Texto de Estudo: Mateus 5:43-48

Na passagem de hoje, Jesus aborda um assunto vital. Ao abordá-lo, Ele expõe alguns dos seus ensinamentos mais difíceis sobre como devemos viver. O que Cristo diz parece antinatural para nós, até mesmo impossível de realizar. Porém, quando entendemos o que Deus fez por nós, vemos que o que Jesus diz é a nossa única resposta possível ao grande amor de Deus por nós.

A verdadeira identidade

Saber que devemos amar é algo simples de assimilar. A questão se torna tensa quando descobrimos quem deve ser digno de receber esse amor. E mais: por quais padrões determinamos quem deve ser amado ou não? Certa feita disse Jesus: Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros (João 13:35). Se você é um(a) discípulo(a) de Cristo, veja o que o Mestre tem a lhe dizer sobre amor ao próximo.

O que os antigos disseram

O assunto abordado por Jesus é sobre o amor ao próximo (v. 43). E, seguindo a mesma metodologia dos assuntos anteriores, cita em primeiro lugar a compreensão que os mestres da Lei tinham em relação a esse mandamento. O mandamento está baseado em Levíticos 19:18.

Qual seria o objetivo de Jesus ao questionar a compreensão tradicional sobre esse mandamento? Jesus sabia que a compreensão dos fariseus e escribas continha uma restrição quanto ao conceito de "próximo".

Essa verdade ganha cores mais vivas na parábola "Bom Samaritano". Um intérprete da lei perguntou: Quem é o meu próximo? (Lucas 10:29). No contexto dessa parábola, a pergunta não revela falta de conhecimento. Pelo contrário, o intérprete da lei estava pondo à prova a própria capacidade de Cristo de interpretar a Lei. Porém, o que acabou ganhando com isso foi a melhor interpretação já dada sobre o amor ao próximo. A verdade cavou uma vala tão profunda na compreensão do intérprete da Lei que ele não teve como escapar da magna pergunta levantada por Jesus: Qual destes três parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu-lhe o intérprete da Lei: O que usou de misericórdia com ele. Vai e procede tu de igual modo (Lucas 10:36-37).

O que Jesus disse

Depois de mencionar a compreensão antiga, Jesus propõe a compreensão correta e mais profunda do mandamento: Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem (v. 44). Podemos perceber que, na compreensão de Cristo, o conceito de "próximo" é amplo. Se para os fariseus e escribas o próximo deveria ser outro judeu, para Jesus o próximo poderia ser até os gentios (não judeus). Jesus extrapolou as fronteiras étnicas! Para Ele o amor não conhece barreiras de qualquer espécime.

Creio que esse mandamento não causou tensão somente nos ouvintes originais. Até nós mesmos ficamos meio inquietos com a ideia de que devemos amar uma pessoa que não nutre o mínimo de afeição por nós. Mas a parábola "Bom Samaritano" pode nos ajudar a entender melhor essa questão. Ou seja, na lição de Jesus Cristo, demonstrar amor a outrem não deve ter como precedente uma afinidade anteriormente construída. A proposta para os súditos do reino dos céus é agirem em atitudes de amor. Jesus está focando na ação e não na afinidade emocional. Claro que isso não significa que a emoção no ato de amar esteja de toda excluída.

Outra passagem que nos ajuda a entender a importância de agirmos com amor é a de Mateus 25:31-46. É muito interessante que nessa passagem tenhamos o grande julgamento. O reino dos céus, que outrora fora inaugurado, agora se consuma nessa passagem. E consequentemente inicia-se uma nova era. Depois da grande separação entre ovelhas e bodes, o Rei elogia os atos amorosos dos "benditos do Pai". Repare que o comportamento das ovelhas foi medido em ações. Eles alimentaram, deram de beber, hospedaram, vestiram e visitaram os encarcerados. Portanto, amar é agir!

A questão, para Jesus, não era ir contra os sentimentos ou emoções em si, mas antes se referia a uma espécie de emoção: a predileção. Essa predileção, a qual leva muito em conta nossa personalidade, pode influenciar uma atitude de amor. O que muitas vezes nos faz construir muros e não pontes.

Havia uma grande razão do porquê de se amar os inimigos e orar pelos perseguidores. Já que Jesus estava tratando da ética do reino, nada melhor do que destacar a ética do Rei. O Pai celeste é uma pessoa amorosa. Isso é facilmente demonstrado na ação de enviar chuva para bons e maus. Reparemos na iniciativa do Pai: Ele resolve fazer o bem sem restrições! De acordo com esse exemplo, está implícito que a ação de amar não é apenas não fazer nenhum mal (o que geralmente classificamos como indiferença).

