Então tornaram os filhos de Israel a fazer o que era mau aos olhos do SENHOR, e serviram aos baalins, e a Astarote, e aos deuses da Síria, e aos deuses de Sidom, e aos deuses de Moabe, e aos deuses dos filhos de Amom, e aos deuses dos filisteus; e deixaram ao SENHOR, e não o serviram.
Juízes 10:6
Na lição desta semana, estaremos olhando para mais um dos ciclos de rebelião, arrependimento e restauração presentes no livro bíblico de Juízes. A história de Jefté, vista nesse sexto ciclo, contém alguns elementos considerados perturbadores para as mentes do século XXI. Nessa história, assim como na de outros juízes, vemos limitações na compreensão sobre quem é Deus e qual a Sua santa vontade; porém, vemos também um Deus que está sempre pronto a restaurar o Seu povo quando este retorna para Ele de todo o seu coração, e que em Sua soberania, pode usar para os Seus propósitos quem Ele desejar, apesar de seus pecados. Oremos para que Deus nos guie na compreensão do texto inspirado.
PECADO: IDOLATRIA INTENSIFICADA
Em um novo ciclo da história, “tornaram os filhos de Israel a fazer o que era mau perante o Senhor” (10:6). O contato com as nações vizinhas expôs Israel à tentação de adotar seus costumes sociais e religiosos. Enquanto as listas anteriores de deuses mencionavam Baal, Asterote e Aserá (2:13, 3:7), a lista mais extensa indica a profundidade do declínio espiritual da nação. É por isso que as Escrituras com frequência nos alertam a evitar o contato com aquilo ou aqueles que podem se tornar uma pedra de tropeço em nossas vidas. Pois “que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas?” (2 Coríntios 6:14) “Aquele que anda com os sábios será cada vez mais sábio, mas o companheiro dos tolos acabará mal” (Provérbios 13:20). “As más companhias corrompem os bons costumes” (1 Coríntios 15:33).
Desobedecendo aos dois primeiros mandamentos, os hebreus adotaram o culto de diversas divindades pagãs da Síria (Hadade ou Rimom), Sidom (Baal), Moabe (Camos), Amom (Moloque) e Filístia (Dagom e Baal-Zebu). Hadade era uma divindade dos ventos e das tempestades. Baal era o deus da fertilidade, sendo o mais importante dos deuses canaanitas e tendo o touro como seu símbolo. Baal-Zebu possivelmente era adorado para afastar as incômodas moscas. Camos e Moloque eram divindades adoradas com sacrifícios humanos, especialmente de crianças. Dagom era uma divindade da vegetação. A maioria dos rituais pagãos envolvia devassidão e imoralidade sexual. A idolatria sempre é destrutiva. Os falsos deuses não podem trazer cura, alegria, paz e liberdade.
Que ídolos temos mantido em nossas vidas? Provavelmente nenhum de nós irá algum dia se curvar perante uma imagem em um santuário pagão, mas a idolatria não se resume apenas a isso. As Escrituras declaram que a “avareza é idolatria” (Colossenses 3:5). Tudo aquilo que consome a maior parte de nossos pensamentos, tempo e investimentos, colocando-se entre nós e nossa entrega total a Deus, constitui-se um ídolo. Como declarou o reformador João Calvino, “o coração humano é uma fábrica de ídolos”. Ela pode aparecer como a busca por dinheiro ou status, um esporte, um carro novo ou mesmo um cônjuge. Precisamos nos lembrar da advertência do apóstolo João: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1 João 5:21).
PUNIÇÃO: DEZOITO ANOS DE OPRESSÃO
Como sempre ocorre, a apostasia e a desobediência ao Deus único e verdadeiro trazem juízos e consequências para os rebeldes. Por terem virado as costas para Deus, Deus também permitiu que Seu povo fosse entregue à servidão sob os amonitas e os filisteus. A própria aliança feita entre o povo e Deus já declarava que a escravidão e o exílio seriam maldições para os violadores do pacto (Deuteronômio 28). Tal opressão durou o período de dezoito anos sobre os israelitas estabelecidos em Gileade (10:8), até que os “filhos de Israel clamaram ao Senhor, dizendo: Contra ti havemos pecado, porque deixamos o nosso Deus e servimos aos baalins” (10:10).
