E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua.

Atos dos Apóstolos 2:6

INTRODUÇÃO


   Devemos ser sempre gratos a Deus por todas as bênçãos que tem derramado sobre cada membro da Igreja individualmente, mas também sobre a Igreja em seu aspecto coletivo. 

   O pastor Ronaldo Lidório inicia uma de suas brilhantes mensagens com a seguinte introdução:

    “1876. Dom Capricio, bispo católico romano, ministrava a palavra de abertura na Convenção Regional em Taranto, no sul da Itália, quando afirmou: ‘A missio Dei, pela sua supremacia bíblica, dispensa a missão da Igreja’. Somos apenas contempladores das maravilhas que Deus faz’ (Christianity and Faith). Além da ênfase deísta, gostaria de contestar essa proposta eclesiomissiológica que se apoderou da consciência cristã pós-moderna. A Igreja não é um membro contemplativo do Reino de Deus, excluída da missio Dei e chamada a ser exangue, alienada, sem vida e sem paixão. Ela é parte do plano de redenção elaborado pelo Senhor para a salvação de todo aquele que crê.

   Entretanto, Dom Capricio não se distancia muito da errática tendência cristã atual, que tenta incluirse nas bênçãos do evangelho e autoexcluir-se da sua prática: a antibíblica vontade de ver a terra arada sem pôr as mãos no arado” (grifos nossos). 

   Pois bem. Essas palavras devem nos fazer parar e pensar. Nosso início no Brasil remonta 19 de janeiro de 1913. Estamos em fevereiro de 2022. São 109 anos de existência como Igreja. Quanto avançamos? Quanto poderíamos ter avançado? Qual é a nossa maior necessidade hoje para cumprir a missão dada à Igreja?
   Neste primeiro trimestre do ano de 2022, somos desafiados a focar nosso reconhecimento pela bênção contida na missão de atender ao clamor de um mundo agonizante pela Salvação que só existe em Jesus. 

   A CBSDB (Conferencia Batista do Sétimo Dia Brasileira) teve como meta produzir, individual e coletivamente, um despertamento na Igreja, investigando e cavando nas Escrituras Sagradas, aquilo que Deus está esperando de Sua Igreja para o avanço do Evangelho e sua divulgação em todo o mundo. 

   Na lição desta semana, estudaremos o desenvolvimento missionário da Igreja Cristã Primitiva e sua projeção de efeitos para a Igreja Cristã subsequente até os nossos dias. 

   Com base no verso-chave, analisaremos o início da Igreja Cristã à luz da narrativa de Lucas no livro de Atos dos Apóstolos. 

   Da Bíblia Brasileira de Estudos, a propósito, extraímos a seguinte nota: 

   “Atos, portanto, é a continuação do evangelho; de fato, Lucas começa o livro falando do ‘primeiro relato’ (1:1), no qual contou o que Jesus começou a fazer. Aqui, portanto, temos o ‘segundo relato’, do que Jesus ‘continua fazendo’. Este livro é chamado de Atos dos Apóstolos e há quem prefira chamá-lo de Atos do Espírito Santo. Lucas, porém diz que Jesus prossegue fazendo Sua obra.  Ele o faz através do Espírito e este, através dos apóstolos. [...]”.

   Mas essas notas são apenas introdutória, visto que a meta deste estudo bíblico é mergulhar na análise centrada de uma Igreja que se multiplica. Vale dizer, uma Igreja que não se contenta em atender a um grupinho fechado de pessoas, mas, sim, em alcançar o maior número de vidas humanas para Cristo. 

   E aí, precisamente, reside uma questão que requer sábia ponderação: a multiplicação significará um expressivo aumento numérico de pessoas integrando a Igreja. Quais as implicações disso? Muitas. Mas, dentre outras, há o perigo de nos tornarmos reféns dos números passando a endeusá-los a qualquer custo. E isso seria um enorme mal na vida da Igreja. 

   Como se resolve esse impasse? 

   Evidentemente, concordamos sempre com o saudável crescimento da Igreja, que é o Corpo de Cristo. Mas, precisamos ser vigilantes contra as estratégias artificiais de seu crescimento. 

