Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;

Mateus 5:4

INTRODUÇÃO

   As chamadas bem-aventuranças proferidas no discurso de Cristo, conhecido como o Sermão do Monte, representam uma descrição do tipo de pessoas que são felizes. Não se trata de um conjunto de regras ou de uma lista de dons específicos, mas o retrato integral daquele que nasceu do alto pela experiência de salvação proporcionada através da fé no sacrifício substitutivo de Jesus. Neste estudo será vista a segunda bem-aventurança, que talvez seja aquela que talvez pareça mais contrastante, na medida em que une felicidade e lamento na mesma sentença: bem-aventurados os que choram.

 

CONTRASTE ENTRE O MUNDO QUE SE EMPENHA NA BUSCA DA FELICIDADE A QUALQUER CUSTO COM A ADVERTÊNCIA DE CRISTO EM JOÃO 16:33.

   Há algo na natureza humana que impele o homem a fugir da dor e buscar o prazer e assim, não pode conceber alegria em meio ao sofrimento. Conforme Lloyd-Jones8 ,há uma filosofia mundana que prega a atitude de virar as costas para as dificuldades e fazer de tudo para não encará-las. Existe uma procura quase que obsessiva pela felicidade, determinada por muitos como sendo um estado de conforto amplo e a satisfação dos desejos do coração, numa ausência completa de aflições. Assim, para a maioria dos seres humanos é difícil aceitar ou conviver com a dor, com o não, com a falta que gera angústia e, desse modo, não se medem esforços e não se consideram limites éticos quando o assunto é “ser feliz”.

   No meio religioso se observa um modo de funcionamento similar a este presente no mundo. Vemos a perseguição da satisfação plena através de um determinado tipo de fé à qual se atribui o suposto poder de mover a mão de Deus em favor do crente, no sentido de dar-lhe necessariamente aquilo que busca em suas orações ou pela via de práticas rituais e devocionais.

   Porém, o que Cristo afirma em João 16:33 é que as aflições são parte integrante da vida neste mundo. A queda trouxe o sofrimento para a existência e não há promessas da parte de Deus que envolvam ausência de sofrimento nesta vida, pelo contrário, há alertas muito claros sobre perseguições, calúnias, perdas e ofensas dos mais variados modos, sempre, porém, com a garantia da presença consoladora e constante do Espírito Santo.

 

AS DIFERENTES CAUSAS DA DOR E DO SOFRIMENTO E A DIFERENÇA DA RESIGNAÇÃO À DOR COM ABSOLUTA CONFIANÇA EM DEUS E SUAS PRECIOSAS PROMESSAS COM O ENSINO FILOSÓFICO DA NEGAÇÃO DA DOR (ESTOICISMO)

   Num ambiente afetado pela queda, o que não faltam são causas para dor e sofrimento. Faltaria espaço para elencar todas as situações capazes de trazer sofrimento à existência humana, mas é possível citar algumas, a saber, as circunstâncias adversas que chegam sem pedir licença e trazem as mais variadas adversidades como, por exemplo, este momento de pandemia no qual milhões de vidas têm sido afetadas de tantas formas ao redor do mundo. Pessoas também podem ser fontes de dor e tristeza, na medida em que possuem a capacidade de ferir com palavras, ações ou omissões àqueles com quem se relacionam. Além daquelas dores internas que surgem dentro do ser e que parecem não ter uma causa facilmente identificável.

   Todo esse contexto de dor e sofrimento, deve ser algo bem claro na mente do discípulo de Jesus, já que há ampla quantidade de passagens das Escrituras apontando para esta realidade. O apóstolo Pedro, em sua primeira carta, adverte: Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse acontecendo; pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois coparticipantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vos alegreis exultando (1 Pedro 4:12-13). Existe uma clara exortação ao fato de que o seguidor de Cristo não deveria ficar surpreso com um caminho de lutas dolorosas, mas, ao contrário, alegrar-se por estarem vivendo conforme a Palavra de seu Senhor e Salvador.

