Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus.
1 Coríntios 6:20
INTRODUÇÃO
Quais são os limites para a liberdade de alguém? Será que poderíamos falar de liberdade absoluta? No mínimo são perguntas inquietantes ou desconcertantes, pois as respostas para cada uma delas não é dada com um simples sim ou não. Com certeza, muitas coisas poderão ser ditas devido à profundidade do assunto “liberdade”. Por exemplo, você não hesitaria tanto em dizer que, se for por uma causa justa, todos têm o direito de protestar. Porém, será outra coisa completamente diferente protestar usando de violência, ou tirando a roupa. Apesar de este último ato ser menos letal à vida, não deixa de ser um ataque ao pudor.
Como cristãos, geralmente, achamos que estas coisas são apenas matérias para noticiários, revistas, internet e redes sociais. Contudo, o uso que o cristão faz de sua liberdade em Cristo é algo de suma importância também, pois, sem a correta compreensão do que ela significa, e sobre quais são os seus limites, uma grande confusão será gerada ou em relação a si mesmo, ou à comunidade na qual ele está inserido.
Pense, por um momento, no contexto da primeira carta de Paulo aos Coríntios. A igreja de Corinto, evidentemente, congregava pessoas que discordavam entre si sobre os mais variados assuntos. Diante disso, Paulo manifestou suas convicções teológicas sobre estes diversos temas. Ao que tudo indica, aqueles que se converteram ainda estavam sob influência das correntes filosóficas, que se empenhavam em dar explicações no que diz respeito à origem e o propósito de tudo, inclusive do corpo. Paulo afirmou tacitamente para aqueles irmãos: “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Coríntios 5:17). Embora esta afirmação tomada isoladamente pareça ser indiscutível, ela não foi facilmente assimilada na vida de uma igreja que estava sob tensão de duas culturas bem contrastantes: judaica e helênica. Cabia ao apóstolo Paulo dar uma diretriz àqueles irmãos.
O principal veículo de comunicação com o mundo externo que nós temos é o nosso corpo. E o que fazemos com ele sempre causará algum impacto. Alguns irmãos em Corinto estavam praticando imoralidade sexual, idolatria e abusando da liberdade de consciência. Tal comportamento ia contra a nova vida em Cristo. Abria brecha para o mau testemunho. Paulo afirmou que a vida de um cristão é inescapavelmente observável pelo mundo: “Vocês são a nossa carta, escrita em nosso coração, conhecida e lida por todos” (2 Coríntios 3:2). Todos estes fatores colaboram para a justificativa do tema de nosso presente estudo.
O que veremos a seguir é a visão que Paulo tinha da correta utilização da mordomia do corpo como servos de Cristo visando a Glória de Deus.
O CORPO – UMA NOVA PERSPECTIVA
Paulo compreendia que o corpo era o “templo do Espírito Santo” (1 Coríntios 6:19-20). Quanto ao emprego desta figura, nem judeus e nem gentios tinham dúvidas sobre o que ele estava querendo dizer. Ele está afirmando que há uma relação santa entre Deus e seu povo. Na realidade, Paulo está dizendo que Deus está em nós. Este é o maior grau de proximidade que um cristão tem com seu Criador. Algo que está de acordo com a antiga promessa de que Seu Espírito seria derramado sobre nós. Estar ciente disso muda tudo. Veremos que, na realidade, somos inquilinos em um corpo que, de fato, pertence a Cristo: “Vocês não sabem que o corpo de cada um de vocês é membro de Cristo?” (1 Coríntios 6:15a). As implicações desta verdade são tão profundas que Paulo perguntou: “...e será que eu tomaria os membros de Cristo e os faria membros de uma prostituta? De modo nenhum!” (1 Coríntios 6:15b).
Charles Haddon Spurgeon faz um eco belíssimo a esta verdade bíblica:
Ande de modo digno da sua chamada e posição (ver Efésios 4:1). Lembre-se, crente, você é um filho do Rei dos reis. Portanto, mantenha-se limpo do mundo. Não manche os dedos que logo tocarão cordas celestiais. Não permita que os seus olhos, os quais em breve contemplarão o Rei em sua glória, tornem-se janelas de concupiscência. Não permita que seus pés, que logo caminharão nas ruas de ouro, sejam maculados em lugares lamacentos. Não permita que seu coração, o qual em breve será enchido pelas coisas celestiais e transbordará de regozijo, encha-se de orgulho e infelicidade.
