E sucedeu que cada um que via aquilo dizia: Nunca tal se fez, nem se viu desde o dia em que os filhos de Israel subiram da terra do Egito, até ao dia de hoje; ponderai isto, considerai, e falai.
Juízes 19:30
INTRODUÇÃO
Israel teve que enfrentar problemas sérios nos seus primeiros 400 anos de existência após a saída do Egito. A nação havia perdido a liderança de Moisés e de Josué e cada tribo fazia o que lhe parecia melhor. O único ponto de unidade que existia entre as tribos era a religião e as festas anuais que os trazia até Siló para participarem das bênçãos do Senhor. O problema é que vez ou outra uma ou outra tribo se afastava do Senhor e seguia seus próprios caminhos indo após os deuses cananeus. Isso sempre trazia castigo da parte do Senhor e não poucas vezes essas tribos estiveram à beira do extermínio. Isso só não aconteceu por causa da provisão divina que enviava libertadores para livrá-los das mãos inimigas e levá-los novamente para os caminhos do Senhor. Nessa semana veremos a apostasia da tribo de Benjamin, as consequências do acobertamento do pecado individual de pessoas que fazem parte do corpo coletivo de Deus, os resultados dos votos precipitados e o valor do perdão.
A APOSTASIA DA TRIBO DE BENJAMIN
O afastamento das tribos de Israel dos preceitos dados por Deus foi algo muito comum no período dos juízes. Uma a uma as tribos israelitas rejeitaram o Criador e seguiram os deuses cananeus. Isso trouxe maldição sobre eles e principalmente servidão aos povos que deveriam ter sido conquistados por eles. Mas dentre todas as apostasias a mais severa foi a da tribo de benjamim. O resultado foi quase a extinção desses descendentes de Israel. O tamanho da apostasia foi tão grande que rivalizou com as iniquidades que levaram Sodoma e Gomorra a destruição completa. Na verdade podemos dizer que os pecados eram os mesmos ou, talvez, de maiores proporções do que aqueles pelo fato dos benjamitas terem o conhecimento sobre Deus, algo que os sodomitas não possuíam.
A história começa com um levita indo buscar sua concubina que fugira para casa do pai porque teve um desentendimento com ele. Aqui já vemos um problema sério no relacionamento da concubina para com seu senhor e marido. No tempo antigo uma mulher agir dessa forma demonstrava seu desprezo pela autoridade. Isso é um sinal de como a sociedade da época estava distante do que era culturalmente aceito como respeitável. O resultado de tudo foi a terrível noite em Gibeá. Após terem sido recebidos por um dos moradores da cidade que insistiu para que eles não ficassem na praça à noite, foram surpreendidos por moradores locais que exigiram do dono da casa que mandassem o levita para fora para que eles pudessem abusar dele. A semelhança com a ação dos moradores de Sodoma é impressionante. O que mais agrava a situação é que o homem que eles queriam abusar era um levita.
Os levitas eram uma tribo que foi separada por Deus para serem seus representantes entre os demais israelitas. Portanto uma afronta a um levita era como afrontar o próprio Deus. O ato de querer abusar do levita não era apenas uma ação abominável, era uma demonstração da rejeição e falta de respeito daqueles homens para com o Deus de Israel. Demonstrava que eles haviam se prostituído de tal maneira que não estavam mais dispostos a obedecerem ao Senhor. Num momento de distração daqueles homens vis, quando eles estavam dispostos a matar o dono da casa por esse não querer entregar o levita para que eles pudessem satisfazer seus desejos carnais, o homem de Deus puxou seu anfitrião para dentro e jogou sua concubina para o exterior da casa onde foi molestada a noite toda.