   Na década de 70, quando o autor deste texto era estudante de Teologia, ouviu seu professor da disciplina “Evangelismo”, pastor Daniel Belvedere, lançar um alerta aos futuros pastores referente a dois extremos a serem evitados: (i) numerolatria (idolatria dos números) ao ponto de sacrificar princípios caríssimos da Revelação; e (ii) numerofobia (medo dos números), ao ponto de se fechar em si mesma e não compartilhar as boas novas do Reino. 

    O crescimento da Igreja deve ocorrer em diferentes áreas de sua vida. Bem por isso não é tão fácil mensurar o crescimento de uma Igreja. Não se tem um aferidor de precisão. Estamos convencidos de que, em um primeiro momento, o crescimento numérico seja o menos relevante. Por outro lado, fica difícil de entender – verdadeiro contrassenso – uma Igreja que venha crescendo em espiritualidade, em amor, em ação social, em robustez doutrinária, mas, não se preocupa em ganhar almas para Cristo. Essa assimetria precisa ser reparada. 

    Concordamos com o pastor Rick Warren quando, referindo-se ao crescimento da Igreja, afirma que “o  crescimento sadio e duradouro é multidimensional. Minha definição de crescimento genuíno apresenta cinco aspectos. O crescimento de toda Igreja deve ser caloroso por meio da comunhão, mais profundo por meio do discipulado, mais forte por meio de adoração, mais abrangente por meio de ministério e numericamente maior por meio de evangelismo [...]”. 

   Com efeito, a Bíblia diz que “[...] Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos seres humanos e nos confiando a palavra da reconciliação. Portanto, somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por meio de nós. Em nome de Cristo, pois, pedimos que vocês se reconciliem com Deus” (2 Coríntios 5:19 20 – grifos nossos). 

   Ora, uma vez que assim é, precisamos nos convencer de que o braço de Deus aqui na Terra para a consecução de Seus propósitos salvíficos é a Igreja. 

   Surge, então, a seguinte indagação: Por que a Igreja tem se envolvido com múltiplas atividades, mas, ao mesmo tempo, tem negligenciado seu principal ministério – reconciliar almas com Deus?
   Foi muito sábio o pastor e Howard A. Snyder, quando afirmou: 

    “[...]. A ‘multiforme sabedoria de Deus’ se torna agora conhecida por obra do amor reconciliador de Cristo, amor que une judeus e gentios como irmãos na
comunidade do povo de Deus, a Igreja. Mas só judeus e gentios? Será que o milagre do evangelho encerra com a
reconciliação entre judeus e gentios no primeiro século de nossa era? É certo que não! Há mais coisas relacionadas ao mistério do plano de Deus. A reconciliação inicial e histórica revela que Deus reconcilia consigo mesmo, pelo sangue da cruz, pessoas e povos alienados. Começou com a reconciliação entre judeu e gentio e se amplia para alcançar livre e escravo, homem e mulher, negro e branco, rico e pobre (Colossenses 3:10 11; Gálatas 3:28). 
   [...]. Pois é precisamente na Igreja que essa reconciliação acontece. A Igreja é o fruto do amor reconciliador de Cristo e, dessa forma, a revelação da multiforme sabedoria de Deus. Na qualidade de Corpo  de Cristo, a Igreja participa da obra reconciliadora de Cristo.

    É nesse sentido que a Igreja é o agente do plano de Deus. Essa é a razão porque Pedro, Paulo, Tiago e João insistem tanto em que os crentes se reconciliem uns com os outros, para que analisem criteriosamente sua maneira de andar, evitem toda parcialidade e andem em amor e em comunhão com os irmãos e irmãs. Sua fidelidade, e a nossa, tem grande significado para o Reino”.

   É da máxima relevância lembrar que o desenvolvimento e crescimento da Igreja Cristã Primitiva, deu-se, efetivamente, por meio da (i) proclamação, (ii) comunhão e (iii) testemunho

   Com efeito, apesar da precariedade das estruturas para o implemento das missões no cristianismo inicial, o certo é que a qualidade da vida cristã dos primeiros irmãos servia de reforço para a proclamação feita pelos evangelistas. 

