Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também.

Colossenses 3:13 

INTRODUÇÃO


   A comunidade dos salvos por meio de Cristo vive a nova vida que lhe foi oferecida por intermédio da obra da cruz e, dentre as características que lhe são conferidas e que a fazem ser acolhedora e terapêutica, está a capacidade de perdoar. Isto é possibilitado pelo ato antecipado de Deus derramar Seu perdão sobre vidas antes dominadas pelo pecado e por isso mesmo, impedidas de viver conforme a boa, perfeita e agradável vontade do Pai (Romanos 12:2).
   Com a entrega feita na cruz, foi possível existir um povo perdoado e que, exatamente por isso, também exerce o perdão em suas relações. No texto base (Colossenses 3:13), o apóstolo Paulo traz, de modo claro, um mandamento acerca do perdão mútuo que deve existir no âmbito da Igreja, tendo como fonte e exemplo o ato perdoador do Senhor.
   Por si só, o fato de Deus ter demonstrado a atitude graciosa de perdoar pecadores merecedores da condenação eterna, já é mais do que suficiente para que se pratique este 
mandamento. Porém, além disso, ainda é possível perceber diversos benefícios trazidos àquele que pratica o perdão, visto que possibilita reconciliação entre irmãos, restauração da comunhão, libertação de uma espécie de prisão emocional na qual fica encarcerado o que guarda ressentimento e sede de vingança. Ainda, evita certos adoecimentos físicos originados em quadros emocionais, as chamadas doenças psicossomáticas.


RESTABELECENDO RELACIONAMENTOS (Mateus 18:5)


   Conforme um dos discursos de Jesus, registrado no Evangelho de Mateus 18:15 há um mandamento, uma direção clara a respeito da atitude a ser tomada quando um irmão peca contra outro. O ofendido deve ir em busca do ofensor para o confrontar, mas não no sentido de prejudicar ou ofender de volta e sim com o objetivo de, sendo ouvido, ganhar seu irmão que estava momentaneamente perdido da comunhão. Este ato já pressupõe o perdão que o ofendido está disposto a conceder ao ofensor, já que seu desejo final é restabelecer aquela relação que fora quebrada pelo pecado cometido.
   Cabe aqui ressaltar a importância de que o ofensor ouça o ofendido que vem ao seu encontro com um confronto perdoador, a fim de que este perdão seja consumado em sua vida e a relação seja restaurada. Isto aponta para a verdade acerca da necessidade de arrependimento para que o pecador se aproprie do perdão concedido, pois como alguém receberá perdão se não reconhece a necessidade deste? E o ato de arrepender-se é a evidência de que há reconhecimento de culpa e, portanto, carência de misericórdia. Por isso, bem aventurados são os pobres de espírito (Mateus 5:3), ou seja, os miseráveis que desesperadamente estendem suas mãos arrependidas para receber o perdão gracioso do Pai.
   Isto posto, é importante afirmar que o irmão ofendido não deve exigir uma atitude prévia do ofensor como uma condição para perdoar. O perdão já deve estar à disposição do que cometeu a falha e a procura pelo transgressor já demonstra que o agredido está levando perdão para, de fato, o oferecer.


O ofendido deve ir em busca do ofensor para o confrontar, mas não no sentido de prejudicar ou ofender de volta e sim com o objetivo de, sendo ouvido, ganhar seu irmão que estava momentaneamente perdido da comunhão.

 

 

 

 

HÁ LIMITES PARA O PERDÃO? (Mateus 18:21 e 22)


   Já está claro que o ato de perdoar é um mandamento e que traz ricos benefícios para a vida em diferentes aspectos, mas uma pergunta pode surgir nesse contexto, conforme registrado no Evangelho relatando a indagação de Pedro sobre quantas vezes se deveria perdoar a um irmão (Mateus18:21).
   O apóstolo ainda acrescenta uma sugestão de resposta, provavelmente imaginando que estaria sendo bem generoso ao citar as sete vezes. Jesus, porém, o retruca dizendo a famosa expressão “setenta vezes sete”, que deve ser entendida como uma hipérbole (exagero), uma figura de linguagem onde há uma intensificação da quantidade para dar destaque à questão. Ou seja, o Mestre não está afirmando literalmente que alguém deva perdoar no máximo 490 vezes, mas quer dar aqui um aspecto ilimitado ao perdão.
   Interessante notar também a relação desta fala do Cristo em contraste com a fala de Lameque, descendente de Caim, que se gloriava de seu espírito vingativo e cruel e declarava que seu ancestral seria vingado sete vezes, mas ele mesmo, setenta vezes sete (Gênesis 4:24). Observa-se o profundo contraponto entre este personagem e o nosso Salvador. Enquanto o primeiro gabava-se de uma atitude hiper vingativa, o segundo se mostra abundante em graça e perdão e determina que do mesmo modo devem ser Seus seguidores.
   Na sequência do texto, o Mestre conta uma parábola acerca das verdades do Reino dos Céus a respeito do perdão (Mateus 18:23-35), demonstrando a maneira como o rei se compadece de seu servo, mas este não reproduz a atitude graciosa com a qual fora alcançado. Há uma dívida impagável envolvida e um devedor que parece acreditar poder quitá-la, mas Jesus é bem preciso em apontar um valor exorbitante representando, ainda que de uma maneira menor, o débito que o ser humano tem para com Deus, impossível de ser pago com recursos próprios. O Rei, compadecido do seu devedor, oferece-lhe perdão integral e este em outro momento, 
encontra um de seus conservos, o qual lhe devia uma quantia irrisória diante daquela que lhe havia sido perdoada. Numa atitude de crueldade, lança o conservo na prisão para obriga-lo a saldar o débito.
   Esta atitude chega ao conhecimento do Rei que, de certo modo, revoga o perdão fornecido e o lança em prisão. Assim é que se pode afirmar com a oração ensinada por Jesus que o Senhor perdoa do modo como o homem perdoa a seu irmão (Mateus 6:12). Não se trata de uma barganha com Deus, ou seja, tomar a atitude de perdoar para que o perdão lhe seja dado também. Note-se o que afirma Rienecker
 em seu comentário do Evangelho de Mateus:


