Judas 1:3:

3 Amados, procurando eu escrever-vos com toda a diligência acerca da salvação comum, tive por necessidade escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos.

 

 

Esta não é uma carta muito pregada nas Igrejas; não é muito ensinada pelos professores e nem muito lida pelos crentes. Em um concurso para conseguir o título não invejável de "O Livro Menos Conhecido e Mais Negligenciado do Novo Testamento", a carta de Judas teria como competidores apenas a carta de Paulo a Filemom e a II e III carta de João. Muitos crentes conhecem a expressão: "a fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos" (v. 3); mas é bem provável que a grande maioria não saiba que esta passagem se encontra em Judas.

 

Esta epístola traz o nome de Judas como seu autor, que se identifica como "irmão de Tiago". Ao que tudo indica, ele é irmão de sangue de Jesus Cristo.[1]

Esta carta, que infelizmente é tão pouco conhecida pela Igreja, apresenta-nos alguns desafios muito importantes e bastante pertinentes para nossa caminhada espiritual, pois quando Judas escreveu esta carta, ele estava preocupado com a situação da Igreja que, naquela época estava passando por algumas dificuldades de ordem doutrinária. Ela estava sendo ameaçada de diversas formas. Eles estavam sendo acossados pelos falsos mestres, que provavelmente eram gnósticos. E, de certa maneira, isso que Judas escreve serviu de recurso divino para que os cristãos daquela época pudessem enfrentar as adversidades e permanecerem firmes na fé. E, também, serve de recurso para nós, nos dias atuais. De fato, esta carta traz uma importante contribuição para a Igreja Cristã de todas as épocas.

O versículo 3 da carta de Judas explica a razão ou a motivação que levou o autor a escrever esta carta.

Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos.

Outra versão bíblica diz assim:

Queridos, no meu empenho em vos escrever a respeito da nossa salvação partilhada, eu julguei necessário escrever-vos para vos exortar a lutar pela fé que os santos receberam de uma vez para sempre.[2]

Judas tinha pretensões editoriais. Ele tinha no coração um desejo de escrever um tratado teológico sobre a "nossa comum salvação". Ele estava bastante empenhado, dedicando-se àquela tarefa. Os estudiosos sugerem diversas hipóteses sobre este tratado. Várias questões são levantadas: Será que ele escreveu sobre este assunto posteriormente e tal obra foi perdida? Qual seria o conteúdo deste tratado? O fato é que páginas e mais páginas são escritas pelos comentaristas apenas trabalhando as hipóteses relacionadas a este tratado que Judas diz desejar escrever.

Entretanto, o importante aqui não é ficarmos presos às minúcias das hipóteses sobre este tratado, mas o importante é compreender que Judas estava envolvido de coração com aquele projeto, que tinha a ver com o reino de Deus. Ele desejava, no seu coração, escrever, "acerca da nossa comum salvação". E ele "empregava toda a diligência para escrever...", ou, como nos dizem outras traduções, ele estava "muito ansioso" (NVI), enquanto realizava aquele trabalho. Outra tradução diz que ele estava "bastante concentrado em escrever-lhes um texto sobre a comum salvação".[3] Judas emprega aqui a palavra grega spouden, que significa: diligência, dedicação, cuidado; ansiedade em executar, promover, ou empenhar-se por algo; fazer com toda diligência; interessar-se com muita seriedade; cuidado na execução de alguma coisa; zelo, desvelo, afã, presteza. Certo comentarista diz que essa palavra é a tradução de uma expressão que transmite a idéia de que Judas "estava fisicamente empenhado em escrever".[4] Ele se esforçava ao máximo na tarefa que realizava.

Qual era o plano original de Judas? Ele responde: "escrever-vos acerca da nossa comum salvação..." Judas intencionava escrever a respeito da "salvação tida em comum" pelos "chamados" ao reino celestial (Gálatas 3:26-29). Ela relacionava-se com a preciosa esperança de salvação que os cristãos tinham "segundo a fé partilhada em comum", em seus dias (Tito 1:4).

