Texto de Estudo: Eclesiastes 11:9-10; Eclesiastes 12:1-7; Eclesiastes 12:13
Na semana passada, nosso estudo focou na história do homem que salvou a cidade de um grande poderio militar. O povo da cidade esqueceu-se dele por ser ele pobre. A sabedoria daquele homem não foi valorizada por seus concidadãos.
O último capítulo de Eclesiastes contém uma emocionante "alegoria à velhice". A maioria dos comentaristas entende que a perícope pretende descrever a progressiva debilidade e decadência do ser humano em sua velhice. Porém, há inúmeras discordâncias nos detalhes. E muitas orações não parecem ser alegóricas, mas soam mais autênticas se forem entendidas como uma descrição literal, eufemista, da situação do idoso. Adicionalmente, o que seria o significado dessas alegorias soa um tanto obscuro.25
O capítulo 12 deveria iniciar-se no versículo 9 do capítulo 11. Não há razões para se separarem essas duas porções das Escrituras. Ademais, o capítulo 12 inicia-se com a conjunção hebraica "" (waw), que poderia ser vertida por "e", servindo de conectivo com o texto anterior.26
O desvanecimento da vida é descrito como a chegada de uma tempestade, enquanto o lar do idoso é preenchido de terror, que tenta, infrutiferamente, superar o medo do fim. Essa "alegoria à velhice" serve de alerta para percebermos a transitoriedade da juventude e da vida.27
Avisos sobre a juventude
O jovem abordado no texto em estudo não é algum indivíduo em particular. O conselho é aplicável a qualquer jovem que leia essas palavras, independente da época ou lugar que ele ou ela esteja vivendo. A mensagem de Eclesiastes 11:9-10 diz-nos que Deus não é um desmancha prazeres! O padrão normal de vida que Ele deseja para nós inclui a felicidade e o prazer que Ele nos deu. Porém, deve haver equilíbrio em nosso viver diário. Eclesiastes, adequadamente entendido no contexto de toda a Bíblia, dá-nos orientações divinas para uma vida com alegria.
O versículo 10, à primeira vista, pode parecer não mais que um simples escapismo, uma tentativa desesperada de extrair o prazer de uma situação sem sentido. Mas, ao analisarmos o texto como uma extensão do convite feito ao jovem do versículo 9 para regozijar-se na sua juventude, porém de maneira responsável, ele adquire mais sentido. Idolatrar a condição de jovem e temer perdê-la é desastroso. Considerá-la, por outro lado, uma fase passageira, "bela no seu tempo", mas não além dele, é libertar-se de suas frustrações. O desgosto do qual se falanesse versículo vem a nosso encontro mais de uma vez no livro, como a amargura provocada por um mundo duro e frustrante. Remove da tua carne a dor pode muito bem ser um eco a reforçar a primeira oração, segundo o estilo da poesia hebraica. Porém, pode também estar levandoo pensamento para um passo além, ao reino moral, uma vez que a palavra aqui traduzida por "dor" significa basicamente "mal". Nesse caso, ela sincroniza com o lembrete que diz que todos os nossos caminhos interessam a Deus, que é o nosso juiz. A alegria foi criada para dançar junto com a justiça e não sozinha.28
No entanto, essa maneira positiva de encarar a vida, que perpassou todo esse capítulo, deve repousar sobre alguma coisa mais substancial do que jovialidade, coragem ou até mesmo moralidade perfeita. O capítulo 12dedica-se ao que é básico e nos insta a que não percamos tempo ocupando-nos também com isso.
Preparando-se para a velhice
A próxima unidade começa com um poema tocante sobre a velhice (Eclesiastes 12:1-8). A juventude é maravilhosa, mas os maus dias vêm para todos nós (v. 1). Não importa quão invencíveis nos sintamos, quando somos jovens, a velhice e a morte esperam por todos nós. A luz torna-se fraca, nuvens enchem o céu, chega a tristeza e o canto dospássaros enfraquece. Cada um de nós deve ir para a nossa morada eterna (v. 5), enquanto o pó volta à terra (v. 7). Devemos nos lembrar de que a Bíblia contém referências muito claras que nos fazem lembrar nossa mortalidade.