   Paulo faz uma detalhada descrição de sua trajetória de sofrimentos pelo Evangelho (2 Coríntios 11:23-29). Ele menciona diversas vezes situações em que a dor da saudade dos irmãos estava presente em seu coração e expõe um espinho que havia em si. Tiago chega a dar mandamento sobre alegrar-se tendo com causa o passar por várias provações (Tiago 1:2). Isto não significa uma defesa do masoquismo, uma espécie de busca pelo sofrimento para obter prazer, o que não guarda nenhuma relação com a vida do nascido de novo. Na verdade, é um apelo à conscientização plena a respeito da realidade, aceitando-a, mas continuando em atividade, vivendo a vida abundante dada pelo Bom Pastor não entendida como vida de prosperidade material, mas como vida inteiramente vivida, ou seja, dedicada ao Mestre, pois, “Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas vivam para Aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2 Coríntios 5:15), sabendo que é possível passar pelo vale da sombra da morte, mas com a garantia de Sua amorosa companhia.

   Aqui cabe ressaltar a diferença entre o discípulo de Cristo e o estoico quanto à forma de se relacionar com o sofrimento. O segundo (estoico), seguidor da corrente filosófica fundada por Zenão de Cítio na Grécia do século III a.C9 , defende uma atitude de indiferença diante do sofrimento, olhando racionalmente para a dor e, de certa maneira, ignorando-a numa tentativa de não se deixar afetar. Já o primeiro, seguidor das palavras de Jesus de Nazaré, apesar de não desistir e perseverar em meio a dor, se permite chorar, sentir a tristeza e afetar-se por ela no sentido de ser movido daquela íntima compaixão que o próprio Mestre sentira. Ou seja, identificar em si mesmo um entristecimento, pelas dores do mundo, pelas perdas de entes queridos ou irmãos amados na fé, pelo próprio pecado que é o sentido mais profundo do texto central deste estudo, segundo afirma Rienecker no seu Comentário Esperança do Evangelho de Mateus:

   “A tradução “os que choram” é muito limitada. Os que se lamentam são também, e especialmente, aqueles que descobriram toda a miséria do “eu” corrompido pelo pecado. Sua tristeza é resultado daquele susto abissal diante da natureza pecadora cabalmente decaída e condenável do ser humano, diante do abismo cheio de veneno do pecado. Nessa situação totalmente desesperadora da pessoa, unicamente o Senhor pode proporcionar o consolo, a saber, que só ele consegue vencer”.

   Lamentar por estes e tantos outros motivos que condizem com a verdade do Evangelho, não se trata de falta de confiança em Deus, mas muito mais é sobre aquele gemido compartilhado com a criação e com o Espírito, pela redenção de todas as coisas (Romanos 8:22-23).

 

A DOR, AO INVÉS DE SER SIMPLES MALDIÇÃO, PASSA A SER UMA BÊNÇÃO NESSA ESFERA DE VIDA, PORQUANTO NOS PREVINE DE MALES MAIORES

   A dor como bênção:

   Já foi citado que obviamente o crente em Jesus não busca sofrimento para obter deste alguma satisfação ou até mesmo remissão de pecado, posto que tudo já está pago na cruz de Cristo. Todavia é possível ver na realidade da dor, aspectos que a posicionam num lugar de bênção e não de maldição.

   Num contexto biológico, a dor é claramente uma dádiva, pois sem esta não haveria o alerta sobre algo errado e consequentemente não existiria tempo para resolver os desequilíbrios que ocorre no corpo humano. Espiritualmente pode-se dizer o mesmo. O espinho na carne de Paulo, o qual obviamente lhe trazia profunda dor e que ele descreveu como um mensageiro de Satanás que vinha para esbofeteá-lo, servia para que o apóstolo não se exaltasse pela grandeza das revelações que lhe eram concedidas (2Co12:1-10). Até mesmo sobre Jesus é dito que aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu (Hebreus 5:8-9). Lógico que isso não implica que o Salvador precisava sofrer para ser obediente, mas indica um princípio importante para a vida do cristão, pois chorar é algo natural e lícito nesse contexto.

 

TRÊS EXEMPLOS NA NARRATIVA BÍBLICA DE PESSOAS QUE CHORARAM

   O exemplo de Cristo:

   No Novo Testamento estão registrados explicitamente dois momentos em que Jesus chorou. Primeiro em João 11:35, por ocasião da morte de Lázaro. Depois de contemplar o choro de Maria e dos que a acompanhavam, é dito que houve uma comoção no Mestre e logo depois de perguntar o local do sepultamento, João afirma que “Jesus chorou”. O contexto indica uma espécie de mover emocional em Jesus diante daquela situação de sofrimento e perda ainda que Ele soubesse o que estava a ponto de realizar. A dor humana toca o coração do Cristo e Este se faz presente ao lado daquele que padece e de modo algum fica indiferente à aflição. Pode-se ainda ampliar o olhar sobre esta narrativa e pensar sobre o fato de Jesus ter chorado ali também pela queda humana, pelas consequências nefastas do pecado que trouxe toda sorte de tragédias sobre a existência.

