Ententendo e Vivendo
Corrigindo a injustiça social
- Detalhes
- Pr. André Garcia Ferreira
- Entendendo e Vivendo
E considerei comigo mesmo no meu coração; depois pelejei com os nobres e com os magistrados, e disse-lhes: Sois usurários cada um para com seu irmão. E convoquei contra eles uma grande assembléia. E disse-lhes: Nós resgatamos os judeus, nossos irmãos, que foram vendidos às nações, segundo nossas posses; e vós outra vez venderíeis a vossos irmãos, ou vender-se-iam a nós? Então se calaram, e não acharam que responder.
Neemias 5:7-8
INTRODUÇÃO
Há uma expressão inglesa utilizada no meio militar denominada de “friendly fire”, traduzida literalmente para o português como “fogo amigo”. Durante a guerra contra o Iraque, constatou-se que uma parte das mortes dos soldados britânicos eram decorrentes do “fogo amigo”. Desde que a guerra começou, o Reino Unido recebeu quase diariamente notícias sobre quedas de helicópteros, pilotos abatidos por mísseis dos EUA ou tanques bombardeados por colegas. Claro que essas mortes não eram intencionais, mas fruto de imperícia e imprudências.
Até o capítulo 4, vemos Neemias liderar Israel contra inimigos externos. O capítulo 5 narra uma nova forma de oposição, a interna. Surgiu por conta da conduta imprópria de alguns israelitas. Se pensarmos na história de Israel, ocorreram inúmeros conflitos internos. Por exemplo, quando Deus enviou profetas para convocar o povo à justiça, foram os próprios patrícios que rechaçaram os enviados do Senhor.
O problema específico que Neemias enfrentava era a exploração aos pobres. Veja a denúncia de Neemias:
EXPLORAÇÃO EM TEMPO DE CRISE (Neemias 5:1-5)
“Também houve os que diziam: As nossas terras, as nossas vinhas e as nossas casas hipotecamos para tomarmos trigo nesta fome. Houve ainda os que diziam: Tomamos dinheiro emprestado até para o tributo do rei, sobre as nossas terras e as nossas vinhas. No entanto, nós somos da mesma carne como eles, e nossos filhos são tão bons como os deles; e eis que sujeitamos nossos filhos e nossas filhas para serem escravos, algumas de nossas filhas já estão reduzidas à escravidão. Não está em nosso poder evitá-lo; pois os nossos campos e as nossas vinhas já são de outros” (Neemias 5:1-2, NAA).
Esse é o clássico exemplo da exploração dos pobres pelos ricos. Mas com um agravante: eram irmãos! Ou como
dissemos anteriormente friendly fire (fogo amigo).
O reverendo Hernandes Dias Lopes elenca três fatores que estão na raiz desse problema45. Vejamos:
A) Concentração de renda: Neemias denuncia a “coisificação” das relações humanas. Ele combateu essa visão
utilitarista e exploradora, mostrando que devemos olhar a todos como seres dignos e que precisam ser tratados com humanidade e justiça.
B) Opulência dos ricos. Esse termo refere-se à presença de luxo excessivo. Há um consumismo alienado e desnecessário que traz consequências desastrosas para a sociedade e meio ambiente. Para acompanhar o padrão de consumo estabelecido pelos meios de comunicação, um grande número de pessoas endivida-se e numa economia de juros altos, enriquecem ainda mais as instituições financeiras. Todo esse endividamento nesse sistema agressivo e selvagem nos tornam escravos do sistema econômico.
C) Ganância insaciável. Esse sistema econômico ganancioso, faz o ser humano esquecer o bem comum e é
quase sempre alimentado por mentira e corrupção. Neemias nos exorta sobre a priorização do dinheiro em nossa vida que nos faz enterrar princípios divinos. A ausência de justiça coloca pessoa contra pessoa, irmão contra irmão. O ganancioso vive eternamente insatisfeito com o que tem, quer sempre mais e mais, passando por cima de tudo e todos.
Para entendermos o discurso de Neemias, faz-se necessário compreender o contexto em que o texto está inserido.
Acompanhe o contexto desse capítulo:
Um grande número de judeus que retornou a Israel da Babilônia estava rico. Esdras nos conta que os exilados
que retornaram à terra natal vieram com muitos bens. Em Jerusalém, esses novos ricos tinham condições de construir casas luxuosas antes restritas aos monarcas. A cada chegada de Israelitas da Babilônia, prata e ouro eram trazidos. O profeta Zacarias narra que presentes parecem ter chegado da Babilônia. Israel está se tornando uma nação rica. Mas, então, porque Neemias narra no capítulo 5 que muitas pessoas em Israel viviam na pobreza?
O texto citado nos oferece alguns fatores46. Vejamos:
1) Fome: as questões climáticas influenciaram as lavouras.
2) Carga tributária: Os tributos estavam assolando a vida dos mais miseráveis, reduzindo muito deles a condição de escravos.
3) Exploração: Os ricos apenas emprestavam dinheiro de forma legal. O que na prática verificou-se um forte endividamento da população. Neemias é muito claro ao exortar: “Não é bom o que fazeis” (v.9).
O teólogo Cyril Barber sugere que havia três classes de pessoas sendo exploradas
1) Os trabalhadores, cujos recursos haviam se esgotado (v. 2),
2) Os agricultores, cujas terras estavam sendo hipotecadas (v. 3), e
3) As pessoas com problemas para pagar os impostos (v. 4,5). Nesse caso, os da terceira categoria estavam na pior situação, pois já haviam perdido os campos e filhos para a escravidão.
Nos textos de Neemias observamos um ciclo de declínio do problema socioeconômico de alguns grupos de Israel.
