Texto de Estudo

SENHOR, tu tens sido o nosso refúgio, de geração em geração. Antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e o mundo, mesmo de eternidade a eternidade, tu és Deus.

Salmos 90:1-2 

INTRODUÇÃO

Como vimos na introdução deste trimestre, o livro “Salmos”, como muitos imaginam, não é de autoria exclusiva de Davi, embora ele tenha escrito a maioria dos textos. O Salmos 90 ora em apreço, é de autoria de Moisés, inclusive é o único conferido ao profeta. Essa atribuição faz com que o texto seja o “poema” mais antigo que pôde ser datado na compilação do livro. O mesmo Salmo dá início a quarta divisão de “Salmos”, que possui cinco partes.

O Salmos 90 é fruto de uma oração de Moisés, homem de Deus. Além de um belo poema, o seu conteúdo vai além; trata, ente outros assuntos, de doutrinas importantes à Igreja, como a eternidade de Deus. Por isso, estudá-lo é um intento delicado e, ao mesmo tempo, necessário. Vejamos, com atenção, amor e temor a mensagem divina na poesia, canção e teologia do texto.


CLASSIFICAÇÃO DO Salmos 90

Como dito anteriormente, esse texto dá abertura a quarta divisão da obra. Embora os Salmos não se vinculem pelo nome com os coros do templo, conforme a maioria nos Livros 1 e 3; são, na sua maior parte, Salmos para o culto público (notam-se os títulos de 92 e 100: “Cântico para o dia de sábado”; “Salmo de ações de graça”...). A não ser que se atribua uma origem ritual a tudo, no Saltério, pode-se dizer que os Salmos do Livro 1(1-41) tendem a ser pessoais; os dos Livros 2 e 3 (42-89), nacionais; e os dos Livros 4 e 5 (90-150), litúrgicos, preocupados com o louvor regular e público a Deus. Sendo assim, o Salmos 90 é um hino para momentos de adoração pública a Deus. Quanto à classificação dos assuntos, o texto de Moisés enquadra-se em oração.

 

ORAÇÃO, CANÇÃO E POESIA

O Salmos 90 como a maioria deles, não é apenas um cântico. Ao estudá-lo, percebemos três aspectos distintos e intrínsecos: oração, canção e poesia. Em primeiro lugar, ele é uma oração. A maioria dos estudiosos concorda que o texto é uma oração proferida por Moisés. Então, antes de ser uma canção, o Salmo é uma bela oração, por sinal. Olhando por esse aspecto, percebemos profundos ensinamentos sobre o tema:

Exaltação a Deus: Um dos principais temas da oração de Moisés é a grandeza de Deus, em oposição à miserabilidade do homem. Embora o Salmo detenha-se, em parte do texto, no homem, o personagem principal é Deus. O texto inicia-se com o Senhor como o motivo da oração e encerra-se da mesma forma. A esperança do orador está na confiança que tem em Deus e em Seu poder. O seu desejo é que Deus seja exaltado: “Aos Teus servos, apareçam as Tuas obras; e a Teus filhos, a Tua glória” (v.16). A exaltação a Deus é um elemento que não pode faltar na oração do cristão. Infelizmente, algumas vezes, esquecemo-nos disso, e as orações tornam-se lamúrias e petições.

A soberania de Deus: Outro aspecto importante da oração de Moisés é deixar transparecer a vontade e a soberania divina. Ou seja, parte-se do princípio da soberania do Senhor sobre o homem e, não, o contrário. O orador espera de Deus sabedoria (v.12), compaixão (v.13), benignidade (v.14), alegria (v.15) e graça (v.17). A soberania divina é retratada pelo contraste à pequenez do homem, comparado ao pó da terra (v.3) e também à brevidade dos nossos dias e à nossa fragilidade (v.10).

O coletivo ao invés do individual: Eis um dos aspetos que mais chama atenção na oração de Moisés, comparando as orações que ouvimos e fazemos em nossos dias. Não era de se esperar menos de um líder tão excepcional como Moisés! Não foram poucas as vezes que ele intercedeu junto a Deu em favor do povo de Israel. Não seria diferente em sua oração: “...nosso refúgio” (v.1); “...somos consumidos” (v.7); “..nossas iniquidades” (v.8); e tantos outros trechos mais. Observe que o orador inclui-se como participante dos pecados contra Deus. Sua oração não foi individualista ou egoísta. Que nossas orações tenham menos “eu” e mais “nós”; menos “meu” e mais “nosso”!