Portanto, uma das implicações dada por Paulo com relação ao corpo é concernente à área sexual. Este ponto precisava ser visto sob um novo prisma – a ótica cristã. As vãs sutilezas dos pensamentos daquela época parecem ter acompanhado algumas pessoas que estavam na igreja. Ao que parece, a frase “Os alimentos são para o estômago, e o estômago, para os alimentos” (1 Coríntios 6:13) era uma espécie de adágio, o qual dava margem para a justificativa de que a imoralidade sexual ou prostituição não era algo antinatural ou imoral, pois assim como os alimentos está para o estômago o corpo está para o sexo. É aqui que mora o perigo. A cultura helênica havia padronizado algo que segundo os padrões cristãos era imoral. Mais do que nunca a advertência do profeta se faz necessária: “Ai dos que chamam ao mal bem e ao bem, mal, que fazem das trevas luz e da luz, trevas, do amargo doce e do doce amargo!” (Isaías 5:20).
Sendo assim, para gerenciarmos nosso corpo devemos estar atentos às propostas ideológicas de nossa sociedade. Se nossa sociedade valoriza ou estimula a amostra do corpo, ou aos reclames de um corpo ardendo em desejos, isso não significa que devemos seguir o mesmo. Deus fez o corpo bom, mas devemos entender que depois da queda as coisas pendem para a distorção no lado de cá do céu.
Há uma relação santa entre Deus e seu povo. Na realidade Deus está em nós. Este é o maior grau de proximidade que um cristão tem com seu Criador. |
O CORPO – CONHECENDO OS LIMITES DA LIBERDADE
Agora sim entraremos no contexto de 1 Coríntios 10:31. Aliás, tal contexto começa em 1 Coríntios 8:1 e termina em 1 Coríntios 11:1. Depois de falar da ameaça da imoralidade, Paulo aborda mais um assunto controverso – a alimentação conjugada à idolatria. De certa maneira, Paulo sabia que tudo foi criado por Deus – “pois do Senhor é a terra e tudo o que nela existe” (1 Coríntios 10:26) –, e de que existia apenas um Deus. Os ídolos eram coisas vãs, não eram nada. Partindo deste princípio, o simples ato de comer uma carne, em si, não simbolizaria coisa nenhuma. O sacrifício a todos aqueles deuses da época de Paulo era, de certa forma, uma ação nula. Contudo, toda esta liberdade cristã deveria ser corretamente exercida e adequadamente classificada.
Respeitando a consciência. Paulo não via nada de errado em comprar a carne no mercado, para comer em casa, ou na casa de algum descrente que tivesse feito um convite. Neste último caso, Paulo é claro ao orientar o crente que coma de tudo, sem nada perguntar (1 Coríntios 10:27). Agora, se o descrente dissesse que a carne era sacrificada a ídolos, então o crente não deveria comer. E, isso por causa da consciência. Mas, não da consciência do crente, e sim do descrente, pois, por não conhecer a verdade, isso serviria de pedra de tropeço.
O exercício da liberdade cristã tem como critério os limites da Palavra de Deus e os ditames da consciência, para não ser motivo de tropeço. |
ATROPELANDO A CONSCIÊNCIA
Outro fator precisa ser levado em consideração. Uma situação era comer carne na casa de alguém sem perguntar, ou comê-la sozinho em casa27. Porém, outra coisa completamente diferente era comer essa carne no templo pagão ou em festas idólatras. Aqui fica terminantemente proibido comer tal carne. “Isso é uma contradição” – alguém poderia retrucar. Não é contradição, porque a situação mudou de configuração. Está em foco aqui o princípio da associação. Para explicar isso, Paulo fundamenta seu argumento em cima de duas ilustrações: a ceia (1 Coríntios 10:16-17) e o serviço de adoração do povo de Israel no altar (1 Coríntios 10:18). Em ambas as ilustrações, Paulo salienta a união mística e cerimonial contida nestes ritos. Veja que ele dá ênfase no fator união/ participação. Ele diz “como há somente um pão... todos participamos de um único pão” (1 Coríntios 10:17). E, quanto ao serviço ministrado no altar ele que diz que os que sacrificavam também participavam do altar (1 Coríntios 10:18). Em suma, o que Paulo está querendo dizer é: não teria como evitar que os pagãos ou qualquer outro descrente não associasse o suposto crente com tudo aquilo que o festival ou culto pagão representava e buscava! Mas, Paulo não apresenta só este argumento. Há um argumento ainda mais forte: a comunhão com os demônios. Apesar do ídolo não ser nada em si, uma reunião de adoração em volta dele conta com a presença dos comparsas do Diabo.