Muitos não compreendem como um homem que era representante de Deus pode ter tomado uma atitude como aquela. Existem até mesmo os que colocam essa situação, bem como outras relatadas na Bíblia, para usarem como pretexto de que Deus não é real. Fosse real e não permitiria esse tipo de coisa. Será que esse pensamento é muito diferente do pensamento daqueles homens que abusaram da concubina durante uma noite inteira? Não é apenas um pretexto para poderem andar separados do Senhor? Um estudante sério da Palavra de Deus sabe que o Senhor permitiu muitas coisas no passado que não eram Sua vontade. “A misericórdia de Deus é a causa de não sermos destruídos...” (Lamentações 3:22-23). Tratasse Deus a humanidade com o rigor que essa merecesse e não existiria uma só alma viva sobre a face da terra. Mas a tolerância de Deus é tomada por fraqueza por aqueles que zombam do Seu santo nome. Só que o próprio relato bíblico mostra que essa paciência tem um limite e que quando esse limite é atingido o castigo dos pecadores é certo. Relatos bíblicos como a do levita entregando sua concubina nos incomodam, mas devem ser tratados com o viés cultural daquele tempo. Não é diferente dos nossos dias. Um ocidental vai até a Coreia do Sul e fica sabendo que em determinadas regiões daquele país os homens se alimentam de carne de cachorro. Fica horrorizado e começa a questionar sobre o “ato abominável” de se alimentar da carne de um animal que é quase como um membro da família humana. Mas para o coreano isso é normal. Um indiano vem até o ocidente. É convidado a comer na casa de um morador local e lhe servem uma deliciosa carne de vaca bem temperada, uma iguaria para aquele anfitrião. O indiano fica horrorizado porque em seu país a vaca é um animal sagrado, ninguém se alimenta da carne desse animal. Onde está o problema nessas duas situações citadas? Na visão de quem olha para elas com sua forma de ver o mundo. Para o coreano não era errado comer carne de cachorro porque fazia parte de sua cultura mas para o ocidental era algo horrível. Para o ocidental comer carne de vaca não era um problema, para o indiano era um grande problema. Assim temos que entender o caso do levita dando sua concubina para ser molestada. Era para um homem daquela época um ato vergonhoso permitir que um hóspede seu fosse mal tratado. Também era vergonhoso para alguém que foi recebido como visitante permitir que seu anfitrião fosse insultado. Ambos os casos eram considerados grande vergonha, uma mancha na reputação. Assim como esse caso poderíamos listar outros casos que para nós parecem coisas tolas, mas para eles eram muito importantes.
Podemos citar o caso em que, para afrontar Davi, Hanum, rei dos amonitas, mandou raspar a barba dos emissários israelitas que foram enviados a ele (1 Crônicas 19:3). Isso foi considerado grande ofensa e teve como resultado a morte daqueles que foram desrespeitosos (1 Crônicas 20:1-3). Portanto, se não olharmos o fato da concubina por esse ângulo não entenderemos a Bíblia e vamos nos unir aos incrédulos com toda a certeza. Se analisarmos a fundo, o levita estava disposto a levar a sua mulher para casa e a ter como companheira mesmo depois do abuso sofrido por ela. Só não fez isso porque ela morreu. Nos dias de hoje quantos homens estariam dispostos a viver com uma mulher que tenha sido abusada por dezenas de homens?
AS CONSEQUÊNCIAS DE ACOBERTAR O PECADO
Ao analisarmos o caso da apostasia da tribo de benjamim, perceberemos que o grande pecado deles foi ter acobertado a iniquidade de alguns poucos. Para Deus é como se toda a tribo tivesse cometido o mesmo ato ilícito. A Bíblia não explica os motivos porque os benjamitas não entregaram aqueles filhos de Belial para serem punidos pelo ato odioso que praticaram. Talvez aqueles homens perversos fossem filhos de pessoas influentes, talvez negassem que tivessem praticado tal ato. Não temos como afirmar uma coisa ou outra. Provavelmente nenhuma das respostas sejam consideradas verdadeiras e realmente isso não é o mais importante. O fato é que depois que todos os filhos de Israel se uniram como um só corpo em Siló horrorizados com a abominação que foi cometida entre eles, solicitaram para os benjamitas que estes lhes entregassem aqueles pecadores para que a justiça fosse praticada. Mas a resposta deles foi um sonoro não. Eles se negaram a permitir que a justiça da lei de Deus fosse feita e com isso selaram seu destino.
Muitos cristãos não entendem a disciplina eclesiástica. Acham que o pecado deve ser tratado com mais indulgência porque somos pecadores. Segundo esses, somos falhos e não temos como evitar o mal e, como o homem é salvo pela graça, não temos o direito de julgar os que praticam o mal e sim aceitá-los como são. Certo é que não temos o direito de julgar o nosso irmão. Não somos oniscientes como Deus e por isso podemos praticar injustiças quando queremos nos colocar no lugar de juiz. Mas isso não significa que não devemos ter zelo pela conduta dos que fazem parte do corpo de Cristo. Existem casos de pecados abertos que toda a comunidade teve ciência do ocorrido e a igreja não pode ficar calada sob pena de colher as consequências assim como os benjamitas colheram. O adultério, o assassinato, o roubo, o homossexualismo, o aborto, a mentira, o divórcio, a maledicência; quando uma denominação cristã passa a tolerar esse tipo de coisa em seu meio, está atraindo a ira de Deus sobre eles. Hoje já existem diversas denominações cristãs que toleram o divórcio, algo que Deus abomina (Malaquias 2:16), o aborto e a ideologia de gênero. Isso porque não querem se comprometer com o claro “assim diz o Senhor”. Como igreja, não podemos permitir esses pecados sem termos posição firme. Caso contrário, com o passar do tempo, aquilo que é pecado já não será mais considerado como tal e estaremos a beira da apostasia completa. A punição que veio sobre toda a tribo de benjamim é uma demonstração do quão abominável é a omissão diante de Deus e que as consequências punitivas são inevitáveis.
