Texto de Estudo: Cantares 4:8-16 / Cantares 5:1

Desde o princípio, "Cantares de Salomão" foi incluído no cânon hebraico do Antigo Testamento, sendo comumente cantado nas cerimônias judaicas de casamento. Entretanto, este tem sido um dos livros mais negligenciados de toda a Bíblia. São poucos os cristãos que o leem, e os que o fazem ficam confusos ou embaraçados pela beleza de suas palavras. Devido à sua celebração do amor físico e do uso que faz de metáforas, que parecem extravagantes à mentalidade ocidental, os cristãos são, normalmente, relutantes em interpretá-lo de maneira natural. Não obstante, é um dos mais lindos escritos das Escrituras, quando entendido corretamente.

Em todo o volume sagrado, Cantares de Salomão é o único livro que tem o amor como seu tema exclusivo.43 O assunto é manuseado com grande habilidade e introspecção, numa série de dramáticos cânticos embelezados pela rica imaginação oriental, e contém lindas descrições de cenas naturais.44

Cantares é, portanto, uma canção de amor que honra o matrimônio. Nesse livro, canta-se o amor espontâneo entre uma mulher e um homem, um amor que é forte como a morte.45

Edward J. Young afirma que o livro foi escrito para leitores que vivem num mundo de pecado, de prazeres e de paixões, onde violentas tentações nos assaltam e procuram afastar-nos do tipo modelar de casamento, nos moldes da Lei de Deus, e lembra-nos, de um modo particularmente sublime, quão puro e nobre é o verdadeiro amor.46

Hernandes Dias Lopes afirma que "o amor em Cantares é abundante, sem deixar de ser santo. Ele é pleno, sem deixar de ser fiel. Ele desfruta das delícias criadas por Deus, sem deixar de ser puro".47

A celebração do amor

Muito embora Cantares de Salomão seja a descrição da celebração de um casamento, seu tema central não é o casamento em si, mas o amor.

O capítulo 4 de Cantares de Salomão nos apresenta pelo menos sete princípios para um casamento feliz. Vejamos.

1. O princípio do elogio. No verso 7, lemos assim: Tu és toda formosa, querida minha, e em ti não há defeito. A palavra hebraica traduzida por "defeito", admite os sentidos de "sem imperfeição física" e "sem mácula moral". E, na interpretação alegórica desse texto, é o sentido moral que deve prevalecer.48 Para o noivo, de Cantares, em sua noiva não havia defeito algum a ser por ele apontado. Muito pelo contrário, pois em todo o livro ele não se cansa de elogiá-la e de destacar as suas virtudes.

Homem e mulher têm necessidade de elogios. Temos carências afetivas que precisam ser supridas saudavelmente no contexto do casamento. Assim como nosso corpo precisa de alimento, nossa alma precisa de valorização. Em seu livro "O Poder do Elogio", Jerry D. Twentier afirma que a "nossa necessidade de aprovação é tão essencial quanto o ar, a comida e a água!".49

Um cônjuge elogiado de forma sincera ganha autoconfiança e é protegido das seduções. Um consorte que recebe a apreciação positiva do seu cônjuge tem mais resistência para enfrentar as tentações.

2. O princípio do romantismo. No verso 9, Salomão diz à sua amada: Arrebataste-me o coração, minha irmã, noiva minha; arrebataste-me o coração com um só dos teus olhares, com uma só pérola do teu colar. Essa é a linguagem romântica. O noivo de Cantares usa uma linguagem de efusivo entusiasmo sentimental. Ele fala de um coração arrebatado pelo olhar da sua amada e pela beleza das pérolas do seu colar. A beleza da sua amada é interna e externa. Ela vem dos seus atavios e do seu olhar.50

O romantismo não pode morrer no altar. Aquela mesma alegria e entusiasmo que marcaram o namoro e o noivado devem permanecer no casamento. E isso não é algo automático, precisa ser cultivado!

Em uma pesquisa feita nas igrejas evangélicas, para se descobrir quais os principais problemas que estão atingindo os casais, constatou-se que mais de 90% das mulheres reclamaram de falta de carinho e romantismo no casamento. Por outro lado, os homens reclamaram que as mulheres não procuram a relação sexual e que, quando procuradas, costumam dar desculpas descabidas. Os dois acabam por punirem um ao outro: o homem não dá carinho e a mulher não se interessa pela relação sexual. Assim, ambos deixam de usufruir as delícias da vida conjugal.51

3. O princípio das carícias. O terceiro princípio encontra-se no verso 10: Como são deliciosas as tuas carícias, minha irmã, minha esposa! Mais deliciosas que o vinho são as tuas carícias, e o odor dos teus perfumes excede o de todos os aromas! (TEB). O que é carícia? É o toque, o afago, o estímulo sensorial. Começa no nascimento, com o toque físico. Depois passa para palavras, olhares, gestos e aceitação. Sem dúvida o toque físico é o mais potente meio de carinho e afeto.