   Discorrendo sobre a Igreja Cristã Primitiva, com especial acerto, o pastor Francis Chan afirmou: “Muito se pode dizer sobre a Igreja. Pedro disse que ela é ‘geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus’ (1 Pedro 2:9). Paulo a chamou de ‘coluna e fundamento da verdade’ (1 Timóteo 3:15), ‘templo do Espírito Santo’ (Efésios 2:19-22), ‘corpo de Cristo’ (1 Coríntios 12), ‘noiva de Cristo’ (Efésios 5:22 23). [...]”.

   Quão maravilhosa é essa retrospectiva! 

   Somos levados a concordar com o grande missiólogo Roland Allen quando reconhece que “a Igreja, logo em seu início, foi estabelecida e organizada como uma missão mundial para um trabalho mundial. Era um organismo vivo, constituído por almas vivas que derivavam a sua vida de Cristo, que é a Cabeça. Era um organismo que crescia. [...]; era a organização de um corpo missionário. [...], cada um era um missionário em potencial. [...]. Com a atividade dos membros, a Igreja crescia [...]”.

 


COMPREENDENDO O CONTEXTO HISTÓRICO DO EVENTO DESCRITO NO VERSO-CHAVE


   Inegavelmente, o verso-chave está situado no contexto da festa de Pentecostes e o derramamento extraordinário do Espírito Santo sobre a Igreja Primitiva. 

   Podemos afirmar, sem receio de equívoco que, assim como a festa de Pentecostes constava do calendário anual
israelita, também o evento de Pentecostes em Atos dos Apóstolos 2 estava no calendário de Deus para o início da Igreja. 

   Antes de adentrar o núcleo da mensagem contida nesse verso bíblico, convém ressaltar dois aspectos muito relevantes indissociavelmente envolvidos na narrativa. 

   O primeiro diz respeito ao estado de mente e de compreensão dos discípulos a respeito dos acontecimentos presentes (no século I) e dos eventos vindouros. Inicialmente, eles (os discípulos) incorriam em um colossal erro de avaliação política. Acreditavam na restauração literal do reino de Israel. Confundiam o Reino de Deus com o Reino de Israel. Confiavam que Israel ainda iria dominar o mundo.
   Concordamos com o já mencionado pastor
Hernandes Dias Lopes quando, com grifos nossos, adverte:

   “O reino de Deus não é um conceito territorial. Não consta de nenhum mapa geopolítico. E era exatamente isso o que os apóstolos tinham em mente ao confundir o reino de Deus com o reino de Israel. O reino de Deus não é terreno, mas espiritual. Seu trono é estabelecido no coração das pessoas, não nas embaixadas dos governos. Onde um escravo do pecado é libertado e onde um súdito do reino das trevas é transportado para o reino da luz, ai se estabelece o reino de Deus. O reino de Deus não é implantado pelo poder da baioneta nem pela força das armas, mas pela ação transformadora do Espírito Santo

   O reino de Deus, porém, não tem fronteiras geográficas nem políticas. Os discípulos deveriam ser testemunhas não apenas no território de Israel, mas até aos confins da terra. Não apenas aos judeus, mas também aos gentios. O reino de Deus abrange todos  os povos, em todos os lugares, de todos os tempos, que foram lavados no sangue do Cordeiro (Apocalipse 5:9). [...]”.

   O segundo erro era acreditar que o Céu viria a eles já naqueles dias. Há o perigo de ficar tão encantado pelos prazeres celestiais ao ponto de esquecer que permanecemos aqui no mundo com um propósito. Sim, somos uma Igreja com um propósito! 

   Observe-se que os acontecimentos se desenrolam por ocasião de uma festa típica e tradicional em Israel: o Pentecostes. Concordamos com a esmagadora maioria dos especialistas em Teologia do Novo Testamento quando afirmam que o Pentecostes foi um acontecimento único e irrepetível. Certamente, ocorreram e ocorrerão outros eventos de derramamento copioso do Espírito Santo. Mas, o Pentecostes foi ímpar. Foi único. 