Em segundo lugar, percebemos que o Salmos 90 também se tornou canção. O fato mais lógico é que a oração está no Saltério, o livro de cânticos dos judeus. Aliás, é um belo exemplo de canção que, como no exemplo da oração, contrasta em muito com as canções “gospel” compostas atualmente. Vejamos a comparação, no quadro a seguir:


Salmos 90

Música “Gospel” moderna

Exalta Deus acima do homem

Exalta o homem acima de Deus

Tem como princípio a vontade de Deus

Tem como princípio a vontade do homem

O objetivo final é coletivo

O objetivo final é individual


Em último lugar, não podemos desprezar o fato do texto ser uma poesia. Quando o analisamos com um pouco de atenção, percebemos delineados traços singulares à forma literária. Perceba a duplicidade de palavras: “de geração em geração” (v.1), “eternidade a eternidade” (v.2), “Iniquidades..pecados” (v.8), “Ira..cólera” (v.11), “obras das nossas mãos...obra da nossas mãos” (v.17). Também aparece, de forma repetida, a reiteração dos termos dias/anos (vv.4, 9,10,15) ou uma indicação de tempo, como “vigília da noite”, “madrugada”, “tarde”, “breve pensamento”, “manhã”. Lembrando que o tema do Salmo é a “Eternidade de Deus x a Transitoriedade do Homem4”, os termos apresentados acima, dispostos no texto de uma forma tão ordenada, demonstram a centralidade do tema distribuída, articuladamente, de uma forma poética.


DOUTRINAS DO SALMO

A teologia do Salmos 90 vai além da poesia apresentada pelo mesmo. O texto é fonte de estudo de pelo menos duas doutrinas importantíssimas para a Igreja: A eternidade de Deus e a Mortalidade do Homem. Alguns tratam a primeira doutrina como Imortalidade de Deus, mas não é o termo mais acertado; sob certo ponto de vista, a alma do homem também é imortal, o que cria certa compatibilidade entre o homem e Deus, no que se refere ao tema. Por isso, imortalidade não é o mesmo que eternidade. Aparte das definições, vejamos as doutrinas apresentadas no Salmo:

 

A eternidade de Deus

A matéria da teologia que estuda a eternidade de Deus chama-se Teologia Sistemática, que trabalha com alguns assuntos nada fáceis de serem explicados. A eternidade de Deus é um dos Seus atributos que chamamos de atributos incomunicáveis (atributos que Deus não partilha conosco). Em termos de definição, podemos dizer que o Senhor não tem princípio, nem fim, tampouco sucessão de momentos no Seu próprio ser. Ele percebe, todo o tempo, com igual realismo.

O Salmo em estudo delineia bem essa doutrina, ao demonstrar:

Deus é eterno no Seu próprio ser. A evidência de Deus não ter princípio, nem fim está explícita: “de eternidade a eternidade, tu és Deus” (v.2). O fato de jamais ter começado a existir pode ser deduzido da verdade de que Ele criou todas as coisas e, por isso, é um espírito imaterial. Antes que Deus fizesse o universo, não havia matéria, e Ele criou todas as coisas. Essa primeira parte do verso descreve o pensamento teológico do autor: “Antes que os montes nascessem e se formasse, a Terra e o mundo...tu és Deus”.

Deus percebe o tempo com igual realismo. Antes que Deus criasse o universo, não havia tempo, pelo menos não no sentido de uma sucessão de momentos e acontecimentos encadeados. Antes de existirem um universo e o tempo, Deus sempre existiu. O tempo, portanto, não tem existência por si mesmo; mas, como o restante da criação, depende do Eterno e de seu poder para continuar existindo. Para demonstrar e eternidade de Deus, o autor procura se valer do tempo, de uma forma metafórica, para indicar Sua teologia: “Pois mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e como o vigília da noite” (v.4) A intenção não é fazer uma comparação proporcional, pois ele compara mil anos a um dia, mas também compara à vigília da noite que corresponde a um período de quatro horas. Então, é um erro tentar fazer alguma comparação de proporção matemática. O objetivo é expor que Deus não sofre influência do tempo. Sua eternidade não pode ser medida ou potencializada, diferente do homem, que tem seus dias limitados pelo tempo: “Os dias da nossa vida sobem a 70 anos, ou, em havendo vigor, a oitenta” (v.10)

