Texto de Estudo: Provérbios 29:16-27

O contraste entre o justo e o ímpio parece ser uma maneira de estruturar Provérbios 28 e 29. Esses dois capítulos encontram-se divididos em quatro seções (28:1-11, 12-28; 29:1-15 e 16-27). Em geral, elas apresentam o ímpio, ou avarento, como alguém que atrapalha a harmonia e a segurança, ignorando a lei de Deus. Nossa lição em estudo aborda a quarta dessas seções.

Ao apresentar princípios e exemplos, os provérbios, em hebraico, são escritos em estilo poético, o qual se caracteriza pelo paralelismo. Às vezes, as linhas paralelas fazem oposição uma à outra (o que é chamado de paralelismo antitético), em outros momentos a segunda linha continua o pensamento da primeira linha (o que é chamado paralelismo sintético).

Ao abordar os princípios expostos em Provérbios 29:17-26, podemos transformar muitas das declarações negativas em princípios positivos para uma vida ordenada. Essa lição é desenvolvida para nos ajudar a entender, identificar e aplicar alguns desses princípios.

Lições sobre governo, família e sociedade

O primeiro provérbio, nesta seção, faz referência ao rumo da sociedade: Quando os perversos se multiplicam, multiplicam-se as transgressões (v. 16a). À primeira vista, essa afirmação parece um tanto óbvia, e nós poderíamos dizer: "Claro!". Mas há mais aqui do que aparenta. Não se trata apenas de um aumento de números. "Multiplicar" é a tradução de uma palavra hebraica (rabah) que significa "prosperar, tornar-se grande".14 O sábio está fazendo referência, aqui, ao poder exercido por aqueles que estão no governo da nação. Por se multiplicar o número de ímpios, estes aproveitam de suas influências e passam a ocupar posições de poder político. A partir dessas posições, eles são capazes de influenciar a opinião pública, e seu comportamento desviante logo é visto como sendo algo normal. É por essa razão que o pecado aumenta desenfreadamente (cf. Salmos 12:8).

No entanto, o nosso texto recorda-nos: mas os justos verão a ruína deles. (v. 16b). Como será isso? Os ímpios semeiam as sementes da sua própria destruição. A vitória será dos justos no final, porque o nosso Deus é um Deus justo. Ele verá a queda dos ímpios (cf. Salmos 37:9-10; 73:18,19; Apocalipse 20:15).

O provérbio seguinte se volta para a família: Corrige o teu filho (v. 17). Não se deve permitir que os filhos vivam sem repreensão quando se comportam mal. As crianças pequenas precisam ser corrigidas, e correção exige disciplina (cf. 22:15; 29:15). De início, a disciplina pode parecer um ato de crueldade, mas é realmente um ato de misericórdia.

A desagradável tarefa de correção trará benefícios futuros e te dará descanso (v. 17). "Descanso" implica um espírito tranquilo, livre da ansiedade e agitação que uma criança desobediente traria. Ele também dará delícias à tua alma (v. 17). A vida dos pais é enriquecida com a alegria e o orgulho proporcionado pelo filho que tenha seguido o caminho da sabedoria (cf. Provérbios 10:1).

Quando os pais assumem o controle e disciplinam seus filhos no presente, o resultado será a paz no futuro. Por outro lado, a disciplina demasiada severa pode ser tão nociva quanto a falta dela (Efésios 6:4). A disciplina nunca deve ser aplicada com raiva, ódio ou amargura. Em vez disso, o amor e a preocupação com o bem-estar da criança deve ser a motivação para a correção.

Depois de falar sobre a família, o nosso texto retorna para a sociedade: Não havendo profecia, o povo se corrompe (v. 18a). No hebraico, temos: "onde não há visão profética, o povo perece". "Visão" refere-se à revelação que o profeta recebia de Deus para o bem da nação (cf. Isaías 1:1; Jeremias 14:14). Quando não havia revelação de Deus, o povo caia na anarquia. O caso clássico de tal falta de contenção é Israel nos dias dos juízes, quando cada um fazia o que era reto aos seus próprios olhos (Juízes 21:25). Essa condição é explicada pela afirmação de que nos dias de Samuel a palavra do Senhor era mui rara; as visões não eram frequentes (1Samuel 3:1).

Quando a vontade revelada de Deus, conforme expressa em Sua Palavra, não é mantida constantemente em vista, Seu povo fica fora de controle e rompe seu compromisso (cf. Provérbios 11:14).

A segunda linha é um contraste: mas o que guarda a lei, esse é bem-aventurado (v. 18b, ARC). Observar a Lei significa obedecer à Palavra de Deus, restringindo, assim, aqueles comportamentos que são destrutivos para a vida. Onde existe ignorância em relação à Palavra de Deus, impera o crime e o pecado. A moralidade pública depende do conhecimento que a nação tem de Deus, mas também da obediência às suas leis. Todavia, não é suficiente conhecer a Palavra de Deus, é preciso aplicar as Escrituras na vida diária e obedecê-la! Se alguém obedecer consistentemente dia após dia, essa pessoa viverá uma vida bem ordenada.