Diante desses fatos, Neemias se torna o porta voz daqueles que eram vítimas dessa injustiça social. Ele ficou irado com a postura de seus irmãos e propôs uma análise dos problemas a partir dos princípios aprendidos na época de Moisés.
Uma pergunta cabe nesse momento: podemos ficar irados? Para Hernandes Dias Lopes, a ira deve ser focada contra o mal e não em quem pratica a maldade. Em Efésios vemos: “Quando vocês ficarem irados, não pequem, apaziguem a sua ira antes que o sol se ponha.” O reverendo continua: A ira é pecaminosa quando nós a despejamos sobre nossos filhos, cônjuge, irmãos ou quando nutrimos mágoa ou desejamos vingança. Fomos chamados de protestantes exatamente pela inconformação com o erro e com o pecado.
BUSCANDO SOLUÇÃO EFICAZ (Neemias 5:6-12)
Em seu discurso, Neemias apontou textos mosaicos para provar que os exploradores estavam em pecado. Por exemplo, Êxodo 22:25: “se você emprestar dinheiro a alguém do meu povo, ao pobre que está com você, não trate com ele como um credor que impõe juros”.
Outros textos da Lei como o “capítulo do Jubileu” em Levíticos ou exortações em Deuteronômio, demonstram que os judeus não deveriam explorar seus compatriotas. Ao mesmo tempo, caso um dos seus caísse em escravidão, os
judeus livres deveriam fazer o possível para libertá-lo. Na sua primeira exortação, Neemias preferiu reunir-se particularmente com os nobres e oficiais. Provavelmente, deve ter convocado testemunhas para acompanhar suas exposições. No entanto, o texto nos revela que essa primeira investida de Neemias foi em vão. Por conta disso, ele passou para uma nova tática, o confronto público.
CONFRONTAÇÃO PÚBLICA
Para que ocorresse uma reunião pública era necessário retirar os trabalhadores do muro. O maior problema dessa ação era a prioridade naquele momento: a reconstrução dos muros de Jerusalém. Apenas uma vez ocorreu interrupção dos trabalhos por conta de um iminente ataque armado relatado no capítulo 4. Após a ameaça, todos retornaram a trabalhar.
Novamente, Neemias é obrigado a interromper o trabalho para realizar uma reunião pública para resolver um problema grave dentro da comunidade e que deveria ser resolvido de imediato. Afinal, de que adianta construir o muro se dentro dele havia exploração social?
Ao mesmo tempo, Boice diz:
“De que adianta construir grandes instituições evangélicas e erigir muros contra o “mal” do mundo secular e inimigo se, dentro dos muros, aqueles chamados de povo de Deus são indistinguíveis dos de fora? De que adianta preservar a identidade “cristã” separada se os cristãos se comportam como incrédulos? Em termos claros: precisamos parar de chamar o mundo ao arrependimento até que nos arrependamos.”
Neemias afirma que aqueles que estavam cometendo tal atrocidade deveriam se arrepender de duas ações:
1) Desobediência à Lei de Deus.
2) Colocar a prosperidade pessoal acima de qualquer custo.
ABRINDO MÃO DE PRIVILÉGIOS PESSOAIS (Neemias 5:13-19)
O líder dos israelitas foi bem-sucedido!
No final do capítulo, Neemias narra que foi bem-sucedido. “Eles responderam: — Vamos restituir e nada pediremos deles. Faremos o que você está dizendo. Então chamei os sacerdotes e, na presença destes, fiz com que jurassem que fariam o que prometeram” (Neemias 5:12 NAA). Para isso, Neemias convocou magistrados e fez os nobres e oficiais jurarem cumprir a promessa.
Ele, então, executou um ato simbólico: sacudiu a roupa como aviso profético de que Deus “cobraria” quem prometesse fazer a coisa certa, e depois a renegasse. John White afirma :
As ações de Neemias até esse momento poderiam ter sido realizadas hoje por qualquer humanista justo. Convocar os magistrados para administrar um juramento pode representar uma legalidade que possui apenas forma de piedade. Todos os dias, testemunhas sem Deus juram sobre Bíblias em tribunais humanos. Mas o juízo profético exato marcou Neemias como o homem que acreditava nos poderes do mundo vindouro e estava em contato com Deus [...]:
CONCLUSÃO
Há um detalhe importante na vida de Neemias que lhe proporcionou sucesso em sua jornada que você já deve estar percebendo ao longo dessas semanas. Ele era íntimo de Deus e seguia os preceitos divinos com temor. Não aceitou os benefícios que poderia ter recebido por sua posição na sociedade. Pelo contrário, viveu por seus próprios meios e utilizou suas posses para ajudar a alimentar os mais desfavorecidos. Esse modelo de liderança servil, encontramos, claro, no mestre Jesus. O padrão que Cristo nos ensina está registrado por Mateus: “...não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mateus 20:28NAA)
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE
1. Qual foi a denúncia que Neemias fez ao Israelitas?
R.
2. Quais foram os fatores que levaram à profunda desigualdade social dentro de Israel?
R.
3. Neemias cita dois atos pecaminosos que os exploradores deveriam se arrepender. Quais são eles?
R.
4. Faça uma pesquisa de textos bíblicos que nos advertem sobre as injustiças sociais.
R.
5. Jesus nos propõe um modelo de oração: “Pai NOSSO que está nos céus (...) O pão NOSSO de cada dia nos dá hoje. e perdoa-nos as NOSSAS dívidas, assim como nós também perdoamos aos NOSSOS devedores”. Como o pronome NOSSO destacado no texto acima, define nosso olhar para o que está ao nosso redor?
R.