A imutabilidade de Deus. A doutrina da eternidade de Deus está associada à Sua imutabilidade. Como o tempo, como já vimos, não existe influência sobre Deus, Suas perfeições, propósitos e promessas, Seu conhecimento etc.; logo, Deus é imutável. Esse conceito é expresso na seguinte afirmação de Moisés: “Senhor, tu tens sido nosso refúgio, de geração em geração” (v.1). Uma outra tradução do texto coloca “habitação” no lugar de “refúgio”. Qualquer uma das duas seria verdadeira, embora “habitação” seja especialmente relevante à ênfase que o Salmo mostra o ser humano sem raízes, sendo uma metáfora que surge também na bênção de Moisés: “O Deus eterno é a tua habitação” (Deuteronômio 33:27). Em outras palavras, promove-se a imutabilidade de Deus ao afirmar que o Senhor foi, é e sempre será o lugar de habitação para o Seu povo. A duplicidade de palavras na afirmação, “de geração em geração”, significa que Ele sempre é. Ou seja, as ações divinas não são circunstanciais. Isso significa que Ele não é influenciado por nada; Suas decisões estão pautadas no Seu caráter imutável.


A mortalidade do homem

Em contraste à eternidade de Deus, o texto apresenta a mortalidade do homem. Para o estudo desse tema, abordaremos “homem” de uma forma genérica, sem nos aprofundarmos em doutrinas como a imortalidade da alma. O objetivo do Salmo não é esse; mas, sim, expressar a fragilidade da raça humana em comparação à grandeza divina.

No início da criação, fomos feitos para sermos eternos, no sentido completo de nosso ser: corpo, alma e espírito. Com a queda do homem, a nossa raça recebeu a pior de todas as maldições: a morte.

A ligação que Moisés faz a respeito da mortalidade está em paralelo a própria origem ou existência do homem: “Tu reduzes o homem ao pó e dizes: Tornai, filhos dos homens” (v.3). Veja o paralelismo com o texto de Gênesis, cujo autor também é Moisés:


GÊNESIS 2:7

Salmos 90:3

Deus traz o homem à vida.

Deus determina a morte do homem.

O homem vem do pó da terra.

O homem volta ao pó da terra

 

O texto de Gênesis diz que o homem, do pó, pela ação de Deus, passou a ser alma vivente. Contudo, o mesmo Deus que do pó fez o homem, também o reduz (pelo menos a matéria) ao pó novamente (Salmos 90:3). O Salmos 90 delineia a doutrina da mortalidade humana em outros pontos; vejamos:

Nossa vida passa tão rápido como um pensamento. (v.9) Não importa a idade que tenhamos, quer sejamos crianças, jovens, anciãos, quando olhamos para trás, percebemos que todo o tempo que vivemos foi tão breve quanto um pensamento. Também refletimos sobre o fato de que a nossa vida, a cada dia que passa, esgota-se. A nossa caminhada destina-se à morte física.

Nossa vida está limitada pelas ações do tempo na matéria. (v.10) O verso 10 do Salmo não pode ser interpretado de forma literal. Ou seja, o autor não está dizendo que o homem predestina-se a viver no máximo 80 anos. Se Moisés é mesmo o seu autor, ele estaria se contradizendo, pois vivera até a idade de 120 e com vigor de um jovem! (Deuteronômio 34:7). Na realidade, o que o texto aponta é que ninguém vive para sempre e que, na maioria dos casos, os últimos anos de alguém que alcançou uma idade avançada são de cansaço e enfado.

Enquanto Deus, que é eterno, não sofre as ações do tempo, o homem - que é mortal - é afetado por cada segundo de vida. Deus, que é eterno, não tem princípio ou fim; o homem mortal tem seu início e caminha para o fim.


CONCLUSÃO

Embora tenhamos aprendido muito sobre o Salmos 90 a atitude mais correta diante de toda informação é recorrer ao próprio texto e orar, como o autor orou, pedindo a Deus: “Ensina-nos a contar os nossos dias para que alcancemos um coração sábio” (v.12). Somente o Eterno pode nos revelar, segundo Sua vontade e soberania, os desígnios do Seu infinito conhecimento.

Como homens terrenos, somos predestinados à morte física; sendo seres espirituais, aguardamos a eternidade com Cristo. Como disse Paulo: “Pois, enquanto estamos nesta casa, gememos e nos angustiamos, porque não queremos ser despidos, mas revestidos da nossa habitação celestial, para que aquilo que é mortal seja absorvido pela vida” (2 Coríntios 5:4 NVI).

 

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