamentos pessoais.
Orar está no centro do relacionamento com Deus e é um ato essencial à sobrevivência espiritual de cada cristão. Se assim não fosse, Jesus não utilizaria essa arma com tanta frequência: orou em Seu batismo (3:21); antes de encontrar os 12 (6:12); na transfiguração (9:28); na cruz (23:46) e em diversas ocasiões (5:16; 9:18).
Nossa oração não pode ter o objetivo de fazer Deus funcionar para nosso uso, como se fosse um computador ou um eletrodoméstico. A verdadeira prece tem como objetivo relacionamento e intimidade, como disse Clemente de Alexandria: “Orar é manter a companhia com Deus”.
Nunca devemos pensar na oração como um meio de conquistar desejos desordenados. É-nos dito em Tiago 4:3 “pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres”. A falta de visão da oração como relacionamento conduz-nos ao erro de procurar métodos e técnicas para extrairmos o máximo de Deus. Muitos cursos e ensinamentos parecem ensinar como tirar o melhor proveito de Deus. Hoje, somos uma geração de consumo e temos uma mente secularizada; por isso, a oração transformou-se em um meio de resolver problemas e obter conquistas. Pensamos na oração como um meio de mudar a vontade divina. Soren Kierkegaard afirmou:
A oração não transforma Deus, mas transforma aquele que ora. Não oramos a fim de informar a Deus, como se ele ignorasse os eventos e aquilo que estamos pensando ou sentindo. Antes oramos, dizendo: “seja feita a tua vontade”.
A oração “Pai Nosso”, que antecede a parábola do Amigo Importuno, é um padrão de oração que nos ajuda a organizar nossos motivos a fim de que se harmonizem com a vontade de Deus.
O primeiro princípio observado numa oração é pôr o interesse divino em primeiro lugar, antes de apresentar nosso pedido. A base da verdadeira oração é fundamentada na filiação; e, não, na amizade. Nesse sentido, entende-se a aplicação da parábola na vida dos cristãos: se até uma pessoa cansada e teimosa, por fim, ajuda seu amigo, o amoroso Pai Celeste (que nunca dorme) fará muito mais para atender às necessidades de Seus filhos.
O apóstolo Paulo exortou aos colossenses sobre a oração. De acordo com ele, a oração devia ter quatro perspectivas: 1) Ser perseverante. A Igreja não pode deixar de orar. Deve orar sem cessar e nunca esmorecer. Em Atos, vemos a Igreja Apostólica perseverar, unanimemente, em oração - Todos se reuniam sempre em oração com as mulheres, inclusive Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus. (Atos dos Apóstolos 1:14NVI); 2); Ser vigilante. Devemos orar e vigiar como Neemias (Neemias 4:9). Jesus alertou sobre a necessidade de orar e de vigiar - Fiquem atentos! Vigiem! Vocês não sabem quando virá esse tempo. (Marcos 13:33) Orações frias e rotineiras não atendem à nossa necessidade. Precisamos vigiar para não descuidarmos da oração e também para que não se torne mecânica; 3) Ser gratulatória. O agradecimento é uma das marcas do verdadeiro crente. Quando Paulo estava preso, manteve o coração cheio de gratidão; 4) Ser intercessória. O apóstolo tinha consciência da necessidade de oração. Ela é a chave que abre a porta grande e oportuna (1 Coríntios 16:9). Devemos orar uns pelos outros, pela obra missionária e, especificamente, pelos missionários a fim de que Deus use-os nas diferentes circunstâncias em que
se encontram.
Será que temos medo de orar por sentirmos receio de nos conhecer? Afinal, na luz de Deus, temos luz, e diante da luz tudo se manifesta. Orar é estar vazio, totalmente dependente da graça. É reconhecer nossos limites, nossa finitude, e perceber que somos barro nas mãos do oleiro. Orar é uma demonstração de fé. James Houston definiu: “Viver sem orar é finalmente desacreditar de Deus; é perder de vista os mais importantes valores humanos, tal como a fé, a esperança e o amor”.
O IMENSURÁVEL AMOR DE DEUS E A CERTEZA DE QUE NOS RESPONDERÁ
Deus é amor. Assim, é a fonte de todo o amor. O amor pertence à própria essência do ser Deus. Em tudo que Ele é, em tudo o que pensa, deseja, determina e faz, é amor.
E o que é esse amor? Paulo afirmou aos Colossenses que “o amor é o vínculo da perfeição” (Colossenses 3:14). Amar é criar vínculo. No amor, dois tornam-se um. Assim, é unidade na comunhão. Esse vínculo é percebido na íntima comunhão entre Pai, Filho e Espírito Santo. O amor vincula-nos à Santidade (à perfeição).
A grande notícia que recebemos das Escrituras é que Deus amou-nos e ainda nos ama. E isso ocorre desde a eternidade! Antes da fundação do mundo, Deus, em Seu amor, predestinou-nos a sermos conformados à imagem do seu Filho (Efésios 1 NVI). Esse sentimento de Deus é claramente manifesto na cruz: “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito para todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” ( João 3:16).
Olhando para o espetacular amor de Deus, e considerando nossa indignidade como pecadores, só podemos clamar, em alta voz: “Vejam que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus” (1 João 3:1 NVI).
Quando compreendemos a extensão do amor de Deus sobre as nossas vidas, fica mais claro entender a frase de Jesus ao explicar a parábola Amigo Importuno:
Qual pai, entre vocês, se o filho lhe pedir um peixe, em lugar disso lhe dará uma cobra? Ou, se pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai que está no céu dará o Espírito Santo a quem o pedir! (Lucas 11:11-13)
Em outras palavras, dirigimo-nos a alguém que conhece nossas necessidades melhor do que nós, e em cujo coração transborda amor generoso por nós. Se não recebermos o que pedimos em oração, não é porque um deus mal-humorado negue-se a nos dar; mas, sim, por haver algo melhor para nós. A resposta do Senhor pode não ser a desejada ou esperada. Mesmo que nossos desejos sejam negados, é a resposta do amor e da sabedoria de Deus.
Essa parábola de Jesus direciona-nos a eliminar toda ansiedade que reside em nosso coração, pois Deus atende
às orações em resposta à fé manifestada pelo crente. Pela fé, sabemos que o Senhor atenderá aos pedidos e dará muito mais do que necessitamos. Por isso, o cristão termina suas orações repetindo a palavra amém.
CONCLUSÃO
Não somos seres desamparados, sem filiação, tentando sobreviver às agruras que a vida nos impõe. A parábola é
cabal ao afirmar que Deus cuida, carinhosamente, de cada um de nós. Se, mesmo humanos contaminados pelo pecado, fazemos, amorosamente, o melhor para nossos filhos, imagine Deus, que tem como essência o AMOR! Por isso, ficamos com a exortação de Pedro: “Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês” (1 Pedro 5:7 NVI)
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE
1. Resuma a parábola, descrevendo cada personagem.
R.
2. De acordo com o comentário, qual é o significado de hospedar um viajante que chega à aldeia? A partir desse fato cultural, discuta por que o homem que estava dormindo atenderia ao pedido do hospedeiro?
R
3. A parábola está no contexto da oração “Pai Nosso”. O que a história Amigo Importuno fala acerca da oração?
R.
4. Leia Lucas 11:11-13 e discuta sobre o principal atributo de Deus – o amor.
R.
5. Reflita com o grupo sobre a certeza de que Deus está fazendo o melhor para a nossa vida
R.