O amor se expressa de maneiras práticas e, às vezes, até pequenas, como uma palavra de elogio, um presente de aniversário, um jantar fora só os dois.

Há que se ressaltar também o poder do toque. Gary Chapman diz que "no casamento, o toque de amor existe em várias formas. Levando-se em conta que os receptores ao toque localizam-se por todo o corpo, um afago amoroso em qualquer parte pode comunicar amor a seu cônjuge".52 Sem essas expressões pequenas no dia a dia, o relacionamento esfria.

4. O princípio da comunicação. Sobre o quarto princípio, Salomão diz, no verso 11: Os teus lábios, noiva minha, destilam mel. Mel e leite se acham debaixo da tua língua. Esse é o princípio da comunicação saudável. Em Provérbios lemos que: A morte e a vida estão no poder da língua. O que bem a utiliza come do seu fruto (Provérbios 18:21). A língua pode ser veículo de encorajamento ou canal de morte. Não haverá um casamento saudável se a comunicação não for positiva, harmoniosa ou respeitosa.

O segredo de um casamento feliz é uma comunicação saudável. Onde prospera a crítica impiedosa, o romantismo acaba. Onde abundam as acusações, o relacionamento conjugal adoece. Sem comunicação harmoniosa, a vida conjugal se torna uma prisão, e não um campo de liberdade.53

O filósofo Frederico Nietzsche costumava dizer:

Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice? Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.54

Precisamos não apenas alimentar nossa relação com palavras boas, mas também devemos ser o deleite e o prazer do nosso cônjuge com nossas palavras generosas.

5. O princípio da fidelidade. No verso 12, Salomão declara: Jardim fechado és tu, minha irmã, noiva minha, manancial recluso, fonte selada. Ele compara o corpo de sua amada a um "jardim fechado" e a uma "fonte selada".Jardins fechados são comuns no Oriente, para preservar a privacidade, assim como a selagem das fontes, para assegurar o suprimento de água e evitar a sua poluição e seu roubo.55

O nosso cônjuge precisa ser um jardim fechado, uma fonte selada e um manancial recluso! O casamento só pode ser saudável se houver fidelidade conjugal. Sem o princípio da fidelidade, o casamento adoece e morre. Por isso, a infidelidade conjugal tem sido, ao longo dos anos, o principal motivo que leva um casal ao divórcio.56

A traição no casamento é algo tão danoso que a Bíblia a compara com a autodestruição, com o suicídio familiar: O que adultera com uma mulher está fora si; só mesmo quem quer arruinar-se é que pratica tal cousa (Provérbios.6:32).

Pesquisas feitas pelo Dr. Steven Stack, do departamento de sociologia da Universidade Wayne State, constataram que casais vivendo em um matrimônio debaixo de uma aliança e que se mantêm fiéis um ao outro são mais felizes que aqueles que estão amasiados e muito mais felizes que os solteiros.57

Os casamentos mais felizes são aqueles que se mantêm protegidos e guardados pelos muros da fidelidade.

6. O princípio da amizade. O sexto princípio encontra-se no verso 7: És toda formosa, minha amiga. E, também, no verso 10: Que belo é o teu amor, ó minha irmã, noiva minha. Salomão descreve sua amada noiva como "irmã" e "amiga". O princípio que está por trás dessa expressão é o da amizade. No hebraico, a palavra aqui traduzida por "amor" é dōdîm, um plural que denota tanto o ato sexual (cf. Provérbios 7:18; Ezequiel 16:8; 23:17), quanto o sentimentode amizade (cf. Cantares 1:2,4; 4:10; 7:13).58

Um casamento feliz não é apenas romance, mas também amizade. Uma paixão crepitante não sustenta um casamento por longos anos, pois esta tende a apagar-se com o tempo e, nessas horas, apenas o casal que cultivou a amizade, o respeito e o afeto pode superar as intempéries da vida.59

O psicólogo John Gottman conduziu pesquisas sobre casamento e divórcio, durante 16 anos. Nesse tempo, mais de 700 casais foram avaliados e a conclusão dele foi que a amizade é o fator comum aos casamentos que deram certo e não terminaram em divórcio. Segundo ele, "a amizade alimenta as chamas do romance, porque oferece a melhor proteção contra a sensação de serem adversários um do outro".60

Esses dados comprovam cientificamente a importância da amizade dentro do casamento. Mas, infelizmente, a prática desse princípio anda em baixa na vida de muitos casais cristãos.