O PERIGO DO VOTO PRECIPITADO
Quando as outras tribos se reuniram em Siló para saberem mais sobre o que havia acontecido ao levita e se tornaram plenamente conscientes da enormidade do pecado cometido entre eles ficaram emotivamente abalados e cometeram um erro muito comum em situações onde as emoções se afloram, o voto precipitado. Fazer um voto a Deus é algo bom, justo e que contém bênçãos da parte de Deus. Mas a Bíblia é clara quanto a fazer um voto e não cumpri-lo (Eclesiastes 5:2-7). Um homem ou um povo que fizer tal coisa é tolo. Portanto, ao se pensar em fazer um voto, devem as pessoas ou nações pensarem com cuidado sobre o que estão dispostos a prometer ao Senhor porque terão de realizá-lo sejam quais forem as consequências.
As onze tribos votaram que não dariam suas filhas em casamento aos benjamitas. Como essa tribo foi praticamente dizimada não restando senão alguns poucos homens que se esconderam em um lugar deserto para não serem mortos, todo o povo de Israel deu-se conta que uma das doze tribos fora devastada e não mais existia. Choraram perante o Senhor e lamentaram que algo tão horrível acontecera entre eles. Posteriormente ficaram sabendo que alguns homens benjamitas tinham sido preservados com vida, Isso era uma boa notícia porque assim seria possível restaurar a tribo que achavam havia se perdido. Mas como tinham votado não darem suas filhas em casamento aos filhos de Benjamim, agora não viam uma solução para resolver esse grande problema. A saída encontrada foi outra tragédia completa. No afã de praticar a justiça contra os benjamitas, todos os Israelitas foram convocados. Foi feito outro voto onde uma advertência foi posta a todas as cidades e lugarejos dos Israelitas. A região ou cidade que não comparecesse para a batalha seria considerada culpada e também merecedora de punição severa da parte dos seus irmãos. A consequência desses votos movidos pela emoção foi que, para resolver o problema da quase extinta tribo de Benjamim, seriam sacrificados todos os moradores de Jabes-Gileade, homens, mulheres e crianças. Somente foram poupadas as mulheres virgens sendo todos ou outros mortos ao fio da espada. Não sendo esse ato suficiente para resolver o problema propuseram entre si permitir que os benjamitas roubassem mulheres virgens de outras tribos de Israel na festa anual que acontecia em Siló quando essas estivessem dançando no meio do arraial entre as vinhas. No fim percebemos que para cumprir um voto precipitado muitas atitudes severas e radicais tiveram que ser implementadas. Se essas ações duras não tivessem sido postas em prática, uma das tribos de israel teria sido completamente extinta.
Muitos cristãos fazem votos movidos pela emoção quando estão em situações adversas ou porque ouviram uma pregação pastoral que os induziu a isso. Não são poucas as pessoas que, estando frente a frente com doenças ou desemprego, prometem tudo para o Senhor não fazendo em nenhum momento reflexão séria para saber se aquele voto é exequível ou não. Depois que as coisas voltam ao normal se arrependem do voto que fizeram e procuram se eximir do que prometeram. Mas isso não é algo que agrada a Deus (Eclesiastes 5:2-7) e temos que ter isso bem claro em nossa mente. Deus nunca nos pede ou exige que façamos um voto para Ele. As bênçãos do Senhor são derramadas sobre nós sem que tenhamos que fazer um voto sequer. Mas, embora Ele não exija isso, uma vez feito um voto esperará da parte do votante o cumprimento do mesmo. Não cumprir um voto a Deus é algo muito ruim. Os israelitas tinham isso bem claro e não ousaram quebrá-lo. Usaram de outros meios para resolver o problema que criaram para eles mesmos. Assim não deve o povo de Deus na atualidade se precipitar para fazer promessas ao Senhor. Se quiserem fazê-lo que o façam, mas com muita prudência, sem serem motivados pela emoção, mas que a razão seja levada em consideração todo o tempo
O VALOR DO PERDÃO
A nação de Israel sempre é lembrada pelos seus pecados e desvios. Mas temos que também meditarmos sobre seus momentos positivos. Embora esse evento histórico na história dos israelitas tenha sido triste e tenha havido erros de ambos os lados, uma situação que deve ser levada em conta foi a tristeza que veio sobre todas as onze tribos quando perceberam que uma de suas tribos irmãs havia sido destruída. Houve genuína tristeza e vontade de reconciliação. Embora os benjamitas não merecessem essa atitude de seus irmãos, o espírito de perdão derramou-se na congregação de Israel e eles a estenderam aos seus irmãos.