   A essa altura, convém que atentemos às palavras do pastor John Stott, citado por H. D. Lopes, quando exorta que “devemos cuidar para não diminuir nossas expectativas ou relegar à categoria de excepcional aquilo que Deus talvez queira que seja a experiência normal da Igreja. O vento e o fogo eram extraordinários, e provavelmente também as línguas; mas a nova vida e a alegria, a comunhão e o culto, a liberdade e o poder, não(grifos nossos). São dignas de profunda reflexão as palavras do pastor [] Wayne Grudem quando reconhece que: 

   “o povo de Deus do Antigo Testamento ansiava por uma era de ‘nova aliança’ em que a obra do Espírito Santo seria muito mais poderosa e muito mais difundida (Números 11:29; Jeremias 31:31-33; Ezequiel 36:26 27; Joel 2:28 29). [...] Os discípulos, entretanto, não recebem essa capacitação plena da nova aliança para o ministério antes do dia de Pentecostes, pois Jesus lhes diz que esperem em Jerusalém e promete: ‘[...] recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo’ (Atos dos Apóstolos 1:8). Isso representou uma transição na vida dos discípulos também (João 7:39; 14:17; 16:7; Atos dos Apóstolos 2:16). A promessa de  Joel de que o Espírito Santo viria em plenitude na nova  aliança se cumpriu (Atos dos Apóstolos 2:16) assim que Jesus voltou ao Céu [...]. [...]. O dia de Pentecostes foi sem dúvida um momento extraordinário de transição em toda a história da redenção registrada nas Escrituras. Foi um dia singular na história do mundo, porque naquele dia o Espírito Santo começou a atuar entre o povo de Deus com o poder da nova aliança (grifos nossos).

   Pois bem.
   O vocábulo “pentecostes”, ao contrário do que pensam muitos pensam, significa cinquenta dias após a Páscoa. Apenas isso. 

   Na Antiga Aliança a Festa de Pentecostes é também conhecida como “Festa das Semanas” (Deuteronômio 16:10), “Festa da Colheita” (Êx 23:16) e “Festa das Primícias (Números 28:26). 

   Todavia, por ser tal marco (Pentecostes em Atos dos Apóstolos 2) um verdadeiro divisor de águas na comunidade dos salvos, sua importância tem especial significado para o povo de Deus ainda hoje. 

 

3. Compreendendo as lições centrais contidas no verso-chave 

   O texto diz: “Assim, quando se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que foi tomada de perplexidade, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua(Atos dos Apóstolos 2:6 grifos nossos). 

   Estamos preocupados com uma Igreja que se multiplica. Na verdade, com uma Igreja que cresce de forma saudável. 

   Percebamos que o texto bíblico escolhido diz que “[...], afluiu a multidão, que foi tomada de perplexidade, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua” (Atos dos Apóstolos 2:6 grifos nossos). 

    Assim, uma evangelização bem sucedida pressupõe a necessidade de comunicação na língua que o destinatário da mensagem entenda. No evento do Pentecostes, aqui em Atos dos Apóstolos 2, tem-se dom de falar línguas e não dom de ouvir línguas, como equivocadamente alguns têm ensinado. Aliás, a promessa é clara: “[...] falarão novas línguas” (Marcos 16:17 – últ. parte). Logo, as diferentes nações ali representadas ouviram, cada uma, na sua própria língua porque os discípulos que pregaram a Palavra, movidos pelo Espírito Santo, falaram na língua do destinatário sem nunca terem aprendido antes. Foi, pois, um dom espiritual e não uma manifestação da intelectualidade e genialidade humana. 

   De todo modo, o importante para o propósito desse estudo bíblico é a constatação de que Deus, por Seu Santo Espírito, desceu ao nível humano para comunicar a Redenção dos caídos filhos de Adão na linguagem deles (nossa). 

   Isso deveria desafiar a Igreja na busca de ferramentas e meios de comunicar a maravilhosa doutrina da Graça a todos os segmentos da sociedade, em todas as culturas, nações, tribos, línguas e povos. Isso alcança, ademais, todas as faixas etárias, níveis acadêmicos e condições sócio-econômicas. 

    Vamos tornar mais clara e prática a afirmativa acima lançada? 