Deus então lhes relembra, por meio de um profeta, de que por diversas vezes já os havia livrado das mãos de nações opressoras, mas que constantemente, voltavam às suas velhas práticas pecaminosas. Assim havia sido com os egípcios (Êx 14 e 15), os amorreus (Números 21:21-35), os filhos de Amom (Juízes 3:13), os filisteus (Juízes 3:31), os sidônios (provavelmente incluídos na opressão de Jabim, Juízes 4:2-3), os amalequitas (aliados com Eglom, Juízes 3:13) e os maronitas (possivelmente os midianitas, derrotados por Gideão). Que clamassem agora então a seus falsos deuses para serem libertos (10:11-14)!
Demonstrando verdadeiro arrependimento, o povo tirou “os deuses alheios do meio de si e serviram ao Senhor”, O qual “já não pôde reter a Sua compaixão” (v. 16). “Deus exigia, e ainda exige, amor constante, bem como constante lealdade e obediência de Seus filhos, sobre os quais Ele trabalha continuamente, para benefício deles, não aprovando um relacionamento fraco, facilmente rompível, em que Ele é invocado apenas em épocas de emergência.”
Graça maravilhosa! Quantas vezes nós mesmos não temos nos desviado dos caminhos do Senhor? Mas graças a Deus que, por meio de Jesus Cristo, toda a nossa culpa pode ser apagada! Deus não retém a Sua compaixão para conosco! “Já não há mais condenação alguma para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8:1).
É importante destacar que a ação de Israel foi dupla. Eles: a) tiraram os deuses alheios de seu meio e então b) serviram ao Senhor. Precisamos retirar de nosso meio tudo aquilo que atrapalha a nossa vida espiritual e nos distancia do caminho da justiça. “Quem esconde os seus pecados não prospera, mas quem os confessa e os abandona encontra misericórdia” (Provérbios 28:13). Nossa fé deve ser manifestada em obras que comprovem nossa verdadeira conversão. Lembremos dos avisos do profeta João Batista aos fariseus e saduceus que vinham para o batismo: “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento; e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mateus 3:8-9).
Tendo sido aceito novamente por Deus, o povo se questiona: “Quem será o homem que começará a pelejar contra os filhos de Amom?” (v. 18). O povo sentiu a necessidade de um líder que lhes orientasse na campanha de libertação. E foi aí que Deus levantou a Jefté.
LIBERTADOR E JUIZ: JEFTÉ E SUCESSORES
Jefté, o gileadita, era um grande guerreiro, mas filho de uma prostituta, o que levou os filhos legítimos de seu pai a expulsá-lo de sua casa e deserdá-lo (11:1-2). Na terra de Tobe (distrito da Síria, na Transjordânia), outros homens se juntaram a ele. Jefté e seus companheiros eram considerados “levianos” (reqim, “vazios”), isto é, renegados e selvagens, contrastando com os membros “respeitáveis” da sociedade (v. 3).
Os anciãos dos gileaditas, que não o haviam ajudado quando ele mais necessitou, vieram agora até ele buscar a sua ajuda para a batalha. Estavam dispostos a lhe dar poder sobre o povo, se Jefté os libertasse nesse momento de necessidade. Sob juramento, a proposta foi aceita (v. 5-11).
Jefté, como líder investido, enviou mensageiros ao rei dos filhos de Amom, para saber as razões que eles tinham para atacarem o território israelita. O rei explicou que a terra, a qual havia sido tomada por Israel do rei Seom (Números 21:26), pertencia originalmente aos moabitas, que agora eram confederados dos amonitas (v. 12-13). Jefté rejeitou a acusação. Israel não havia tocado nem nas fronteiras de Edom nem das de Moabe em sua saída do Egito, e sua conquista sobre o domínio de Seom lhes havia sido concedida pelo próprio Deus (v. 14-25). Jefté explicou que os moabitas (e os amonitas) não reclamaram como seu o território ocupado por Israel, e isso já por trezentos anos (v. 26). Se o rei amonita persistisse (injustamente) na batalha, era o Deus de Israel quem determinaria o resultado (v. 27-28).
Chegamos agora a um dos pontos mais conhecidos (e discutidos) da história de Jefté: o seu voto precipitado. Jefté, declarando a Deus que se obtivesse a vitória na guerra contra os amonitas, fez a promessa: “quem primeiro da porta da minha casa me sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do Senhor, e eu o oferecerei em holocausto” (v. 31).
