Jonas 4:1-10:

1 MAS isso desagradou extremamente a Jonas, e ele ficou irado. 2 E orou ao SENHOR, e disse: Ah! SENHOR! Não foi esta minha palavra, estando ainda na minha terra? Por isso é que me preveni, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade, e que te arrependes do mal. 3 Peço-te, pois, ó SENHOR, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver. 4 E disse o SENHOR: Fazes bem que assim te ires? 5 Então Jonas saiu da cidade, e sentou-se ao oriente dela; e ali fez uma cabana, e sentou-se debaixo dela, à sombra, até ver o que aconteceria à cidade. 6 E fez o SENHOR Deus nascer uma aboboreira, e ela subiu por cima de Jonas, para que fizesse sombra sobre a sua cabeça, a fim de o livrar do seu enfado; e Jonas se alegrou em extremo por causa da aboboreira. 7 Mas Deus enviou um verme, no dia seguinte ao subir da alva, o qual feriu a aboboreira, e esta se secou. 8 E aconteceu que, aparecendo o sol, Deus mandou um vento calmoso oriental, e o sol feriu a cabeça de Jonas; e ele desmaiou, e desejou com toda a sua alma morrer, dizendo: Melhor me é morrer do que viver. 9 Então disse Deus a Jonas: Fazes bem que assim te ires por causa da aboboreira? E ele disse: Faço bem que me revolte até à morte. 10 E disse o SENHOR: Tiveste tu compaixão da aboboreira, na qual não trabalhaste, nem a fizeste crescer, que numa noite nasceu, e numa noite pereceu;

O último capítulo do livro de Jonas compara a resposta misericordiosa de Deus à conversão de Nínive com a irritação do profeta. A ironia e a teologia alcançam o auge neste capítulo. Para começar, descobrimos a razão da fuga de Jonas no capítulo 1: ele teme a conversão de Nínive. E, de fato, ao ver que o povo de Nínive havia se convertido cada um do seu mau caminho e que Deus havia mudado de idéia e não os destruiu como tinha ameaçado, então, "com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado" (Jn. 4:1).

A palavra "ira", do hebraico charah, significa, entre outras coisas, "estar quente, inflamar-se, queimar".1 Assim, Jonas estava ardendo em ira como fogo. Paradoxalmente, Jonas ficou ardendo em ira porque Deus havia suspendido Sua ira.

Caio Fábio diz que um sentimento de ódio velado começou a invadir o coração de Jonas. Sua visão do mundo começou então a mudar. O Reino de Deus já não era nem a primeira nem a última preocupação em sua vida, mesmo sendo suas lutas políticas todas em nome do Reino de Deus.2

Mas porque Jonas está tão aborrecido? Uma linha de interpretação que recua pelo menos até os antigos rabinos sugere que Jonas está zangado porque foi levado a parecer tolo. Quando o oráculo de julgamento não se realiza, o profeta e sua deidade tornam-se objetos de escárnio. Mas não encontramos indícios disso nesta história. Parece-me mais provável que o problema de Jonas seja teológico.3

Jonas ficou extremamente descontente porque seus ouvintes se converteram. A xenofobia e o nacionalismo exagerado de Jonas transformaram-no num profeta preconceituoso e racista. Ele amava tanto a Israel que odiava a todos que podiam se constituir em ameaça para seu povo. Ele queria transformar o "Deus do céu, que fez o mar e a terra" numa divindade tribal.4

No hebraico, o sermão de Jonas se compunha de apenas cinco palavras, nada mais, nem mesmo introduzidas por um "assim diz o Senhor". Entretanto, de acordo com Isaltino Gomes Coelho Filho, a pregação de Jonas foi um sucesso estrondoso. Este é o maior fenômeno na história do evangelismo pessoal. Porém, em vez de Jonas manifestar alegria pelo sucesso do seu trabalho, explode em ressentimento e queixume. Sua zanga é porque Deus manifestou Sua graça a Nínive.5

A conversão dos ninivitas fez Jonas lançar no rosto de Deus a idéia de que ele estava certo e Deus errado.