7. O princípio do prazer sexual. Finalmente, encontramos o último princípio no verso 15: És fonte dos jardins, poço das águas vivas, torrentes que correm do Líbano! Esse versículo completa a visão paradisíaca evocada pela descrição do corpo da amada. O Líbano é apresentado como um paraíso de onde provém tudo o que é agradável aos sentidos e com que são feitas as comparações mais elogiosas com o físico da amada e do amado (cf. Cantares 3:9; 4:8, 11; 5:18; 7:5).61

Deus nos deu o privilégio de desfrutarmos plenamente a vida conjugal. O casamento foi criado por Deus para a felicidade do homem e da mulher. Por isso, ele deve ser uma fonte de prazer, e não de sofrimento.

A Bíblia diz: Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula (Hebreus 13:4). A palavra "leito", na língua grega, é a mesma palavra para "coito",de onde vem a expressão "relação sexual". Portanto, o sexo prazeroso deve ser desfrutado num leito sem mácula. O sexo, dentro dos padrões de Deus, é uma grande fonte de prazer. Dentro dos princípios estabelecidos pelo Criador, a relação sexual de marido e mulher é algo lindo, santo, puro e deleitoso.

Uma Palavra Final

O casamento é como uma conta bancária. Precisamos fazer altos investimentos se quisermos ter retorno.Devemos elogiar mais e criticar menos; precisamos dar mais e cobrar menos; necessitamos compreender mais e exigir menos. O nosso papel no casamento não é buscar a nossa própria felicidade, mas fazer o nosso cônjuge feliz.

Nós colhemos no casamento o que plantamos. Quem semeia amor colhe amor. Quem semeia amizade colhe amizade. Porém, quem semeia vento colhe tempestade.Quem semeia incompreensão colhe solidão. Nós refletimos dentro da nossa casa o nosso próprio rosto. Nós bebemos o refluxo do nosso próprio fluxo. O bem que fazemos retorna para nós com ricos dividendos; porém, o mal que fazemos recai sobre a nossa própria cabeça. Experimente o melhor de Deus na sua vida conjugal!

 

43 CRB. Sabedoria e poesia do povo de Deus. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1995, p.160.

44 DAVIDSON, F. O novo comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1997, p.1113.

45 FRETTLOEH, Magadelene Luise. O amor é forte como a morte: uma leitura de Cânticos dos Cânticos com olhos de mulher. Fragmentos de Cultura, Institutode Filosofia e Teologia de Goiás, IFITEG. Goiânia, v. 12, n. 4, p. 633-642,2002.

46 YOUNG, Edward J. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1964, p. 351.

47 LOPES, Hernandes Dias. Casados & Felizes: não permita que seu casamento vire uma mala sem alça. São Paulo: Hagnos, 2008, p. 65-66.

48 CAVALCANTI, Geraldo Holanda. O Cântico dos Cânticos: um ensaio de interpretação através de suas traduções. São Paulo: Ed. UNESP, 2005, p.348.

49 TWENTIER, Jerry D. O poder do elogio. Rio de Janeiro: Record, 1998, p.12.

50 LOPES, Hernandes Dias. Obra citada, p. 69.

51 LOPES, Hernandes Dias. Obra citada, p. 71.

52 CHAPMAN, Gary. As cinco linguagens do amor. São Paulo: Mundo Cristão, 2000, p. 88.

53 LOPES, Hernandes Dias. Obra citada, p. 72.

54 ALVES, Rubem. Retratos de amor. Campinas, SP: Papirus, 2002, p. 27.

55 CAVALCANTI, Geraldo Holanda. Obra citada, p. 358.

56 LOPES, Hernandes Dias. Obra citada, p. 73,74.

57 LIOY, Dan (Ed.). David C. Cook Bible Lesson Commentary 2011-2012. Colorado Springs: David C. Cook, 2011, p. 72.

58 STADELMANN, Luis I. J. Cântico dos Cânticos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1998,p. 37.

59 LOPES, Hernandes Dias. Obra citada, p. 76.

60 GOTTMANN, Jhon; SILVER, Nan. Sete princípios para o casamento dar certo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000, p. 32.

61 CAVALCANTI, Geraldo Holanda. Obra citada, p. 363.

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