Judas nos informa, então, que em determinado momento surgiu um fato novo e ele se sentiu "obrigado", ou seja, julgou necessário desistir do projeto inicial - ou pelo menos adiar tal projeto - e dedicar-se a uma nova tarefa. Outra versão diz assim: "vi-me interiormente constrangido...". Uma forte compulsão redirecionou a caneta de Judas. Esta "necessidade" de escrever corresponde à mesma direção interior que Paulo sentiu para anunciar o Evangelho (I Co. 9:16). Ele entendeu que precisava alertar a Igreja sobre a batalha pela fé. Ele percebeu alguns problemas que estavam surgindo no seio da mesma e dedica-se, então, a atender àquelas necessidades práticas e urgentes do seu tempo. Este é um homem dedicado a resolver as questões urgentes do seu tempo. Um homem que olhava para o contexto, que percebia as necessidades e que buscava atender essas necessidades.

Nos dias de Judas, falsos mestres, que professavam o Cristianismo, tentavam transmitir ao povo de Deus doutrinas falsificadas. Tais ensinos ameaçavam a fé dos crentes. Por conseguinte, para impedir esse desenvolvimento, e movido pelo Espírito Santo e pelo amor, Judas "achou necessário" escrever aos crentes e exortá-los a "travar uma luta árdua pela fé".

A carta nos mostra um modelo de compromisso com a fé cristã, porque no final do verso 3 ele diz assim: "senti-me obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos". Para Judas, a fé é algo importante. Ele não brinca com a fé, tratando-a de forma leviana, como fazem alguns. Como é que nós podemos perceber isso? Como é que podemos compreender a consideração que ele tinha pela fé? Vejamos o texto:

1º. A fé cristã é algo que exige luta. Judas diz no verso 3: "exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé...". De acordo com o irmão do Senhor, os cristãos devem engajar-se "em um verdadeiro combate em defesa da fé".[5] Judas emprega uma palavra que nunca foi usada antes dele, nem depois dele houve menção da mesma palavra dentro das Escrituras. Ela só ocorre no versículo três da carta de sua carta. Ele emprega aqui o verbo grego epagõnizomai, que pela singularidade da expressão não foi possível expressá-la pela tradução de uma única palavra, mas sim pela sentença "batalhardes diligentemente" como a melhor tentativa de expressar a profundidade das palavras de Judas.[6]

Nós temos uma palavra em nossa língua que deriva de sua raiz: "agonia". Como afirma um estudioso do Novo Testamento: "a palavra aqui traduzida por batalhardes significa agonizar por algo. Era a palavra usada para a luta atlética ou militar contra um oponente".[7] A palavra, em seu sentido original, relaciona-se à batalha que envolve dor agonizante para a conquista da vitória. Relaciona-se ao tipo de esforço depreendido pelo atleta que, para ganhar a competição, dá tudo de si até o esgotamento total físico e mental, quando o cessar da ação dar-se-á pela falência múltipla dos músculos e cérebro e não por simples desistência relacionada ao desânimo. Fala-se, também, daquele atleta que está verdadeiramente focado e move todo seu corpo a dar o que nele quer que ainda exista, de empreender um esforço último acima de tudo o que nele ainda haja, mesmo que isso o leve à morte.

Certa obra assim comenta: "Esse verbo composto único pinta um quadro de uma pessoa permanecendo firme em sua posição em defesa de algo que seu inimigo deseja tomar, do qual ele luta a fim de retê-la e defendê-la".[8]

Outra obra diz sobre o termo grego:

Epagonizomai originalmente tinha uma conotação militar ou esportiva; é uma luta pela vitória num campo de batalha ou arena. Aqui se nos lembra do esforço extremo que deve ser feito em nome da fé. Os cristãos estão numa batalha (Efésios 6:10-13; 1 Tessalonicenses 5:8; 2 Timóteo 2:4; 4:7) ou numa competição (1 Coríntios 9:24-25; 2 Timóteo 2:5) contra o mal. Judas mais tarde lembra seus leitores de lutar pela fé não apenas por opor-se aos instrutores, mas também pela oração, misericórdia, e amor (Judas 17).[9]

Judas utiliza, então, esse termo para demonstrar como nós devemos manter a verdade pura e praticá-la. Ele sugere que todo o esforço vale a pena para assegurar a pureza da fé em seus princípios e práticas. Esta luta é difícil e dolorosa, às vezes até mesmo mortal, mas a Verdade é que é importante a Deus e aos nossos irmãos da igreja. Essa expressão, portanto, reverberiza a mais intensa e constante admoestação: Lute, Lute, Lute com todas as suas forças! Em termos mais veementes, ele lhes diz para lutar pela verdade tal como tinha sido dado a eles pelos apóstolos, que por sua vez tinha sido ensinado por Cristo a eles.