E orou ao SENHOR e disse: Ah! SENHOR! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal. (Jn. 4:2)

Na opinião de Jonas, o caráter misericordioso de Deus trabalhava contra os sonhos de libertação dos oprimidos. Isto porque enquanto Deus estivesse agindo entre aqueles que Jonas considerava os poderosos da terra não haveria nenhuma chance de que Sua justiça os esmagasse. O que ele queria não era vê-los salvos, mas achatados, esmagados.6

Jonas reduziu sua visão missionária à dimensão político-histórica. São Jerônimo disse o seguinte, acerca da dimensão política de Jonas: "Jonas sabia que o arrependimento dos ninivitas poderia ser tragédia para os judeus. Daí a obstinada decisão de não pregar de jeito nenhum para eles".

O excesso de ideologia também passou a determinar a atitude existencial de Jonas. Isso porque a possibilidade da conversão de um inimigo tirou todo o prazer da sua vida. Sem a causa política em perspectiva, mais uma vez perde a razão de viver. Assim ele diz: "Peço-te, pois, ó SENHOR, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver" (Jn. 4:3).

Jonas deixou de ver a vida com os olhos de Deus e passou a enxergá-la com os olhos do nacionalismo israelita. Por isso, o fato da conversão do inimigo gerou um vazio total na sua vida; um sentimento da mais profunda amargura, terminando por desenvolver uma atitude existencial suicida.7 Ele se nega a viver no mesmo mundo dos ninivitas.

Hernandes Dias Lopes diz que duas razões motivaram Jonas para querer morrer: 1) sua reputação de profeta, que fora abalada, uma vez que havia anunciado uma coisa e aconteceu outra; 2) seu nacionalismo idolátrico, proveniente de um amor distorcido e desproporcional por Israel.8

Deus pacientemente confrontou Jonas acerca de sua ira: "É razoável essa tua ira?" (Jn. 4:4). Os psicólogos afirmam que a ira é um desejo forte de vingança. À medida que aumenta, a ira se transforma em fúria. A palavra sugere agressão, até mesmo perda do controle emocional.

Charles Swindoll diz que Jonas era um racista intolerante. Sabe-se que era profeta, mas também um homem que queria ver Nínive destruída! Essa a razão de não ter ido a Nínive quan­do Deus o enviou da primeira vez. Ele não queria que Níni­ve se arrependesse, queria vê-la exterminada. Ficou zanga­do porque as coisas não aconteceram como desejava.9 O motivo da ira de Jonas foi não ter conseguido o que queria - ele queria destruição. Deus, porém, deu livramento.

Jonas preferiu guardar silêncio, recusando-se a responder ao Senhor. "Então, Jonas saiu da cidade, e assentou-se ao oriente da mesma, e ali fez uma enramada, e repousou debaixo dela, à sombra, até ver o que aconteceria à cidade" (Jn. 4:5). Em vez de render-se a Deus como os ninivitas, Jonas prefere sair da cidade e esperar que Deus se arrependa da Sua benignidade. Jonas não muda, mas espera que Deus mude! Na tradição bíblica, é do Oriente que sempre vem o juízo e o castigo de Deus. Jonas tem ainda uma última esperança: de que a cidade se arrependa de ter se arrependido e volte a pecar, atraindo assim o juízo de Deus contra si.

Observando a Jonas em seu desconforto, "o Senhor Deus fez crescer uma planta sobre Jonas, para dar sombra à sua cabeça e livrá-lo do calor" (Jn. 4:6 - NVI). A planta indicada pelo termo hebraico é desconhecida, pois a palavra usada no original para descrever a planta que cresceu junto ao abrigo de Jonas (qiyqayown) só é usada neste relato, em toda a Bíblia. Assim, é praticamente impossível saber exatamente a espécie da planta da nossa história. O texto do verso 6 parece sugerir tratar-se de uma trepadeira. A versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel traduz o termo como "aboboreira", enquanto que a Nova Tradução na Linguagem de Hoje fala em "uma planta". A versão inglesa King James usa uma palavra que poderia ser traduzida como "cabaceira" enquanto que a Nova Versão Internacional em inglês traduz como "videira". A tradição medieval retomada pelo hebraico moderno a identifica com o "rícino" (Ricinus communis L), mais conhecida como mamona, carrapateira ou palma-crísti. É originária do leste e nordeste da África, até o Oriente Médio.