A vitória foi concedida (v. 32-33), mas ao retornar para casa, a primeira pessoa a receber Jefté foi sua filha única (v. 34; talvez ele esperasse ser recebido por algum dos seus servos)! Jefté desesperou-se e lamentou muito, mas a Bíblia declara que após um período de dois meses de lamento com suas companheiras, “tornou ela para seu pai, o qual lhe fez segundo o voto por ele proferido” (v. 39). Tal passagem tem levantado muitos questionamentos ao longo dos séculos. Jefté realmente matou a sua filha? Como um Deus de amor poderia ter aceito um sacrifício humano? Duas perspectivas têm sido adotadas sobre esse acontecimento lastimável.
A primeira é que Jefté realmente ofereceu sua filha como um sacrifício queimado. Mas tal ato foi uma reminiscência de seu passado e influências pagãos. O texto bíblico não declara nem que Deus solicitou nem que aceitou tal sacrifício. De fato, a lei mosaica proibia claramente o sacrifício humano (Levíticos 20:2-3).
A segunda opinião a respeito é de que o voto de Jefté não envolvia um verdadeiro sacrifício humano, mas uma dedicação da pessoa para servir perpetuamente a Deus no tabernáculo – ou seja, ela seria oferecida como um “sacrifício vivo” (Romanos 12:1) a Deus. A Bíblia apresenta evidências de serviço feminino devocional no santuário (Êx 38:8, 1 Samuel 2:22 Lucas 2:36-37). Como a filha de Jefté teria de permanecer para sempre virgem, ela “chorou a sua virgindade” (v. 37), não a sua morte. Ela não poderia mais se casar e dar continuidade à linhagem de sua família, o que era algo deplorável na cultura judaica.7 Porém, essa interpretação surgiu apenas na Idade Média, a fim de suavizar o significado do texto.
A lição que obtemos da história de Jefté é clara: tenhamos cuidado com os votos e promessas precipitados. Diversas são as advertências bíblicas nessa direção. “Pense bem antes de falar e não faça a Deus nenhuma promessa apressada. Deus está no céu, e você, aqui na terra; portanto, fale pouco. [...] Assim, quando você fizer uma promessa a Deus, cumpra logo essa promessa. Ele não gosta de tolos; portanto, faça o que prometeu. É melhor não prometer nada do que fazer uma promessa e não cumprir. Não deixe que as suas próprias palavras o façam pecar. Assim, você não terá de dizer ao sacerdote que o que você queria dizer não era bem aquilo” (Eclesiastes 5:2-4-6, NTLH). “Tens visto um homem precipitado no falar? Maior esperança há para um tolo do que para ele” (Provérbios 29:20). “Portanto, meus amados irmãos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” (Tiago 1:19). “Não é bom proceder sem refletir, e peca quem é precipitado” (Provérbios 19:2).
Após o conflito, os efraimitas, a principal tribo da parte central e norte de Israel, expressaram a Jefté seu ressentimento por não terem sido convocados para a batalha. Seu ciúme, passando mesmo acima da alegria de ter sido vencido um inimigo comum, desejava vingança contra o que consideravam uma ofensa. Jefté deu a glória da vitória a Deus e desmentiu a acusação, afirmando que o apelo fora feito de fato, mas não foi atendido (12:1-3). É possível que o pedido fora feito pelos anciãos de Gileade, antes da escolha de Jefté como o líder militar.
Os conflitos verbais aumentaram, resultando em conflitos armados entre ambos os grupos. Um teste vocálico simples foi criado para os gileaditas capturarem os efraimitas inimigos (v. 5-6), envolvendo a palavra shibolete (“espiga”). Para os efraimitas (assim como para os amorreus e árabes), o som de ch e x é pronunciado como s. Quarenta e dois mil efraimitas foram descobertos e mortos! Quantas vezes também o ciúme e a vaidade levam a conflitos desnecessários e a perdas irreparáveis no seio das comunidades cristãs?
Após a vitória militar de Jefté, ele julgou a Israel por seis anos, morrendo e sendo sepultado em uma das cidades de Gileade (v. 7). Seu juizado foi seguido pelos de Ibsã, Elom e Abdom.
TRINTA E UM ANOS DE PAZ
Com a derrota dos amonitas, Israel experimentou um período de trinta e um anos de paz e dedicação ao Senhor. Foram seis anos sob Jefté (v. 7), sete anos sob Ibsã (v. 9), dez anos sob Elom (v. 11) e oito anos sob Abdom (v. 14).
Não são muitas as informações bíblicas e históricas que possuímos sobre esses juízes. Ibsã era de Belém de Zebulom (não a mesma Belém de Judá, em que Jesus nasceu) e teve trinta filhos e trinta filhas, os quais permitiu que se casassem com membros de outros clãs. Elom (cujo nome significa “carvalho”) também era da tribo de Zebulom e foi sepultado na cidade de Aijalom (na tribo de Zebulom; havia outra cidade com o mesmo nome em Dã). Abdom tinha trinta filhos e quarenta netos, os quais cavalgavam setenta jumentos, o que indica a sua prosperidade material.