A palavra hebraica traduzida por "lembra-te" (zekor) significa muito mais do que simplesmente recordar. Ela indica trazer à mente uma pessoa ou alguma situação acompanhada de um firme desejo de agir em proldaquela pessoa ou situação.29
Salomão insta aos jovens a levarem Deus a sério no início da vida, enquanto os dias maus não chegam (v. 1, KJA). A palavra traduzida por "mau", nesse texto, traz consigo a ideia de sofrimento ou infelicidade, em oposição ao termo vertido como "mal", no sentido moral, em Eclesiastes 11:10. A idade traz consigo inúmeras dores e limitações que não estão presentes na juventude. Os prazeres que se podia desfrutar em certas experiências não são mais possíveis, devido às restrições trazidas pela idade. No entanto, se uma pessoa escolhe lembrar-se de seu Criador nos dias da mocidade, ou seja, cultivar um relacionamentocom Deus, o desânimo que pode resultar do enfraquecimento exterior é compensado pela realidade, pois a pessoa no seu interior está se renovando todos os dias (2Coríntios 4:16).
No verso 2, percebemos o ar frio do inverno, enquanto a chuva persiste e as nuvens transformam a luz do dia em penumbra e, então, a noite em trevas. Para M. Eaton é desnecessário arranjar uma interpretação para osol, luz, lua e estrelas. A ideia geral é clara: a imagem costumeira do Antigo Testamento para trevas como capacidade decrescente para desfrutar a alegria. De modo semelhante, o retorno das nuvens provavelmente se refere à sucessão contínua de tristezas.30
Por outro lado, Kidner diz ser uma cena bastante sombria para fazer-nos pensar não apenas nos nossos poderes físicos e mentais que se desvanecem, mas nas desolações mais generalizadas da idade avançada. São muitas as luzes que ficam, então, sujeitas a serem apagadas, além dos sentidos e das faculdades, quando os velhos amigos vão partindo um a um. Os costumes familiares vão mudando e as esperanças há muito acalentadas têm de ser abandonadas.31
Nos versículos 3 e 4 o quadro muda. Já não é mais a noite que cai nem a tempestade ou o inverno, mas uma grande casa em declínio. Para Kidner, o quadro do casarão em decadência "deveria ser analisado em sua integridade, e não laboriosamente desmembrado nas metáforas que o constituem".32 Como dito anteriormente, há muita diversidade na interpretação dos detalhes. Depois dos olhos e da boca, procedemos para o ouvido e a repugnância do idoso com qualquer som que perturbe seu descanso. Quando se fecha a porta da rua e o barulho do moinho baixa [...] e todas as canções emudecem (v. 4, BJ), alude à sua fraca audição. Porém, ele, em seu descanso, acorda com o canto do pássaro (v. 4, BJ), pois tem o sono tão leve que até mesmo o pipilar dos passarinhos o despertará. Mesmo com a audição prejudicada, é plausível que o quadro se refira ao despertar erraticamente, de madrugada. Com a idade avançada, essas alegres evidências de um mundo vivo ao nosso redor tornam-se distantes e frágeis; a pessoa já não se sente mais parte integrante de tudo isso.
No verso 5, o uso de imagens é suspenso por um momento: o ancião tem medo de altura e de viagens. A amendoeira que floresce diz respeito ao cabelo que se torna cinzento e depois prateado. O gafanhoto andar searrastando refere-se ao caminhar difícil e até incerto dos anciãos. A alcaparra estalar indica a falta de apetite ou de paladar na velhice. A alcaparra era altamente apreciada como estimulante do apetite e, provavelmente, usada como afrodisíaco.
Enfim, temos a explicação do porquê dessa decadência sistêmica: o homem já está a caminho de sua morada eterna. Assim, a morte é o clímax de um processo que se inicia na vida, no nascimento. Por último, os que o pranteiam vagueiam pela rua, enfatizando a tristeza de todos os homens, que está, inevitavelmente, ligada ao mesmo processo até a morte. A expressão "morada" ou "casa" eterna refere-se, aqui, apenas ao final de tudo, e não à perspectiva cristã de uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus (2 Coríntios 5:1).