Nosso texto não menciona neste versículo aqueles contra os quais lutamos. Para eliminar qualquer dúvida, no entanto, quanto à identidade deles, a Bíblia de Genebra inseriu a seguinte nota na margem: "Nós lutamos contra os assaltos de Satanás e heréticos".

O objeto desta luta é a "fé" (gr. pistis). Tal como no verso 20, esta não se refere ao ato de crer, mas para aquilo que se acredita, o corpo da verdade revelada por Deus em Cristo Jesus. Este objetivo encarna "o verdadeiro fundamento de toda a doutrina cristã", uma fé no Senhor e Salvador Jesus Cristo, e a necessidade de uma boa vida como conseqüência dessa fé. Este uso objetivo de fé não é exclusivo de Judas, mas aparece em outros lugares do Novo Testamento em diversas passagens (cf. Gl. 1:23, Fl. 1:27, At. 6:7).

Judas afirma aos cristãos do seu tempo que nada é mais importante do que a verdadeira fé na doutrina de Cristo, demonstrando que a vida de cada Cristão era inferior à Verdade. A mensagem de Judas resgatou uma parcela da Igreja que preferiu morrer nos coliseus, nas praças públicas, do que negar a verdade e se deixar seduzir pelos falsos mestres que de dentro da Igreja a convidavam a negligenciar a Cristo através de toda sorte de doutrinas e toda espécie de falsidade.

Desde o primeiro século, o outro evangelho é pregado! Um evangelho que nega a autoridade de Cristo, o real chamado da vida cristã e nossas obrigações como discípulos de Cristo. Nunca na história da Igreja estivemos tão desassociados das Escrituras. A mensagem que Judas proferiu em sua época causou a dor mais profunda e contundente de todas as mensagens até então proferidas e fez muitos retornarem do caminho o qual seguiam, mas nossa geração após lê-la inúmeras vezes não demonstra o mesmo amor típico dos mártires.

2º. A fé cristã possui um conteúdo objetivo e definitivo. O versículo 3 registra ainda duas facetas sobre esta fé. Judas não nos orienta a batalhar por qualquer coisa, mas sim, unicamente, "pela fé confiada aos santos de uma vez por todas". Já salientamos que a palavra utilizada neste verso não é no sentido de confiança. Antes, ela foi utilizada denotando o conjunto de verdades em que cremos a respeito de Deus, salvação, céu, igreja etc. É o que nós chamamos de "doutrina". Todavia, convém ressaltar que Cristianismo não é a mera crença num conjunto de idéias a respeito da salvação e de Deus. Antes, porém, é um íntimo relacionamento com o filho de Deus - Jesus Cristo.

Ninguém será salvo por somente acreditar em um conjunto de idéias formuladas e sistematizadas. Por outro lado, não devemos ignorar que a rejeição a estas verdades centrais da fé cristã possa levar o cristão a incorrer em graves erros em sua vida gerando muitas vezes heresias. Se tais verdades forem corrompidas e distorcidas não serão apenas idéias erradas, mas mal aplicadas, pois a vida íntima da fé não é independente das afirmações doutrinárias da fé. Quando as doutrinas estão corrompidas, o coração se encontra da mesma maneira. Existe um corpo de doutrinas que tem de ser preservado.

Judas diz que esta é uma fé que "foi entregue". Não foi inventada pelos homens, nem pela Igreja, mas foi transmitida por Deus (I Co. 15:3). Ela foi confiada aos Apóstolos e, em seguida, ensinada às Igrejas. E, essa revelação foi entregue de "uma vez por todas" (gr. hapax). Outra versão diz que ela foi "... definitivamente transmitida aos santos" (TEB). Em outras palavras, nenhuma outra fé será entregue à Igreja.[10] Como Jesus "uma vez para sempre" (gr. hapax) sofreu por causa do pecado, para nunca mais fazê-lo novamente (Hb. 9:26, 28), assim a Bíblia, enquanto Palavra de Deus, foi dada uma única vez e este acontecimento nunca mais será repetido nem algo será adicionado a ela.

O versículo ainda mostra nitidamente que essa fé doutrinária não é passível de alterações, acréscimos ou cortes. É a única e última revelação de Deus aos homens. Com essa afirmação Judas deixa claro que não há nenhuma revelação contínua. Não há evolução da verdade. Ela foi entregue aos santos de uma vez por todas. Ela foi encerrada nos apóstolos, especificamente, nos quais Paulo tardiamente foi incluso. Os crentes tinham recebido esta mensagem de salvação a partir de outros e agora eles deveriam lutar para preservá-la (cf. I Co. 11:2,23; II Ts. 2:15; 3:6; I Tm. 6:20-21).