   Com base no texto de Atos dos Apóstolos 2:6, é necessário que o evangelista busque a máxima eficiência no desempenho de seu ministério. Isso pressupõe, quanto depender da ação humana, uma comunicação eficaz (envolvendo palavras, gestos, música, ambiente e recursos), vale dizer, que atinja seu objetivo.
   O que sua Igreja local tem feito para tornar conhecida a doutrina da Salvação por meio de Cristo com Sua morte na cruz? 

   Quantos dos seus recursos são destinados para tal finalidade?

   Qual o envolvimento e o comprometimento de cada crente nesse magnífico projeto de Deus? 

   Lembremo-nos sempre: a Igreja não é um fim em si mesma, mas, foi chamada à existência para servir, ser “luz do mundo” e “sal da terra” (Mateus 5:13-14). 

   Já que assim é, precisamos ficar alertas quanto à ausência de luz e/ou de salinidade na Igreja.

 


O QUE É UMA IGREJA AUTÓCTONE?


   Antes de lançar a definição de “Igreja Autóctone”, julgamos relevante apresentar dois aspectos fundamentais sobre a “Grande Comissão” e o papel da Igreja nos dias atuais. O texto é fruto da reflexão do Bispo Anglicano Robinson Cavalcanti, do Recife, que ensinou:

   “O cristianismo é uma religião de destinação universal. A Grande Comissão não foi revogada. É dever de todo cristão anunciar o Evangelho e convocar todas as pessoas, onde estiverem e como estiverem, ao arrependimento e à fé, desde os de sua casa até os confins da terra (Mateus 28:19). Advogar o contrário, é negar a identidade da Igreja, é esquecer 2 mil anos de história, é agredir a memória dos mártires e, mais importante, é desobedecer ao seu Senhor e demonstrar falta de amor para com o próximo. 

   Por ser uma religião universal (católica), o cristianismo não pode ser identificado com nenhuma cultura, não pode promover ou destruir culturas. Nenhuma cultura é igual ao Éden ou à nova Jerusalém. Nenhuma cultura é puramente divina ou totalmente demoníaca, mas em todas elas são encontrados sinais da imago Dei’, bem como da queda do homem, da presença satânica e da presença da graça [...]. A presença do Evangelho é de identificação e transformação, não em direção à cultura dos missionários, mas na promoção dos valores do Reino de Deus em cada cultura”. 

   Dito isso, passemos à definição do que se possa entender por “Igreja Autóctone”. Para isso, é importante, primeiramente, trazer a definição do vocábulo autóctone. Assim, de acordo com o Dicionário Houaiss, significa “1. Que ou quem é natural do país ou da região em que habita e descende das raças que ali sempre viveram; aborígene, indígena [...]; 2. Que se origina da região onde é encontrado, onde se manifesta; [...] etim. originário do próprio solo, que nasce do próprio solo, [...]”. 

   Portanto, quando na linguagem da evangelização se fala em “igreja autóctone”, tem-se em foco uma comunidade de crentes que entende e procura praticar os ensinos bíblicos mantendo os padrões próprios de cultura da sociedade local em que nasceram, cresceram e continuam vivendo até que venha a morte. Isso não significa que eles discordem de mudanças. É claro que não. Mas, significa que as transformações que se fizerem necessárias decorrerão da ação do Espírito Santo em sua vida e da iluminação originária da Revelação através das Santas Escrituras. 

   Essa situação, por vezes, gera conflito entre os crentes autóctones e os missionários vindos de outras culturas e civilizações. 

   Conscientes dessa possível tensão entre os hábitos e modo de ver a vida de uma comunidade local em confronto com o Evangelho da Salvação, temos que lembrar que o nosso chamado é para levar as boas-novas e não para destruir a cultura de um povo. O Espírito Santo é quem produz a ação libertadora, transformadora e regeneradora. 

   Logo, somos levados a concordar com o Bispo Robinson Cavalcanti quando exorta que “o cristianismo não pode ser identificado com nenhuma cultura, não pode promover ou destruir culturas”. Continuamos concordando quando ele observa que “nenhuma cultura é igual ao Éden ou à nova Jerusalém. Nenhuma cultura é puramente divina ou totalmente demoníaca” (extraído da citação acima indicada em recuo de página).

   O que isso quer dizer? 