A atenção, agora, volta-se novamente para o âmbito familiar: Meras palavras não bastam para corrigir o escravo; mesmo que entenda, não reagirá bem (v. 19, NVI).15 Os servos deveriam obedecer às instruções dos seus donos. No entanto, isso nem sempre acontecia. Esse provérbio parece abordar o que denominamos de resistência passiva, que é aquele caso onde o trabalhador apresenta reação apática e perda de interesse pelo trabalho, fazendo tão somente o que lhe é ordenado. A pessoa que apresenta esse tipo de resistência dificulta a aprendizagem, inconscientemente.

Muito embora no Brasil, hoje em dia, não mais exista essa relação escravo/senhor, ainda podemos ver um aplicativo desse provérbio se pensarmos na relação empregatícia. Um chefe exigente e pouco razoável pode estimular esse tipo de comportamento. Ameaças expressas ou implícitas de que o empregado pode ser demitido podem até resultar em obediência, todavia, provocará cada vez mais a relutância por parte do fâmulo em colaborar com a empresa.

O provérbio nos diz que isso não vai funcionar. Mas o que vai funcionar? Se aqueles que têm autoridade no local de trabalho demonstrarem respeito pelos subordinados e pedirem resultados razoáveis, então normalmente os funcionários responderão com um trabalho bem feito. O princípio é simples: respeitar para ser respeitado. Isso funciona nos dois sentidos, tanto para o empregador quanto para o empregado.

Pressa é considerada algo ruim em Provérbios (cf. 19:2; 21:5; 25:8). Mesmo boas palavras devem ser ditas na hora certa (cf. 5:23; 25:11). Por isso, o sábio questiona: Tens visto um homem precipitado nas suas palavras? (v. 20a). Falar de maneira precipitada pode levar à conversa tola, porque não se pensa muito para falar (cf. 15:28). A questão não é apenas falar as palavras certas, mas também dizer as palavras certas no momento certo. Tal sabedoria é encontrada em o Novo Testamento: Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar… (Tiago 1:19).

Diz o nosso texto: Maior esperança há para o insensato do que para ele (v. 20b). A palavra "insensato" (ou "tolo") denota uma pessoa estúpida.16 Essa pessoa, apesar do lento raciocínio, pode mudar e tornar-se sábia, ao contrário daquele que fala apressadamente. Temos aqui um importante princípio: se você quiser viver de maneira sábia e ordenada, ouça mais e fale menos.

O sábio continua sua série de observações com um aviso a respeito dos mimos: Se alguém mimar o escravo desde a infância, por fim ele quererá ser filho (v. 21). Esse provérbio revela um lado negativo de muitas famílias: ausência de limites. Criar uma criança de maneira "delicada" traz a ideia de "ser indulgente". A permissividade de pais que não sabem dizer "não", o uso do "sim" de forma deliberada produz o que esse provérbio diz: pessoas que se acham ser sempre além do que são. Não têm limites, estão em perigo.

À luz disso, alguns estudiosos acreditam que a palavra raramente usada e traduzida por "querer tornar--se seu filho" carrega a ideia negativa de "problema", de modo que poderíamos traduzi-la como: "ele tornar-se-á seu filho problemático". E, para essa situação, somente a instrução apropriada trará esperança.

Diante de certas situações, muitas pessoas perdem o controle emocional e se entregaram à ira. Esse estado facilmente nos conduz ao pecado. A Bíblia diz que: O homem irado provoca brigas, e o de gênio violento comete muitos pecados (v. 22). A ira é uma emoção dada por Deus, e ficar irritado não é um pecado em si. O próprio Jesus ficou zangado (Marcos 3:5; 11:15). Esse provérbio nos fala sobre a pessoa cuja vida é caracterizada pela raiva. Essa pessoa está sempre “no limite”. Uma pequena palavra, ou até mesmo um gesto, pode desencadear um discurso irritado. O resultado é briga e transgressão. A maioria das discussões são conduzidas desse modo. É justamente por isso que Tiago diz que todo o homem deve ser tardio para se irar. Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus (Tiago 1:19, 20). A ira precipitada é pecado, pois quebra o padrão divino de conduta para nós. A fim de transformar esse provérbio em um princípio positivo devemos cultivar em nossa vida a característica oposta: autocontrole (Provérbios 17:27).

Contraste entre tolos e sábios

O próximo provérbio tem como alvo o homem arrogante, cujo orgulho traz o efeito oposto do que ele procura: A soberba do homem o abaterá (v. 23a). A pessoa orgulhosa se imagina autossuficiente e, portanto, livre das leis morais de Deus. No entanto, Deus odeia essa atitude e punirá o orgulhoso (cf. Provérbios 16:5-18). Todavia, o humilde de espírito obterá honra (v. 23b).