No verso 6, Salomão retorna a imagem que ele tem usado para descrever os efeitos do envelhecimento, embora o significado das figuras de linguagem empregadas seja um pouco mais complexo de se determinar. Tem sido sugerido que certas funções corporais estão sendo retratadas. Se esse for o caso, o cordão de prata pode representar a medula espinhal; a taça de ouro seria o cérebro; o cântaro representaria o coração; e a roda, o sistema circulatório. É impressionante como essas imagens captam a beleza e a fragilidade da estrutura humana: uma obra-prima de delicadeza trabalhada como qualquer obra de arte, mas tão frágil quanto uma peça de cerâmica e tão inútil, no final, quanto uma roda quebrada.34
No versículo sete, há um lembrete da tragédia por trás dessa sequência, que nos conduz à sentença do Senhor, no Éden: Porque tu és pó e ao pó tornarás (Gênesis 3:19). A alegoria, que se inicia com uma exortação, lembra-te do teu Criador (v. 1), termina com o retorno do espírito dohomem a Deus, que o deu. Aqui, o pregador não pode negar que a vida vem de Deus e a Ele pertence. Portanto, a Ele retornará.
Concluindo, no verso 8, tendo atrás de nós a experiência de todo o livro e à nossa frente o reforço trazido pelas incisivas figuras desse capítulo, acerca da mortalidade, retornamos à exclamação inicial do Pregador, vaidade de vaidade!, concluindo que ela tem razão de ser. Nada em nossa busca nos levou ao alvo; nada que nos seja oferecido debaixo do sol nos pertence de fato. Porém, é mister não esquecermos do contexto. Essa passagem mesma indica-nos algo além daquilo que está debaixo do sol (v. 9), nas palavras teu Criador, e nos convida a responder. Também nos aponta o presente como o momento da oportunidade. A morte ainda não nos alcançou: que ela sacoleje suas correntes diante de nós e nos desperte para a ação!
Sabedoria para todos
Salomão, após ter depreciado o estado da humanidade ao longo do livro, declara que a humanidade, como um todo, depende de Deus: A suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem (v. 13). Razão e significado na vida são passageiros e podem até parecer impossíveis, mas fomos colocados aqui para viver em um relacionamento com Deus, independentemente das circunstâncias. Esse é o único objetivo de nossa vida e se nós não o alcançamos perdemos o significado.
O "temor de Deus" é definido como a obediência aos Seus mandamentos. Andar pelos caminhos do Senhor e obedecer à Sua vontade são as únicas empreitadas humanas que realmente fazem sentido. Muitas traduções apresentam a última frase como: isto é o dever de todo homem. Mas, no hebraico, o significado literal é: pois essa é a plenitude da humanidade.36 Obedecê-Lo é ser plenamente humano e poder alcançar o máximo de nosso potencial como parte de Sua criação.37
Salomão, depois de sofrer náuseas da solidão de Deus na sua alma, afirma que o que precisamos decisivamente para ter paz é de um coração preenchido, pois, como disse o escritor russo Fiódor Dostoiévski, "existe no coração do homem um vazio do tamanho de Deus". E, para vencer esse vazio, para descobrir significado para a existência, para ter e ver significado nas relações familiares, para que o pão tenha gosto, para que a vida seja embalada na esperança, para que haja poder para passar pela existência faz-se absolutamente necessário um encontropessoal e transformador com Deus.38
25 COSTA, Luciano Medeiros da. O livro de Eclesiastes: uma análise geral e uma análise específica do texto de Eclesiastes 12:1-8. Disponível em: . Acessado em: 20 de dezembro de 2011, p. 8.
26 GUSSO, Antonio Renato. Gramática instrumental do hebraico. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 56.
27 COSTA, Luciano Medeiros da. Obra citada, p. 9.
28 KIDNER, Derek. Obra citada, p. 50.
29 BROW, Francis; ROBINSON, Edward. Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Oxford: Oxford University Press, 1951, p. 269.
30 EATON, Michael A. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 156.
31 KIDNER, Derek. Obra citada, p. 52.
32 KIDNER, Derek. Obra citada, p. 52.
33 COSTA, Luciano Medeiros da. Obra citada, p. 11.
34 KIDNER, Derek. Obra citada, p. 52.
35 KIDNER, Derek. Obra citada, p. 53.
36 GREEN, Jay P. (Ed.). The interlinear Bible: Hebrew-Greek-English.Lafayette: Sovereign Grace Publisher, 1986, p. 536.
37 COSTA, Luciano Medeiros da. Obra citada, p. 6.
38 ARAÚJO FILHO, Caio Fábio de. Quando a vida é uma bobagem. São Paulo: Abba Press, 1995, p. 17.