O autor do livro diz que "Jonas, pois, se alegrou em extremo por causa da planta" (Jn. 4:6). A primeira vez que o livro fala na alegria de Jonas é por uma razão pessoal e egoísta. Caio Fábio nos diz que Jonas era um ser mesquinho e totalmente egoísta. Ele estava pensando só em si, no seu bem-estar, naquilo que lhe agradava, no seu prazer, seu conforto.10 Ele se alegra quando é abençoado e se ira quando os outros são. Sua vida está centrada nele mesmo e não em Deus.11

Entretanto, a alegria de Jonas não durou mais do que um dia, pois "no dia seguinte, quando o sol ia nascer, por ordem de Deus um bicho atacou a planta, e ela secou" (Jn. 4:7 - NVI).

Então, "depois que o sol nasceu, Deus mandou um vento quente vindo do leste. E Jonas quase desmaiou por causa do calor do sol, que queimava a sua cabeça. Então quis morrer e disse: - Para mim é melhor morrer do que viver!" (Jn. 4:8). Deus está agindo o tempo todo neste livro. Uma lição que Jonas precisava aprender é que Deus é soberano sobre os céus e sobre a Terra. Na parábola de Ezequiel, o Senhor termina dizendo: "Saberão todas as árvores do campo que eu, o Senhor, abati a árvore alta, elevei a baixa, sequei a árvore verde e fiz reverdecer a seca; eu, o Senhor, o disse e o fiz" (Ez. 17:24).

O vento a que nosso texto se refere era o que podia ser descrito como uma espécie de sopro quente, quase sufocando a terra. Esse era o siroco, ou vento quente, carregado de poeira. Em meio a esse calor sufocante é que Jonas desfaleceu e queria morrer.

O Rev. Hernandes Dias Lopes nos traz uma preciosa lição, ao dizer:

Deus, porém, está trabalhando com Jonas, usando esses recursos pedagógicos para tocar em seu coração. Se Jonas era capaz de alegrar-se em extremo com o conforto momentâneo de uma sombra, não deveria se alegrar por centenas de milhares de pessoas serem salvas da ira? Se Jonas está desgostoso com vida a ponto de querer morrer porque uma planta nasceu e no dia seguinte pereceu, não deveria Jonas se alegrar porque milhares de vidas foram salvas da ira vindoura por toda a eternidade? Se Jonas foi capaz de se importar com uma planta, a qual ele não fez crescer, não deveria Deus ter prazer na salvação de milhares de pessoas que Ele criara à Sua imagem e semelhança?12

Então, Deus repetiu a mesma pergunta a Jonas: "É razoável essa tua ira por causa da planta? Ele respondeu: É razoável a minha ira até à morte" (Jn. 4:9). Jonas está revoltado contra Deus. Ele não esconde seus sentimentos de frustração com as prioridades de Deus. Não pode aceitar o modo de Deus agir. Por causa disso, ele começa a discutir com Deus sobre uma planta imprevisível e porque foi surpreendido pela graça. Eugene Peterson diz que discutir com Deus é uma prática antiga: Moisés, Jó, Davi e Pedro eram mestres nisso. Praticamos muito isso porque estamos sempre lidando com Deus de alguma forma e Ele não se comporta da maneira que esperamos.13 De fato, a idéia de Jonas sobre o que Deus tinha de fazer e o que Deus fez na verdade são radicalmente diferentes. Por isso, Jonas se lamenta. Fica bravo. A palavra "ira" ocorre cinco vezes neste capítulo.

Então o Senhor Deus disse ao profeta Jonas:

- Essa planta cresceu numa noite e na noite seguinte desapareceu. Você nada fez por ela, nem a fez crescer, mas mesmo assim tem pena dela! Então eu, com muito mais razão, devo ter pena da grande cidade de Nínive, onde há mais de cento e vinte mil crianças inocentes e também muitos animais! (vs. 10,11)14

Jonas precisava compreender o significado da destruição até de uma planta. Se ele tinha compaixão de uma planta que nada lhe custara quanto mais Deus teria compaixão de milhares de pessoas que não podiam discernir entre a mão direita e a mão esquerda.