De nós cristãos é requerida a mesma atitude dos israelitas. Não podemos nos dizer seguidores de Cristo e reter o perdão aos outros. Na verdade a própria oração do Senhor deixa claro que só receberemos o perdão de Deus se perdoarmos aqueles que nos prejudicaram de alguma forma. Infelizmente esse espírito que é requerido de todos nós que professamos seguir a Jesus não é suficientemente praticado no meio cristão. Muitas vezes igrejas inteiras se separam motivadas por brigas internas onde a origem está no orgulho, na falta de perdão e no desejo de sobrepujar o próximo. O perdão é algo divino, não natural ao homem pecador e que só pode ser colocado em prática quando poder do Céu vem sobre o que precisa exercê-lo. É preciso levar em conta que na história que estamos analisando, a iniciativa de reconciliação veio das onze tribos que estavam em situação espiritual melhor que a dos benjamitas. Foram eles que estenderam a mão e fizeram de tudo para que a parte que ofendeu chegasse à reconciliação também. O resultado foi que a tribo de Benjamim foi salva. Dali em diante sempre foi uma das menores em Israel, mas permaneceu fazendo parte da herança do Senhor em Canaã. O que teria acontecido se as onze tribos simplesmente não tivessem perdoado a tribo rebelde? Certamente ela teria sido extinta e não teríamos hoje escrito na Bíblia a maravilhosa história de amizade entre Jônatas e Davi.
O perdão sempre beneficiará mais aquele que perdoa do que aquele que é perdoado. Isso porque o que perdoa sabe do preço que esse perdão terá sobre si, enquanto, muitas vezes, o que é perdoado nem mesmo aceita o perdão, não está disposto a receber a mão estendida. Quando perdoamos estamos amontoando brasas sobre a cabeça do que é perdoado se ele rejeitar a reconciliação (Romanos 12:20-21). Conta-se a história de duas mulheres amigas que se desentenderam e brigaram de forma definitiva. O ódio entre ambas era muito grande e nenhuma tinha a disposição de perdoar a oponente. Mas com o passar do tempo uma delas ouviu falar de Jesus e arrependeu-se sinceramente dos seus pecados. Ela lembrou-se do seu estremecimento com sua ex-amiga e decidiu perdoá-la em seu coração. Seguindo a orientação do mestre (Mateus 5:23-25) foi buscar a reconciliação. Infelizmente a outra parte não quis saber de esquecer o passado e morreu com esse rancor no coração. Quem foi que perdeu em toda essa situação? Aquela que não quis perdoar e que não aceitou o perdão. Mas a mulher que perdoou recebeu o perdão de Deus (Mateus 6:14-15) e encontrou a paz que só o Senhor pode dar.
CONCLUSÃO
A história de Israel nos foi dada como exemplo (1 Coríntios 10:13) para aprendermos o que fazer e o que não fazer. Esse relato que está em juízes 19 a 21 deve ser levado em consideração para que possamos crescer como crentes, como igreja local e como denominação. Não permitamos que o pecado seja tolerado em nosso meio. O fato de termos que agir com misericórdia não nos dá o direito de acobertarmos ou aceitarmos o pecado como se fosse algo banal, permissível e sem importância. O preço pago pela negligência em tratar o pecado como algo odioso foi muito grande não apenas para os benjamitas, mas para todo o povo de Israel. Termos espírito de perdão é sim muito importante e devemos sempre trilhar esse caminho, mas não podemos em nome desse perdão esquecer que servimos um Deus santo e zeloso e que a Sua Igreja deve ser também santa. Devemos também cuidar de fazermos votos precipitados. Não vamos prometer a Deus o que não podemos cumprir. É preferível mantermos nossa vida como está do que fazermos um voto ao senhor e descumpri-lo. Deus não pode abençoar quem age dessa forma. Por isso é necessário agir com muita prudência e razão e nunca sob a emoção do momento.
QUESTÕES PARA ESTUDO EM CLASSE
1 - O que poderia ter levado aqueles homens de Gibeá a ter se corrompido da mesma forma que os sodomitas?
R.
2 - Qual é o risco de “passar a mão por cima” do pecado cometido no meio do povo de Deus?
R.
3 - Quais as vantagens e desvantagens de se fazer um voto a Deus?
R.
4 - O perdão é um uma opção ou um mandamento para nós cristãos?
R.
5 - Quais as consequências de não perdoar o próximo?
R.
6 - Que tipo de aprendizado o povo de Deus em nossos dias deveria aprender com esse episódio de Israel além dos já discutidos na lição dessa semana?
R.