Jesus, em pelo menos duas situações, também fala do perigo do orgulho: Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado (Mateus 23:12; Lucas 14:11). O apóstolo Pedro aconselha: Cingi-vos todos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, contudo, aos humildes concede a sua graça. Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte (1Pedro 1:5,6). Deus humilha e exalta; mas Ele humilha o orgulhoso e exalta o humilde. A maneira como nos relacionamos com o nosso próximo é determinante para nossa posição diante de Deus.17

Aquele que tem parte com o ladrão aborrece a própria alma, diz o nosso provérbio seguinte. Ele ouve as maldições e nada denuncia (v. 24). "Maldições" refere-se à conjuração de um juiz, num caso em que qualquer pessoa que tenha conhecimento sobre o crime deva testemunhar, dizendo a verdade, posto que está sob juramento. Se uma pessoa evita dar a conhecer as evidências que possui sobre um crime, permanecendo em silêncio, tal ofensa é reputada tão grande como a do próprio criminoso.Por fim, ele traz a maldição de Deus sobre si (Levíticos 5:1).

O versículo 25 exige de nós uma resposta: Em quem nós confiamos mais? No homem ou em Deus? Há pessoas que vivem em constante estado de ansiedade, sempre com medo de caírem em armadilhas. Interessante é o comentário da Bíblia de Estudo de Aplicação Pessoal:

O medo excessivo pode ameaçar o sucesso de tudo que uma pessoa tenta fazer. Uma fobia pode, por exemplo, fazer com que alguém se sinta inseguro e não saia de casa. Porém, temer a Deus significa respeitá-lo, reverenciá-lo e confiar nele. Isso nos liberta de qualquer fobia. Por que temer pessoas e coisas que não podem causar-lhe dano eterno? Confie em Deus; Ele pode transformar qualquer dano em bem para aqueles que nEle confiam. 18

O temor ao Senhor é o princípio da sabedoria (Provérbios 1:7). Esse é o tema da literatura sapiencial em geral. Em vez de vivermos preocupados com o que os outros pensam a nosso respeito, devemos nos preocupar, principalmente, com o que Deus pensa sobre nós.

Tal como acontece com o versículo 26 da lição de hoje, quando uma pessoa precisa fazer justiça, ou de certos "favores", ela vai em busca de quem tem o poder de realizá-la. Às vezes, o resultado pode ser bom (cf. 1Reis 3); às vezes, ruim (cf. Isaías 5:23). A verdadeira justiça só vem do próprio Senhor.

Por fim, o nosso último provérbio desta seção termina com um paralelo, estabelecendo o contraste entre o justo e o ímpio: Os justos detestam os desonestos, já os ímpios detestam os íntegros (v. 27, NVI). Esse provérbio expressa o que é comum sobre o justo e o ímpio: cada um é uma abominação para o outro. O injusto é desprezado pelos justos; e o homem íntegro é desprezado pelos injustos.

No entanto, como cristãos, devemos, sim, condenar o pecado, mas nunca odiar os pecadores. Sigamos o exemplo de nosso Pai celeste e façamos o bem mesmo àqueles que nos odeiam (cf. Mateus 5:44-48; Romanos 12:17-21).

Provérbios oferece muitos princípios que ajudam a pessoa a manter uma vida ordenada. Ninguém é perfeito na aplicação desses princípios, mas isso não deve servir como desculpa para não tentarmos. A maioria desses princípios pode ser encontrada em o Novo Testamento, e assim descobrimos como eles são relevantes para o cristão de hoje. Viver uma vida ordenada deve ser uma prioridade para todos os cristãos.

 

 

14 STRONG, James. Obra citada, p. 1.582.

15 A escravidão era um fato comumente aceito no mundo antigo. Em Israel, uma pessoa poderia tornar-se escravo por causa da pobreza, para não morrer de fome; ou o devedor falido, como forma de saldar sua dívida; ou, ainda, sendo levado cativo em tempo de guerra. Os filhos de escravos também continuavam nessa mesma condição (ROPS, Henri Daniel. A vida diária nos tempos de Jesus. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 98).

16 Estúpido: falta de inteligência; incapaz de compreender, discernir ou julgar.

Related Articles

Mordomia da família
BEM-AVENTURADO aquele que teme ao SENHOR e anda nos seus caminhos. Salmos 128:1...
Mordomia do corpo
Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus. 1 Coríntios 6:20...
Princípios bíblicos do verdadeiro avivamento, sábado
E OS líderes do povo habitaram em Jerusalém, porém o restante do povo lançou sortes, para tirar um de dez, que habitasse na santa cidade de...
Não cedendo às tentações, quinta-feira
8 E falou Deus a Noé e a seus filhos com ele, dizendo: 9 E eu, eis que estabeleço a minha aliança convosco e com a vossa descendência depois de vós...