“A comunidade de Jesus é uma comunhão de disciplina e luta contra todo o mal em seu meio. A comunidade de Jesus é uma comunhão de oração. A pergunta de Pedro e a parábola do empregado não disposto a perdoar querem nos dizer, ainda, que a comunidade de Jesus se caracteriza por uma disposição permanente de perdoar. Nós, seres humanos, costumamos ser muito “justos” com os outros, persistimos na atitude legalista diante deles, consideramos gigantescas suas faltas contra nós e não “queremos” perdoar. Jesus nos mostra como esta indisposição para a reconciliação nos coloca num
terrível contraste com Deus. Enquanto nós vivemos incessantemente de seu perdão, usufruindo dele numa medida que nem se pode comparar com o que devemos uns aos outros, qualquer ofensa à nossa honra nos torna tão irados que não nos deixamos aplacar e que não queremos saber nada de perdoar.”

 

   Quando usa a expressão “setenta vezes sete o Mestre não está afirmando literalmente que alguém deva perdoar no máximo 490 vezes, mas quer dar aqui um aspecto ilimitado ao perdão.

 

 

O EXEMPLO DE PAULO (1 Coríntios 15:9 e 10)


   A história de conversão do antes perseguidor da Igreja está regada de perdão, posto que mesmo diante de todas as atrocidades cometidas (Atos dos Apóstolos 8 1; 9:1-3), Jesus o encontrou e comissionou para uma importantíssima obra de evangelização e plantação de igrejas, além de conceder-lhe riquíssimas revelações (2 Coríntios 12:7a) acerca da sua Palavra eterna muitas das quais estão publicadas nas cartas que escreveu.
   Ora, alguém que realizou tanto no Reino de Deus, tendo terminado a carreira com a entrega de sua própria vida, foi gerado no perdão divino, restaurado pela mão graciosa do Pai Celeste. É necessário ressaltar também a atitude perdoadora daqueles que acolheram Paulo e o receberam como um irmão em Cristo. É o caso de Ananias (Atos dos Apóstolos 9 10-18), que mesmo inicialmente questionando a ordem do Senhor, tendo sido advertido, foi ao encontro de Saulo e já o chama de irmão, não lhe acusando ou exigindo algo para recebê-lo. Posteriormente Barnabé também demonstra este acolhimento que deve estar presente na igreja de Cristo. Mesmo com a desconfiança acesa de alguns, recebe e acompanha Paulo em seus primeiros passos na fé (Atos dos Apóstolos 11 25,26).
   Deste mesmo Paulo, é dito que segurava as capas daqueles que apedrejaram o primeiro mártir da Igreja de Cristo (Atos dos Apóstolos 7:58), Estevão, o qual sendo acusado de blasfêmia por autoridades judaicas. Na sua execução, tomou a mesma atitude semelhante a de Jesus na cruz, quando do alto de sua dor intercedeu por seus algozes, pedindo ao Pai que lhes perdoasse aquele pecado (Atos dos Apóstolos 7:60). Aqui é importante perceber como os seguidores de Jesus, através da descida do Espírito Santo, receberam capacitação para chegar a um gesto tão profundo de perdoar pessoas que estão praticando tamanha violência e injustiça.
   Isto aponta para o fato de que quando se perdoa, não é por capacidade ou bondade próprias, mas pela ação do Espírito Santo que habita no discípulo de Cristo.

 

Alguém que realizou tanto no Reino de Deus, tendo terminado a carreira com a entrega de sua própria vida, foi gerado no perdão divino, restaurado pela mão graciosa do Pai Celeste.

