Texto de Estudo: Mateus 5:1-12

Que tipo de felicidade é esta?

Fico pensando na reação das pessoas enquanto ouviam as palavras iniciais do sermão de Jesus. Falar de felicidade já seria um bom assunto para iniciar qualquer tipo de discurso, quanto mais um sermão! Querer ser feliz é algo que o ser humano em si busca. Talvez as variações surjam quanto ao que faz as pessoas felizes. E foi nesse ponto que Jesus tocou. O tipo de pessoas a quem ele se refere como "transbordantemente" felizes são justamente as mais infelizes no conceito secular. Então, Jesus apresenta um novo conceito de felicidade: aquela experimentada por um novo homem - o cidadão do reino dos céus!

As bem-aventuranças

1. A bem-aventurança dos destituídos. O primeiro grupo de pessoas a quem Jesus se refere como sendo felizes são os pobres de espírito (v. 3). Quem seriam essas pessoas? Muitos têm interpretado que Jesus estaria se referindo àqueles que viviam dentro da linha de escassez financeira. Em Lucas 4:16 Jesus fez menção sim às pessoas que realmente eram pobres, materialmente falando.O texto de Isaías, lido pelo Mestre, tinha como pano de fundo o ano aceitável do Senhor (cf. Isaías 61:1-2). Isso é uma referência direta àquelas leis criadas por Deus para favorecer as classes mais desfavorecidas (cf. Êxodo 23:10,11; Levíticos 25). Como não tinham como prover por si mesmos o seu sustento físico, os desprovidos (pobres) dependiam somente de Deus.

Entretanto, estaria Jesus se referindo apenas à pobreza material? Há algumas passagens bíblicas que parecem transparecer um conceito diferente. Como exemplo, chamo sua atenção para o Salmos 40:17. Davi intitula-se uma pessoa pobre e necessitada.62 Dificilmente essas palavras querem passar a ideia de pobreza material. A pressão dos inimigos sobre si fez com que o grande rei Davi destacasse aquela característica que todo pobre em geral contém: dependência!

Concluindo, podemos dizer que todos aqueles que enxergam sua dependência de Deus são pobres de espírito. Ou seja, são humildes o suficiente para não se apegarem a qualquer autossuficiência. Estes, afirmou o Mestre, já têm a sua recompensa: deles é o Reino dos Céus. Como o próprio Jesus já inaugurara o reino, ao vir ao mundo e fazer sua obra nele, não há confusão nenhuma em entender que, de certa forma, o reino já era uma recompensa presente para os pobres (cf. Mateus 11:2-6).

2. A bem-aventurança dos de coração quebrantado. Ainda dentro do pano de fundo de Isaías 61:2 Jesus menciona mais uma classe de bem-aventurados: os que choram (v. 4). Jesus não especifica aqui o que faz estas pessoas chorarem. Mas, se fizermos uma leitura conjunta de Isaías 61 Salmos 10:16-18 e Apocalipse 6:10-11, poderemos deduzir que a ausência de justiça divina sobre os ímpios poderia ser uma fonte em potencial para o choro. Tudo isso porque neste mundo as coisas nem sempre acontecem da maneira que esperamos. Em Eclesiastes 4:1-2, o grande sábio Salomão testemunhou as incoerências da vida. Um texto ainda mais realista é o de Eclesiastes 8:10 no qual Salomão chega a cogitar a hipótese de que alguns se sentiram dispostos a praticar o mal: Visto como não se executa logo a sentença sobre a má obra, o coraçãodos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal. Mas não temas, o Senhor Jesus promete um consolo eterno, quando Ele vier pela segunda vez. Hoje sofremos, mas em Cristo seremos consolados por toda a eternidade. Aleluia!

3. A bem-aventurança da vida governada por Deus. A expressão os mansos (gr. praeis), mencionada no verso 6, está em forte ligação com os pobres de espírito (gr. ptôkoi), do verso 3.63 Parece que o autor do Evangelho de Mateus estava querendo estabelecer uma mesma ideia quanto ao caráter dessas duas classes de bem-aventurados. Aliás, a palavra hebraica ‘anawîm, em Isaías 61:1 que é o pano de fundo do discurso messiânico de Jesus, significa: pobre, humilde, brando, manso.64 Tais pessoas, ou seja, os mansos, ou pobres, ou humildes, podem se deleitar não só na certeza do reino dos céus, que de certa forma já pertence a eles, no presente (Mateus 5:3), mas também podem se deleitar na certeza de que a tão famosa "terra prometida" (herança prometida a Abraão e seus descendentes) lhes pertencerá um dia. Hoje, portanto, tanto os ramos naturais quanto os enxertados aguardam a nova terra!

4. A bem-aventurança do espírito faminto. Assim como há certa relação entre os bem-aventurados dosversos 3 e 5, também podemos ver certo liame de ideias entre os versos 4 e 6. A fome e a sede por justiça é uma linguagem figurada para descrever aqueles que querem muito que a justiça seja feita (ou seja, os justos). Essa justiça possivelmente seja a justiça de reino (a qual excluirá totalmenteo domínio e a opressão dos ímpios, assim como o poder, os efeitos e a presença do pecado - Mateus 6:33), juntamente com a justiça pessoal (Mateus 5:20).