   O evangelista Lucas conta o segundo momento de choro de Jesus (Lucas 19:41-44). O contexto é Sua entrada em Jerusalém. Ao se aproximar da cidade em um ponto que podia avistá-la, mais uma vez moveu-Se no Seu íntimo e chorou o pranto de um Redentor. Naquele momento também estava proferindo uma sentença cheia de dor e lamento pela ignorância de uma cidade que carregava paz no significado do Seu nome, mas que não tinha conhecimento da verdadeira Paz, oriunda do Messias. Por isso mesmo rejeitava, perseguia e matava os profetas, perdendo assim, a oportunidade de reconhecer o dia da sua visitação. Diante de tal realidade, Jesus chorou copiosamente.

O exemplo de Pedro:

   A experiência do apóstolo Pedro também merece destaque no estudo deste tema (Mateus 26 69-75). O Mestre, por ocasião de mais um aviso que dava a seus discípulos, alerta a um Pedro extremamente confiante em sua própria fidelidade que este O negaria três vezes antes do cantar de um galo.

   A palavra de Jesus obviamente se cumpriu e imediatamente após a terceira negativa de Pedro, ao ser indagado se era seguidor de Jesus, um galo cantou e o apóstolo, lembrando das palavras do Cristo, chorou amargamente. Neste episódio, há evidências de uma amargura que inundou o ser de Pedro por ter negado Àquele que era seu Senhor e Salvador. Parece haver ali uma intensa tristeza pela própria atitude, uma espécie de decepção profunda consigo mesmo que dispara um choro copioso, ligado ao termo grego panthoutes, tal qual aquele de quem pranteia a morte de um ente muito querido (BARCLAY apud LOPES 2019)11. Talvez tenha sido o começo de sua restauração, concluída no encontro com o Cristo ressurreto narrado por João no capítulo 21 do seu Evangelho e esta, como já citado, é a principal ideia ligada à bem-aventurança em foco: “Bem aventurados os que choram...”.

   O pesar de Pedro parece ser aquele mencionado por Paulo em sua carta aos coríntios (2 Coríntios 7:10) quando descreve a tristeza segundo Deus que produz arrependimento e leva à salvação. Nesse contexto Paulo estava lembrando a tristeza causada nos coríntios em uma carta anterior que os havia mandado, contendo repreensões que lhes causaram entristecimento e assim, o apóstolo lhes afirma na segunda carta, que isto deveria ser visto como algo bom por ser capaz de produzir frutos de arrependimento e salvação.

 

CONCLUSÃO

   Ainda que este não tenha sido o foco do presente estudo, cabe mencionar a condição terapêutica do choro. É sabido que a contenção de sentimentos traz males não só emocionais, mas também ao próprio corpo e o ato de chorar pode cumprir a função de aliviar tensões além de facilitar os processos de recuperação após momentos de extrema angústia. Portanto, se há choro contido que seja liberado, que se desfaça o nó da garganta aos pés d’Aquele que colhe cada uma das lágrimas derramadas.

   Sendo assim, não há por que conter as lágrimas quando estas provém de um coração quebrantado e contrito, de um ser em profunda tristeza pelo próprio pecado, pelas dores que assolam a humanidade, pela saudade do irmão que se ama, pelo anseio da redenção do corpo, pelo desejo intenso da alma que clama. “Maranata” (1 Coríntios 16:22)! Quando Aquele que há de vir vier, cumprirá, sem sombra de dúvidas, a profecia que diz que enxugará dos olhos de seus redimidos, toda lágrima (Apocalipse 21:4).

 

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE

1. O que você faz com seus sentimentos de dor e angústia? Como a Palavra de Deus nos orienta sobre isto?

R.

2. Que tipo de consolo encontramos quando nos derrama-mos na presença do nosso Pai que nos ouve em secreto?

R.

3. Como podemos consolarmo-nos uns aos outros, conforme as Escrituras?

R.

4. Qual deveria ser a nossa principal razão de chorar amargamente tal como Pedro?

R.

5. Qual seria a diferença entre o choro de Pedro e o possível choro de Judas?

R.

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