   Quer dizer que em todos os lugares, incluindo-se os mais remotos e distantes rincões em que se encontrem descendentes de Adão e Eva, há resquícios da imagem de Deus (lat. imago Dei) nas pessoas. 

   Dito de outro modo, o pecado quase apagou a imagem de Deus no homem, mas não o fez totalmente. Ele a danificou seriamente, mas não a destruiu. Há resíduos de amor, bondade, misericórdia, compaixão e justiça em cada ser humano. Isso descende do Pai das Luzes! Sim, pois afinal, “todo o dom perfeito provém de Deus”! (Tiago 1:17). 

   Atentemos agora para uma narrativa de missões trazidas pelo Pastor Roland Allen, um dos maiores missiólogos do século XX, e peçamos a Deus que nos dê, por meio do Santo Espírito, a necessária iluminação e discernimento dos fatos. Trata-se da história de um índio, conhecido como o “Grande Caçador”. Tudo transcorre em terras canadenses. Vejamos: 

   “O Grande Caçador era um dos chefes dos índios Sioux que fugiram dos Estados Unidos para o Canadá e se abrigaram sob a proteção do governo canadense  Missionários presbiterianos os visitavam e ensinavam,
e muitos daqueles índios adotaram os ensinamentos cristãos, entre eles o Grande Caçador. Ele desejava se tornar cristão, e disseram-lhe que precisava deixar todas as suas mulheres exceto uma. Depois de muita luta, ele estava determinado a obedecer. Sem saber o que fazer com as mulheres que estava abandonando, ele as enforcou. Então foi até os missionários e lhes contou que fizera o que haviam exigido. Imediatamente, eles o expulsaram, condenando-o pelos assassinatos, e em desespero, o homem abandonou toda esperança de se tornar cristão. Voltou aos deuses pagãos, casou-se com duas novas esposas e viveu como pagão até o dia de sua morte, [...]. Aqueles missionários haviam preservado a lei cristã, segundo supunham. Eles preservaram a nossa lei matrimonial, mas será que preservaram a lei de Cristo? [...]. 

   Com consequências menos chocantes, estamos fazendo no mundo inteiro justamente o que esses missionários canadenses fizeram. [...]. Muitas e muitas pessoas que poderiam ter se tornado bons cristãos vieram até nós em busca de Cristo, mas só encontraram uma lei, e retornaram sem Cristo. Seria muito diferente se a própria consciência dos nativos, sem que os forçássemos a isso, excomungasse aqueles que pecaram contra a luz. [...]. À medida que os cristãos nativos crescessem em conhecimento e graça, eles certamente aprenderiam a ver como graves pecados, coisas que, em sua vida antiga, viam como inofensivas e necessárias. Aprenderiam a entender esse pecado, a conhecer a sua verdadeira natureza em relação ao ensino e à natureza de Cristo. Mas nós os privamos desse crescimento lento. Preferimos impor a nossa lei e obter assim um desenvolvimento aparente e imediato”. 

   Reconhecemos que os missionários que atuarão em diferentes culturas devem, além do preparo espiritual e devocional, buscar um aprimoramento cultural e sociológico a respeito do povo onde vão desempenhar seu ministério. O autor do comentário dessa lição bíblica esteve recentemente em Nampula, Moçambique (África), na
companhia do pastor Claudir de Oliveira. Apesar de termos previamente lido jornais e revistas do lugar, além de assistirmos noticiários na televisão (por exemplo, TV África News), fomos surpreendidos com significativos detalhes da cultura local (autóctone, portanto) totalmente diferente da nossa visão de mundo (cosmovisão). Decidimos que não interferiríamos nos aspectos culturais locais. Limitamo-nos em explanar o Plano de Salvação e as doutrinas básicas bíblicas defendidas pelos batistas do sétimo dia ao redor do mundo.


BREVE ANÁLISE DO MÉTODO DE PAULO DE EVANGELIZAÇÃO


   Após termos uma noção do que seja uma “igreja autóctone”, mostra-se oportuno e relevante descobrir o método de evangelização utilizado pelo apóstolo Paulo que, depois de Cristo, foi o maior missionário de todos os tempos. 

   A obra de Paulo se desenvolveu em uma sociedade em que prevalecia a cultura grega e romana (greco-romana). Era um mundo difícil e muito heterogêneo.