Jesus faz um sensível paralelo com as palavras "próximo" e "inimigo". O que para os judeus não tinha correlação alguma, Jesus então a estabelece. Os pares "maus e bons" e "justos e injustos", do verso 45, enfatizam mais ainda o amor sem fronteiras do Pai. Assim Jesus estabelece não somente um paralelo com as palavras, mas com as ações feitas pelo Pai e com aquelas que devem ser feitas pelos filhos desse Pai: para que vos torneis filhos do vosso Pai celestial (v. 45). Este é nosso propósito: agirmos como o nosso Pai age! Isso traz à tona o tema da filiação. Assunto fortemente presente, por exemplo, na aliança davídica (direcionada especificamente a Salomão - cf. 2Samuel 7:14) e muito bem trabalhada por Paulo, em sua carta aos Gálatas. Se realmente somos filhos de Deus, não poderemos fazer outra coisa a não ser aquilo que vemos o Pai fazer, não é mesmo? (cf. João 5:19).

Jesus prossegue seu argumento demonstrando aos seus discípulos que, se o relacionamento com as demais pessoas não for feito de acordo com a ética ou o padrão do Pai celeste, então em nada excederão a justiça dos escribas e fariseus. Nos versos 46 e 47, Jesus revela que o mundo já tem um padrão de relacionamento medido pela correspondência afetiva de predileção.

Os exemplos utilizados por Jesus foram os publicanos e os gentios. Os termos são tomados juntos aqui como que um paradigma para identificá-los como pecadores ou não judeus. Os publicanos eram pessoas que trabalhavam coletando impostos para o Império Romano. Portanto, um cargo público. Eram vistos como pecadores pelos fariseus e escribas, não somente pela fama de gananciosos (o que destacava sua procedência injusta), mas também devido a seu contato constante com os gentios. Visto pelo ângulo cerimonial, eles sempre estavam impuros, daí a tradição rabínica de não aprovar que seus alunos se sentassem em companhia deles.70 Assim, se os súditos do reino dos céus amarem apenas aqueles que os amam, serão semelhantes aos publicanos.

Os gentios também se enquadravam nos padrões do mundo quanto aos relacionamentos. Jesus disse que eles só saudavam aquelas pessoas que os saudavam também. Se os discípulos agissem dessa mesma maneira, que diferença haveria entre ser ou não ser um cristão?

Que padrão alto estabeleceu Jesus! Com certeza os ouvintes de seu sermão pensaram o mesmo. Por isso, a conclusão do mestre: Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste (v. 48). Essa conclusão serve inclusive para o fechamento das demais explanações de Jesus, desde o verso 21. Porém, é possível sermos perfeitos? Sim, quando entendemos alguns significados do termo e sua aplicação no contexto maior do Sermão do Monte.

O termo "perfeição", aqui usado por Jesus, vem do grego teleioi e significa: algo que atinge um fim, um propósito, aquilo que está completo, sem faltar nada.71 A palavra correspondente no hebraico (tamin) era usada tanto para caracterizar os animais que deveriam ser dedicados em sacrifícios, como também servia para qualificar o caráter de pessoas (cf. Gênesis 6:9 e 17:1). Unindo esses significados ao contexto maior do Sermão do Monte fica mais fácil o entendimento da mensagem.

Jesus havia afirmado que a justiça dos discípulos deveria exceder a dos escribas e fariseus (v. 20). Visto que Jesus já havia provado, ao longo de suas exposições anteriores, que a compreensão dos escribas e fariseus sobre o que a Lei exigia não era plena e não abarcava completa e perfeitamente (teleioi) as aplicações profundas relacionadas ao homicídio (vv. 21-26), ao adultério (vv. 27-32), aos juramentos (vv. 33-37), à vingança (vv. 38-42) e ao amor ao próximo (vv. 43-47), então não restava outra justiça que atendesse à tão alta exigência a não ser a do Pai (cf. Levíticos 11:44). Portanto, ser perfeito é estar em sintonia com a vontade do Pai.

Ainda que relutemos contra as muitas condições que não nos predispõem a agir com amor em relação às pessoas de quem não gostamos, o ensinamento de Jesus é muito claro: ame!

Sei que manter reservas em relação a alguém é algo inescapável. Mas o que encontramos aqui é um chamado para agir de acordo com os princípios do reino dos céus, e não com os do reino dos homens. Como conseguiremos praticar tão alto padrão? Vivendo como nova criatura! Como bem disse um esclarecido servo de Deus: "a força necessária para tanto é que esse homem tenha morrido para si mesmo, tenha morrido para seus próprios interesses, tenha morrido para as preocupações consigo mesmo". 72

 

70 DOUGLAS, James Dixon; SHEDD, Russel Phillip (Eds.). Obra citada, pp. 1346,1347.

71 THAYER, Greek-English Lexicon of The New Testament. In: Bible Works [CD--ROM].

72 LLOYD-JONES, David Martin. Estudos no Sermão do Monte. 4. ed. São Paulo:Fiel, 1999, p. 282.

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