Jonas amava mais as coisas do que as pessoas. A nossa sociedade está aderindo à filosofia de Jonas. Atualmente, as coisas parecem ter mais valor do que as pessoas. Essa é a postura do mundo em que vivemos. Um cristão não deve colocar as coisas como o valor último. Não coisifica pessoas nem personaliza coisas.15

O livro de Jonas termina com uma pergunta que desafia o público do tempo do autor e todos seus leitores futuros. Deus pergunta: "E eu não teria piedade de Nínive?" Deus é livre? Ou deve agir, como Jonas pensa, segundo as estreitas limitações da justiça humana? Conceber o Senhor como um Deus misericordioso para nós é relativamente fácil. Agora, aceitar que Deus seja misericordioso e perdoe o nosso inimigo é quase impossível.

Não sabemos se Jonas se arrependeu ou se permaneceu rebelde. Mas o apelo final de Deus a Jonas é no sentido de que ele recupere a possibilidade da compaixão e da misericórdia. Em outras palavras, a única forma de se viver o Evangelho na história é colocando a causa da salvação acima de tudo, inclusive acima daquelas causas às quais muitas vezes são atribuídos interesses prioritários relacionados ao Reino. Além do mais, não há nenhuma saúde possível para o homem de Deus que não tem dentro de si a possibilidade do amor compassivo. Sem esse amor compassivo a vida mergulha na amargura, no justicismo perverso, na unilateralidade ideológica e num viver que perde a possibilidade do amor e da compaixão, cujo único fim e propósito é alimentar na alma a amargura de não conseguir amar aquelas criaturas estranhas em volta de nós, tão amadas por ele.16

Portanto, o apelo de Deus a todos nós é este: "Volte a amar tudo e todos quantos Eu amo, mesmo os mais inamáveis da história. Caso contrário, sua vida será marcada pela tragédia de um amargor sem cura".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. STRONG, James. Dicionário bíblico Strong: léxico hebraico, aramaico e grego de Strong. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002, p. 596.
  2. ARAÚJO JR., Caio Fábio. Jonas, o sucesso do fracasso: quando a vontade própria interfere nos planos de Deus. Rio de Janeiro: Vinde Comunicações, 1991, p. 22.
  3. KERMODE, Frank; ALTER, Robert Edmond. Guia literário da Bíblia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, p. 257. 
  4. LOPES, Hernandes Dias. Jonas: um homem que preferiu morrer a obedecer a Deus. São Paulo: Hagnos, 2008, p. 110.
  5. COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Jonas, nosso contemporâneo. Rio de Janeiro: JUERP, 1992, p. 51.
  6. ARAÚJO JR., Caio Fábio. Op. cit., p. 16.
  7. ARAÚJO JR., Caio Fábio. Op. cit., p. 32.
  8. LOPES, Hernandes Dias. Op. cit., p. 114.
  9. SWINDOLL, Charles R. Perseverança. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 198.
  10. ARAÚJO JR., Caio Fábio. Op. cit., p. 34.
  11. LOPES, Hernandes Dias. Op. cit., p. 116.
  12. LOPES, Hernandes Dias. Op. cit., p. 117,118.
  13. PETERSON, Eugene. A vocação espiritual do pastor: redescobrindo o chamado ministerial. São Paulo: Mundo Cristão, 2006, p. 142.
  14. Alguns pensam que a expressão signifique: “Não têm a idade da razão”. Neste sentido a NTLH traduz: “... onde há mais de cento e vinte mil crianças inocentes”. Pode-se perguntar se não significaria antes: “Não sabem escolher entre a conduta que leva à felicidade e a que conduz à desgraça”; à direita e à esquerda estava ligada certa idéia de felicidade e desgraça.
  15. COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Op. cit., p. 59.
  16. ARAÚJO JR., Caio Fábio. Op. cit., p. 18.

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