   Mas, o destemido e incansável apóstolo preocupou-se em mostrar ao mundo um Cristo Salvador. Partiu, portanto, de seu testemunho pessoal. E convenhamos, o testemunho pode ser fornecido até por um cristão sem escolaridade formal. Tomese o exemplo do cego de nascença da narrativa de João 9 quando testemunhou: “eu era cego e agora eu vejo” (João 9:25). Tanto a Bíblia quanto a história eclesiástica estão repletas de poderosos exemplos de testemunhos pessoais e seu resultado positivo na vida dos ouvintes. 

   No método de Paulo encontramos um poderoso testemunho de regeneração, fé, aceitação da graça salvadora sem diminuir o valor da lei, além de comunhão, doutrina e unidade no Corpo de Cristo. 

   Paulo pregava arrependimento e vida transformada. Primeiro pregava uma mudança interior, que inevitavelmente se manifestaria no exterior. Pregava uma fé que era confirmada pelo batismo. Em suma, Paulo tinha amor pelas vidas por quem Cristo morreu! E Ele morreu por todos (2 Coríntios 5:15). Sim. É a Palavra santa que afirma: “Portanto, assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os seres humanos para  condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos (os homens) para a justificação que dá vida” (Romanos 5:18 – grifo nosso). 

   Com isso não estamos pregando universalismo (doutrina teológica que ensina que, no fim das contas, o mundo inteiro será salvo e, portanto, ninguém se perderá). Não. O texto quer dizer que todos os que aceitam a oferta do perdão oferecida na cruz do Calvário, recebem a justificação para a vida eterna. 

   Logo, somos desafiados a amar a todos com a expectativa de que o maior número de pessoas seja alcançada pelo Plano da Redenção. 

   Paulo mantinha uma atitude conciliatória, demonstrava respeito para com seus ouvintes e confiava na verdade do Evangelho como sendo o poder de Deus. E mais, pregava afirmando fatos que poderiam ser entendidos, apreendidos e aceitos. Apresentava, também, respostas a objeções inevitáveis, sempre se sustentando em robustas evidências. Por último, o apóstolo com sua pregação, buscava atingir as necessidades espirituais de cada filho e de cada filha de Adão. Enfatizava o anseio pelo perdão e que em Cristo há paz com Deus. Nessa toada, lançava uma solene advertência que a rejeição ao Evangelho constitui grave risco na vida do ser humano.
   Aliás, é de Paulo a significativa frase: “Ai de mim se não pregar o Evangelho” (1 Coríntios 9:16).

 


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Podemos afirmar que a pregação da Palavra em qualquer ambiente, fosse nas casas dos novos convertidos, fosse na sinagoga, fosse ao ar livre, configurou-se o mais importante método missionário (multiplicador) na Igreja Cristã Primitiva. Lembramos que a responsabilidade de multiplicar igrejas é da própria comunidade de fé. Ela deve planejar e prover meios para alcançar o objetivo. Cada membro individualmente deve ser um missionário levando a Palavra ao seu redor. Isso deve ser alcançado com abundantes orações e intenso evangelismo na região que se pretenda plantar uma Igreja. Nossa fervente oração é para que o Senhor Jesus Cristo, por meio do Santo Espírito, produza em cada batista do sétimo dia um vigoroso despertamento, de modo que sejamos uma  Igreja missionária plenamente comprometida com a conquista de almas para o Reino Eterno! 
   Deus nos abençoe! Amém!

 

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CL ASSE


1. Analise a importância do derramamento do Espírito Santo
à Igreja no dia de Pentecostes. Qual foi a importância desse
evento no início da multiplicação das igrejas?
R.


2. Como a Igreja Batista do Sétimo Dia pode e deve se ajustar ao desafio bíblico das missões?
R.


3. Conhecendo o conceito de “igreja autóctone” aqui resumidamente descrito, que lições a IBSD pode absorver no desempenho de seu ministério? Analise e discuta com a classe
as lições que extraem da historieta verídica do índio “Grande
Caçador”.
R.


4. Qual é o seu entendimento de da sua comunidade sobre
Igreja multiplicadora?
R.









 

 

 

 

 

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