O PROPÓSITO DO CORPO
Creio que Paulo deixou bem claro qual é o propósito de nosso corpo: “Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (1 Coríntios 6:20). Nem mesmo nossa liberdade pessoal está acima desta glória. Perceba o questionamento trazido por Paulo: “Se participo com ações de graças, porque minha liberdade deve ser julgada pela consciência dos outros?” (1 Coríntios 10:29). Que boa pergunta, não? E a resposta de Paulo foi: “Assim, quer comam, bebam, ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus” (1 Coríntios 10:31). Que boa resposta!
Somente quando o crente age regido pelo amor, tanto a Deus como ao seu próximo, é que ele enxergará os limites da liberdade. As reivindicações do amor devem preceder as da liberdade pessoal. Isso está de pleno acordo com o que foi dito: “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam” (1 Coríntios 10:23).
CONCLUSÃO
A grande mensagem deixada para nós aqui é que nenhum cristão é tão livre que venha, ao bel prazer, romper com os limites impostos por Deus. Paulo assinalou que a liberdade do cristão constava tanto de limites como de amplitude. O limite é regulado pelo amor. E a amplitude é pela Glória de Deus. Por isso é que ele disse: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Coríntios 10:31).
No contexto dos leitores originais da cidade de Corinto, isso se aplicava a alimentos dedicados a ídolos e a imoralidade sexual, que normalmente também faziam parte destes rituais pagãos. Nas coisas mais comuns da vida diária, aqueles irmãos estavam sendo desafiados a assumir um posicionamento que estivesse alinhado com a glória de Deus. Valer-se da mordomia do corpo para escandalizar o nome de Deus ia contra a Sua glória.
Quanto ao nosso contexto, vejo que a orientação dada por Paulo é tão pertinente quanto fora antes. Há muitas coisas que fazemos com nosso corpo que não glorifica a Deus. Os lugares que frequentamos e liberdade que queremos dar ao nosso corpo ainda são temas de reflexão. O cristão hoje tem uma grande responsabilidade com relação ao seu corpo. Ele não pode virar objeto de desejo e nem de culto. Sob o pretexto das sensações que devem ser sentidas pelo corpo, muitos estão removendo os “marcos” estabelecidos por Deus. É aqui que entram as drogas e todos os demais vícios que têm degenerado nossa sociedade.
Há uma tendência de se pensar que toda delimitação é contra a liberdade. Acentua-se mais ainda esta responsabilidade quando colocamos contra o pano de fundo de uma cultura que está erotizando os corpos masculinos e femininos. As propagandas e a moda não estão mais apontando tendências, mas sim fabricando-as e se impondo sobre as pessoas. Se o cristão levar adiante aquele dito popular “a vida é minha, faço dela o que quiser” estará jogando pedras para cima. E adivinha onde cairá? Estas pedras já vêm caindo sobre os matrimônios,
sobre os filhos e a própria sociedade. Não existe outro jeito, a única maneira de sermos sal e luz neste mundo é entendendo a seguinte verdade: “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (1 Coríntios 6:19-20).
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE
1. O que é verdadeira liberdade? Quais são os limites para a liberdade de alguém? Será que poderíamos falar de liberdade absoluta? (1 Coríntios 8:9; 10:29; Gálatas 5:13).
R.
2. O que Paulo quis dizer ao declarar que todas as coisas são lícitas ao cristão, mas nem todas lhe convêm? Qual era o adágio muito comum naquela época? (1 Coríntios 6:12 13; 10:23).
R.
3. De acordo com Paulo, do que o cristão deve fugir? Por que razão? (1 Coríntios 6:15-18).
R.
4. Segundo Paulo, o que é o nosso corpo, espiritualmente falando? Então, como devemos tratá-lo? (1 Coríntios 6:19 20).
R.
5. Ao falar do princípio da associação, Paulo usa duas ilustrações: a ceia do Senhor (1 Coríntios 10:16-17) e o serviço de adoração do povo de Israel no altar (1 Coríntios 10:18). O que Paulo quer nos ensinar com isso? (1 Coríntios 10:19-22).
R.
6. Que tipo de cuidado devemos ter para com a consciência do próximo, principalmente dos mais fracos na fé? (1Co 10:24-30; Romanos 14:1-9).
R.
7. De acordo com Paulo, qual deve ser o critério conferidor de tudo que fazemos ou deixamos de fazer? Qual deve ser a nossa maior preocupação? (1 Coríntios 10:31-33).
R.
8. Que usos podem ser prejudiciais ao nosso corpo, de acordo com a lição? Que consequências imediatas podem ter o mau uso de nosso corpo? E quais são as consequências a longo prazo?
R.