Rute 2:1-13:
Na cidade de Belém de Judá, Noemi tinha um parente por parte da família de seu marido, Elimeleque, o qual se chamava Boaz, e que era "senhor de muitos bens" (Rute 2:1). Esta expressão traduz uma frase que geralmente significa "um homem de grande valor", isto é, um bravo guerreiro. Aqui a expressão parece dar a idéia das melhores qualidades masculinas.1 Portanto, quando somos apresentados a Boaz, somos apresentados a um homem de integridade, a um homem de influência, a um homem de recursos. Todos esses fatores na vida de Boaz, e, acima de tudo, o fato de ser alguém da família", um parente de Elimeleque, serão importantes no papel que ele desempenhará dentro da história de Noemi e Rute.1 E TINHA Noemi um parente de seu marido, homem valente e poderoso, da família de Elimeleque; e era o seu nome Boaz. 2 E Rute, a moabita, disse a Noemi: Deixa-me ir ao campo, e apanharei espigas atrás daquele em cujos olhos eu achar graça. E ela disse: Vai, minha filha. 3 Foi, pois, e chegou, e apanhava espigas no campo após os segadores; e caiu-lhe em sorte uma parte do campo de Boaz, que era da família de Elimeleque. 4 E eis que Boaz veio de Belém, e disse aos segadores: O SENHOR seja convosco. E disseram-lhe eles: O SENHOR te abençoe. 5 Depois disse Boaz a seu moço, que estava posto sobre os segadores: De quem é esta moça? 6 E respondeu o moço, que estava posto sobre os segadores, e disse: Esta é a moça moabita que voltou com Noemi dos campos de Moabe. 7 Disse-me ela: Deixa-me colher espigas, e ajuntá-las entre as gavelas após os segadores. Assim ela veio, e desde pela manhã está aqui até agora, a não ser um pouco que esteve sentada em casa. 8 Então disse Boaz a Rute: Ouves, filha minha; não vás colher em outro campo, nem tampouco passes daqui; porém aqui ficarás com as minhas moças. 9 Os teus olhos estarão atentos no campo que segarem, e irás após elas; não dei ordem aos moços, que não te molestem? Tendo tu sede, vai aos vasos, e bebe do que os moços tirarem. 10 Então ela caiu sobre o seu rosto, e se inclinou à terra; e disse-lhe: Por que achei graça em teus olhos, para que faças caso de mim, sendo eu uma estrangeira? 11 E respondeu Boaz, e disse-lhe: Bem se me contou quanto fizeste à tua sogra, depois da morte de teu marido; e deixaste a teu pai e a tua mãe, e a terra onde nasceste, e vieste para um povo que antes não conheceste. 12 O SENHOR retribua o teu feito; e te seja concedido pleno galardão da parte do SENHOR Deus de Israel, sob cujas asas te vieste abrigar. 13 E disse ela: Ache eu graça em teus olhos, SENHOR meu, pois me consolaste, e falaste ao coração da tua serva, não sendo eu ainda como uma das tuas criadas.
Em um determinado dia, Rute pediu permissão a Noemi para que a deixasse ir ao campo, apanhar algumas espigas. De acordo com a lei mosaica, os pobres tinham o direito de colher as espigas que caíam das mãos dos segadores (Levíticos 19:9; 23:22; cf. Deuteronômio 24:19). Espigas, na verdade, se refere à cevada (cf. Rute 1:22). Ela não tinha intenção de ir a algum campo em particular, mas "por um acaso" foi ao campo de Boaz. O que parecia ser uma coincidência deve ser visto como providência de Deus à luz de toda a história.
De acordo com David Atkinson, um dos aspectos mais importantes da fé na providência de Deus é que ela nos ensina que até mesmo as coisas acidentais estão dentro do seu cuidado. O que para Rute foi uma mera coincidência em um conjunto de circunstâncias não planejadas, entendemos (como Noemi entendeu mais tarde naquele dia, v. 20) que foi parte da obra do cuidado gracioso de Deus.2
A narrativa diz que Boaz notou a presença de uma pessoa estranha em seu campo. Muito provavelmente sua aparência e roupas eram diferentes das outras moças que costumavam rebuscar atrás dos segadores. A resposta dada pelo encarregado dos trabalhadores de Boaz foi quase depreciativa: "Esta é aquela estrangeira que veio de Moabe junto com Noemi!" (Rt. 2:6).
Rute pedira permissão para rebuscar no campo de Boaz. Quando o encarregado dos segadores lhe deu permissão, ela trabalhou diligentemente.
Ela me pediu que a deixasse ir atrás dos trabalhadores, catando as espigas que fossem caindo. E assim ela está trabalhando desde cedo até agora e só parou um pouco para descansar debaixo do abrigo. (Rute 2:7)
"Menos um pouco que esteve na choça". Essas palavras provavelmente se referem ao tempo que ela passou na cabana construída no campo para descanso e alimentação. O texto hebraico implica em que Rute passou algum tempo ali, muito embora a LXX assim traduza: "ela não descansou nem um pouquinho". A Vulgata Latina diz: "ela não voltou para casa nem mesmo por pouco tempo".
As servas seguiam os segadores no campo, a fim de amarrar os molhos. Boaz sugeriu que Rute permanecesse no campo com elas. Há um entendimento implícito de que ele providenciaria todas as suas necessidades: "Ouve, filha minha, não vás colher em outro campo, nem tampouco passes daqui; porém aqui ficarás com as minhas servas. Estarás atenta ao campo que segarem e irás após elas" (Rute 2:8).