A verdadeira paz só é possível enquanto vivemos em total fé e dependência dos caminhos do Senhor Jesus (João 14:27). Deus sempre soube que o arrependimento do povo teria curta duração e que o velho padrão de apostasia e juízo ainda se repetiria muitas vezes antes de a nação convencer-se de que é loucura afastar-se do Senhor. Mas assim mesmo, não deixou de manifestar a Sua graça. Antes de condenarmos Israel apressadamente, deveríamos reconhecer nossa própria pecaminosidade e necessidade da misericórdia de Deus.
CONCLUSÃO
Em mais um relato de apostasia espiritual, Deus manifestou o Seu perdão e operou a liberdade para Seu povo. No passado de nossa vida, podemos ter cometido muitos pecados, mas é possível hoje mesmo sermos novas criaturas (2 Cor 5:17), pois o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado (1 João 1:9). Percebemos também que os interesses pessoais e a precipitação de Jefté atropelaram sua fé. Contudo, o livro de Hebreus ainda o coloca na “galeria da fé” (Hebreus 11:32-33). Apesar de todas as imperfeições, foi sua fé que permitiu que Deus dominasse os inimigos por seu intermédio. Foi a vinda do Espírito do Senhor sobre Jefté (11:29) que o transformou em um herói nacional, fortalecido por Deus a fim de livrar Israel da opressão. Permitamos que o mesmo Espírito do Senhor transforme nossos corações (2 Cor 3:18) e nos use, a despeito de todas as nossas limitações.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE
1 - Como o nível da idolatria de Israel no texto estudado foi diferente das histórias anteriores de apostasia?
2 - De que forma a idolatria pode se manifestar em nossas vidas?
3 - Qual foi o juízo enviado por Deus sobre o Seu povo? O que isso nos revela sobre a relação divina com o pecado?
4 - O que houve de errado no voto de Jefté? Deus aceitou o seu sacrifício? Que lições podemos extrair desse episódio?
5 - Qual foi a causa do ressentimento dos efraimitas? Como o ciúme pode interferir de forma negativa na vida da igreja?
6 - Como o crente pode desfrutar de paz verdadeira em Seu relacionamento pessoal com Deus?
1 RADMACHER, Earl D.; ALLEN, Ronald B.; HOUSE, H. Wayne. O Novo Comentário Bíblico – Antigo Testamento com Recursos Adicionais. Rio de Janeiro. Central Gospel, 2015, p. 423.
2 PFEIFFER, Charles F.; VOS, Howard F.; REA, John. Dicionário Bíblico Wycliffe. Verbete “Falsos Deuses”. Rio de Janeiro. CPAD, 2007, p. 764-771.
3 RADMACHER, Earl D.; ALLEN, Ronald B.; HOUSE, H. Wayne. 2015. p. 423.
4 CUNDALL, Artur E.; MORRIS, Leon. Juízes e Rute. Introdução e Comentário. São Paulo. Vida Nova, 1986, p. 134.
5 UNGER, Merril Frederick. Manual Bíblico Unger. São Paulo. Vida Nova, 2011, p. 141.
6 O termo hebraico traduzido como “holocausto” é ‘olah, cujo significado é “oferta completamente queimada” (The KJV Old Testament Hebrew Lexicon, disponível em: <https://www.biblestudytools.com/lexicons/hebrew/kjv/olah.html>).
7 Essa é a interpretação, por exemplo, de GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual de Dificuldades Bíblicas. São Paulo. Mundo Cristão, 2015, p. 130.
8 CUNDALL, Artur E.; MORRIS, Leon. 1986. p. 142.
9 MULDER, Chester O. et al. Comentário Bíblico Beacon. Volume 2: Josué a Ester. Rio de Janeiro. CPAD, 2012, p. 134.
10 CUNDALL, Artur E.; MORRIS, Leon. 1986. p. 145. Durante a Segunda Guerra Mundial, tropas norte-americanas nas ilhas Filipinas usaram um teste semelhante para distinguir os soldados japoneses capturados, que não conseguiam pronunciar a letra “l”, dos outros soldados orientais.
11 CUNDALL, Artur E.; MORRIS, Leon. 1986. p. 146-147.
12 CUNDALL, Artur E.; MORRIS, Leon. 1986. p. 135.