Apesar de ainda não sermos perfeitos, é possível andarmos como justos. Isso, no entanto, só é possível por meio da graça de Jesus. Viver pelas veredas da justiça divina resultará em confronto com a justiça do mundo ou até mesmo com aquela demonstrada pelos fariseus e escribas,os quais chegavam ao ponto de substituir os mandamentos divinos por suas próprias tradições (Mateus 15:1-20). Atentemos para a recompensa prometida aos famintos e sedentos por justiça. Eles um dia serão satisfeitos!

5. A bem-aventurança da perfeita empatia. Nas bem-aventuranças anteriores, Jesus tinha focado numa condição de espírito, de mente, ou seja, interna. Agora, ao falar dos misericordiosos, no verso 7, Jesus está pensando em termos de atos concretos. O ato de ser misericordioso significa fazer algo em relação à condição de miséria do outro, socorrer alguém em aflição.

O conceito de misericórdia era bem conhecido tanto no Antigo (Salmos 59:18; 107:43; Isaías 55:3; Lamentações 3:22) quanto em o Novo Testamento. Nesse mesmo sermão, Jesus faz referência a uma das maneiras de se agir com misericórdia, que estava sendo alvo de abuso por parte dos fariseus (Mateus 6:2-4; 12:7). O exibicionismo religioso terá apenas recompensas terrenas. Porém, quem age com misericórdia no intuito de agradar a Deus terá a recompensa eterna.

Uma parábola que ilustra muito bem essa bem-aventurança é a do credor incompassivo (Mateus 18:23-35, principalmente o verso 33). Não há dúvidas de que desde agora Deus tem agido com complascência. A menção da misericórdia futura traz traços escatológicos. Jesus estava falando da grande consumação dos tempos, onde Deus fará uma exibição esplêndida e cósmica de Sua misericórdia!

6. A bem-aventurança do coração limpo. A sexta bem-aventurança diz respeito aos que são limpos de coração (v. 8). Aqui, de imediato, me vêm à mente os salmos15 e 24. Jesus volta novamente a mencionar as atitudes do coração. Os servos do reino devem ter o coração limpo, pois é dele que procedem todas as saídas da vida (Provérbios 4:23). Se o interior não estiver limpo, também não estará o lado de fora. De que adianta rituais externos sem pureza de coração? (cf. Mateus 15:1-20). Em Cristo, o ritual de pureza externa cede lugar ao lavar do Espírito Santo (Tito 3:5). A recompensa para os limpos de coração é que eles verão a Deus. Nenhum ser humano pode, hoje, contemplar a face de Deus e viver. Por isso, somente no futuro, quando formos glorificados, é que O veremos, como Ele é!

7. A bem-aventurança de unir os homens. A sétima bem-aventurança é direcionada aos pacificadores, cujo galardão é de poderem ser chamados filhos de Deus(v. 9). A condição dos oprimidos, injustiçados e chorões, dos versos anteriores, bem poderia nos levar a pensar que seria justo responder às injúrias por meio da violência. Existiam alguns que pensavam assim nos tempos de Jesus. Por exemplo, os zelotes e os sicários.65 Porém, Jesus não estava chamando ninguém para conquistar o reino por meio da espada. Muito pelo contrário, Ele, inclusive, repreendeu Pedro por ter cortado a orelha de Malco (Mateus 26:52-53). A política apontada por Cristo foi a da paz e do amor (cf. Romanos 14:19; Hebreus 12:14; 1Pedro 3:11), inclusive amor demonstrado aos inimigos (Mateus 5:43-48). A recompensa para quem agir assim é ter o direito de ser chamado de filho de Deus. Mas os cristãos já não o são? Sim (cf. João 1:12). Todavia, não devemos esquecer-nos da carga escatológica colocada aqui nesta parte do Sermão do Monte.

8. A bem-aventurança de quem sofre por Cristo.Chegamos ao final das bem-aventuranças, no verso 10: Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça. Mas, e quanto à bem-aventurança do verso 11? Ela traz o mesmo assunto: ser perseguido ou sofrer por causa de Jesus. Por isso, podemos tratá-las em conjunto. Jesus chega ao ápice da característica dos cidadãos do reino dos céus. Esses perseguidos e injuriados sofrem na pele o compromisso de seguirem a Cristo (Mateus 10:22-23). Entretanto, isso não deve trazer tristeza, e sim alegria (v. 12). Parece loucura alguém ficar feliz devido aos sofrimentos, mas não é! O fator que desencadeia a alegria não é o sofrimento em si, mas a recompensa de termos o reino dos céus, acompanhado do galardão que será entregue a cada um!

O reino de Deus é inverso ao mundo. Por isso, não adianta usar os parâmetros mundanos para medir as coisas do reino. As bem-aventuranças mostram isso claramente. Porém, essa inversão tem um propósito: fazer-nos investir de maneira correta; pois, para o Senhor, as pessoas ricamente felizes são aquelas que investem no céu, e não na Terra!

 

63 Veja também Salmos 9:10; 10:8,10,12,14; 34:18-19; Isaías 57:15.

64 As traduções das Bíblias NVI e ARA, por exemplo, em vez de terem traduzido a palavra hebraica ‘anawin por "os mansos" a traduziram por "os pobres". Esta última parece realmente ser a melhor tradução. A versão grega do Antigo Testamento (Septuaginta) também traduziu a palavra hebraica ‘anawin pela grega ptôkois (pobres, oprimidos).

65 HOLLADAY, William Lee. A concise Hebrew and Aramaic lexicon of the Old Testament. Bible Works [CD-ROM].

66 DOUGLAS, James Dixon; SHEDD, Russel Phillip (Eds.). O novo dicionário da Bíblia. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 1521, 1676.

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