De acordo com Eliezer Serra Braga, os interesses especiais de Boaz por Rute estão claros nesta narrativa e há a intenção do narrador em preparar a justificativa para que Rute seja vista como digna de pertencer à nação por seus atributos como mulher de valor suficiente para ser aceita em Israel.3
Boaz não somente deu acolhida a Rute, como orientou seus trabalhadores a que não fizessem mal nenhum a ela: "Não dei ordem aos servos, que te não toquem? Quando tiveres sede, vai às vasilhas e bebe do que os servos tiraram" (Rute 2:8). A versão Almeida Revista e Atualizada diz que os servos foram proibidos de "tocá-la". Aqui temos o verbo hebraico naga' que, além de seus significados tradicionais (bater, ferir, tocar, golpear etc.) também pode se referir à abordagem sexual proibida de um homem para com uma mulher (cf. Gn. 20:6; Pv. 6:29).4 Rute também recebeu autorização para beber da água que era fornecida aos trabalhadores nos campos de Boaz.
Rute ficou comovida com as atitudes gentis de Boaz. A própria pergunta que fez comprovou seu espírito de humildade e modéstia: "Como é que me favoreces e fazes caso de mim, sendo eu estrangeira?" (Rt. 2:10). Boaz lhe disse que fizera algumas perguntas sobre ela e que ficara sabendo de sua lealdade para com a sogra. Além do mais, também sabia que ela havia deixado pai e mãe, e o país onde nascera e que viera viver entre estrangeiros. Abandonar a terra do nascimento era considerado um verdadeiro sacrifício.
Boaz reconhecia que ele sozinho não poderia recompensar Rute adequadamente por sua lealdade. Então, ele orou para que Rute fosse abundantemente recompensada pelo Senhor: "O SENHOR retribua o teu feito, e seja cumprida a tua recompensa do SENHOR, Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar refúgio" (Rute 2:12). Embora Rute se entendesse como uma "estrangeira", Boaz a recebe como membro da família de Javé, sob cujas asas ela veio buscar refúgio. Rute encontrou um lugar de refúgio no Deus de Israel. Como uma galinha ajunta seus pintainhos sob as asas, para protegê-los do mal, assim Deus protege todos aqueles que O buscam.
Conforme Eliezer Serra Braga:
A linguagem do narrador nos versículos 11 e 12 do capítulo 2 soam como que profecia. Ele prediz como seria o final da vida de Rute enquanto uma heroína para a nação, acentuando sua conversão ao Deus de Israel ("Seu Deus será o meu Deus..."), o abandono de sua terra natal, e de seus vínculos familiares de origem, para assumir sua nova identidade e papel social, o que é um conceito essencial para sua plena aceitação.5
Rute ficou profundamente sensibilizada pelas palavras de Boaz: "Tu me favoreces muito, senhor meu, pois me consolaste e falaste ao coração de tua serva, não sendo eu nem ainda como uma das tuas servas" (Rute 2:13). Ela sentia-se indigna de tanta gentileza, pois se considerava inferior às moças que trabalhavam para Boaz, talvez por causa de sua pobreza, sua nacionalidade gentia e seus antecedentes pagãos. A bondade dele para com as outras era compreensível. A bondade dele para com ela consistia em graça pura.
David Atkinson tece o seguinte comentário sobre este trecho:
Qualquer pessoa que esteja completamente convencida de que a sua vida está protegida pela mão de Deus, e de que ela nunca pode ser miserável enquanto Deus for gracioso para com ela; e que, conseqüentemente, recorra a esta certeza em todos os seus cuidados e problemas, encontrará o melhor de todos os remédios para todos os males. Não que os fiéis possam ficar inteiramente livres de temores e cuidados quando sacudidos por temporais de lutas e misérias, mas porque a tempestade é acalmada no seu próprio peito; e, assim, sendo a defesa de Deus maior do que todo perigo, a fé triunfa sobre o medo.6
O restante da história nos revela que aquele que fez a oração é de fato aquele por meio de quem ela será atendida! É por meio do próprio Boaz que Rute recebe segurança, refrigério e alimento, encontra um lugar de repouso na alegria do casamento e a esperança de um novo lar e um novo nome familiar.
Nós, na qualidade de povo da aliança de Deus, o Israel que pertence a Cristo, podemos fazer a mesma oração para nós e para os outros. Podemos experimentar o refúgio de Suas asas e ao mesmo tempo estar prontos para ser o meio de outros passarem pela mesma experiência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PFEIFFER, Charles F. Rute. In. PFEIFFER, Charles F.; HARRISON, Everett F. (Orgs.). Comentário bíblico Moody. São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1990, v. 3, p. 271.
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ATINKSON, David. A mensagem de Rute. São Paulo: ABU Editora, 1991, p. 42.
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BRAGA, Eliezer Serra. Santas e sedutoras: as heroínas na Bíblia hebraica. São Paulo: Humanitas, 2010, p. 107.
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RINGGREN, Helmer (Ed.). Theological dictionary of the Old Testament. 7. ed. Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing, 2003, v. 9, p. 206.
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BRAGA, Eliezer Serra. Op. cit., p. 107.
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ATINKSON, David. Op. cit., p. 52.