 

 

 

O CASO DE JOSÉ DO EGITO (Gênesis 50:19-21)


   É de amplo conhecimento a história deste filho de Jacó narrada no livro de Gênesis do capítulo 37 ao 50, que foi
vítima de uma conspiração de seus irmãos. Estes o jogaram em um poço e depois venderam-lhe a mercadores de escravos. Negociado no Egito, passou a servir na casa de Potifar, onde mais uma vez sofreu injustiça, sendo acusado falsamente de assédio e lançado na prisão.
   Toda esta sequência de infortúnios disparada pela atitude de seus próprios irmãos, além do fato de terem infligido pesar imenso ao seu pai Jacó que estava certo de ter perdido seu filho, deve ter gerado muita dor no coração de José. Dor esta que poderia ser transformada em amargura e desejo de vingança.
   Porém, no desfecho da história, os irmãos acabam tendo que ir ao encontro de José, que por obra de Deus, ocupava na ocasião, importantíssima posição no Egito. Diante daqueles homens que o tinham causado tanto mal, José é capaz de perdoar-lhes, recebendo-os com todos os demais membros da família e lhes concedendo refúgio seguro em um tempo de extrema crise.
   O que fez a diferença nessa atitude de José foi o fato de ele reconhecer a mão de Deus sobre todos os acontecimentos. Ele reconheceu que todo aquele mal redundou em benefício, não necessariamente para o próprio José, mas que por meio dele muitas vidas foram poupadas no período de intensa escassez que se abateu por toda aquela região.
   Esta verdade é fundamental nos processos de perdão. Saber que o Senhor não está alheio às situações adversas enfrentadas por seus filhos e que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que o amam. Ressalta-se que este bem citado no texto não é a realização de um desejo do coração, mas é a formação da imagem de Cristo na vida, do ser humano (Romanos 8:28-29).

 

Diante daqueles homens que o tinham causado tanto mal, José é capaz de perdoar-lhes, recebendo-os com todos os demais membros da família e lhes concedendo refúgio seguro em um tempo de extrema crise.

 

 

 

BENEFÍCIOS DO PERDÃO (Mateus 6:14 e 15)


   Para os que creem, já é plenamente suficiente o fato de o perdão ser um mandamento divino, a fim de o cumprirem com convicção. Também a ciência vem comprovando os muitos benefícios do perdão nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais.
   Há pesquisas (BELTRÃO, 2012)
, (MENDONÇA, 2021) que claramente apontam ganhos na saúde obtidos com
o ato de perdoar amenizando quadros como dor crônica, hipertensão arterial e outras enfermidades cardiovasculares, com um impacto importante na redução da raiva, amargura, ressentimento, ansiedade e depressão, sendo estes dois últimos, males que tem afetado um número cada vez maior de pessoas em todo o mundo e constituem em causa de grande sofrimento, por vezes incapacitante.
   Quando não há perdão é como se houvesse uma carga pesada por dentro, um grito de dor vindo do interior e que
clama por um ressarcimento por vezes impossível de ocorrer, visto ir além das próprias questões judiciais que possam estar envolvidas. É necessário, portanto, haver uma decisão de não cobrar esta dívida emocional, de deixar o ofensor livre desta obrigação de pagar pelo que fez e deixando o ofendido livre do peso que carregava e que lhe causava tantos prejuízos. 
   Socialmente, é adequado concluir que atitudes reconciliadoras, nas quais o perdão está envolvido, evitam o agravamento de conflitos que poderiam levar a sérias consequências capazes de trazer prejuízos a toda uma teia
social, partindo da família até outras esferas da sociedade. Ou seja, os alcances do ato de perdoar são imensuráveis em seus benefícios.

 

A ciência vem comprovando os muitos benefícios do perdão nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais.

 

 

 

CONCLUSÃO


   O tópico abordado neste estudo é de suma importância na vida daqueles que nasceram de novo e, portanto, não vivem mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou (2 Coríntios 5:15). É fundamental a presença de uma atmosfera rica em perdão na igreja local, a fim de que esta seja uma comunidade acolhedora e por isso mesmo, terapêutica em suas múltiplas relações.
   Que o Senhor abra os olhos do entendimento do Seu povo para que possa enxergar a riqueza infinita do perdão
derramado e possam ser multiplicadores constantes desta virtude divina!


QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE


1.
Existe alguma dificuldade no ato de perdoar? Em sua opinião, o que mais dificulta o perdão?
R.


2. De acordo com seu pensamento, perdoar é uma alternativa? Conforme as Escrituras, as pessoas têm liberdade para oferecer ou negar perdão?
R.


3. Que benefícios advêm da prática do perdão para o perdoado? E para aquele que perdoa?
R.


4. Como a igreja local pode tornar-se verdadeiramente uma comunidade que perdoa?
R.

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