A mensagem de Judas firma os pés na fidelidade das Escrituras e afirma: Não há nova revelação! Não há nada que necessite ser anexado as escrituras para compor o plano de salvação dado por Deus aos homens. A Verdade nos foi entregue de uma única vez, é por ela que importa aos homens serem salvos e ela é inegociável.

A Confissão de Fé Batista de Londres de 1689 atesta isto muito bem, quando diz:

Todo o conselho de Deus, concernente a todas as coisas necessárias para a sua própria glória, para a salvação do homem, a fé e a vida, está expressamente declarado ou necessariamente contido na Sagrada Escritura. A ela nada em tempo algum se acrescentará, quer por nova revelação do Espírito, quer por tradições de homens.

Vivemos numa época cheia de novas unções e revelações. Dias onde aqueles que deveriam anunciar o evangelho estão o difamando por meio de seu mau testemunho perante a sociedade, fazendo com que o evangelho seja associado à lavagem de dinheiro, casa de câmbio, filosofia de oportunistas, sendo a maior de todas as máculas produzidas o pensamento que ressoa nas mentes daqueles que nunca conheceram verdadeiramente a Cristo, este evangelho, o qual dizem ser divino, é incapaz de produzir transformação diante da corrupção dos homens que usufruem dele para seus próprios interesses.

3º. A fé cristã foi entregue "aos santos". A revelação de Deus alcançou o seu alvo, pois foi entregue aos santos.[11] Na verdade, o povo de Deus é santo e separado dos ímpios. Judas, mais adiante, diz-nos que a Palavra de Deus foi apresentada à Sua igreja para a edificação dos crentes (v. 20). A defesa e a preservação da fé é um dever que recai sobre cada uma das gerações de cristãos. E nosso dever consiste em defender aquilo que recebemos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Há apenas uma combinação de irmãos com estes nomes - o Tiago e o Judas que são relacionados como dois dos quatro irmãos de Jesus (Mt. 13:55; Mc. 6:3).

2. SCHÖKEL, Luís Alonso (Coord.). Bíblia do peregrino. São Paulo: Paulus, 2002, p. 2.937.

3. PHILLIPS, J. B. Cartas para hoje: uma paráfrase das cartas do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 237.

4. SUMMERS, Ray. Judas. In: ALLEN, Clifton J. (Ed.). Comentário bíblico Broadman: Novo Testamento. 2. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1987, p. 277, v. 12.

5. PHILLIPS, J. B. Obra citada, p. 237.

6. As palavras "batalhardes diligentemente" traduzem uma palavra no original (gr. epagonizomai) e representam muito bem o significado do termo. A palavra provém dos jogos gregos em que esforços prolongados provocavam a agonia dos atletas. Embora este termo exato seja encontrado apenas aqui no NT, a sua raiz (sem o prefixo epi) foi usada por Jesus: "Esforçai-vos por entrar pela porta estreita" (Lucas 13:24). Paulo também testemunhou de suas lutas: "Combati o bom combate" (2 Timóteo 4:7; cf. 1 Timóteo 6:12). (HARRISON, Paul V.; PICIRILLI, Robert E. The Randall House Bible Commentary: James, 1, 2 Peter, Jude. Nashville: Randall House Publications, 1992, p. 335).

7. SUMMERS, Ray. Obra citada, p. 278.

8. FRONMÜLLER, G.F.C. The epistle general of Jude. In. LANGE, Johann Peter. A commentary on the Holy Scriptures: critical, doctrinal, and homilectical, v. 9. New York: C. Scribner & co., 1867, p. 13.

9. HOLLOWAY, Gary. The College Press NIV Commentary: James & Jude. 2 ed. Missouri: College Press, 2002, p. 150.

10. HARRISON, Paul V.; PICIRILLI, Robert E. The Randall House Bible Commentary: James, 1, 2 Peter, Jude. Nashville: Randall House Publications, 1992, p. 335.

11. Quando esse nome aparece em uma forma singular no NT, ele é traduzido como "santo", como em referência ao Espírito Santo. Portanto, sua forma plural aqui pode ser traduzida como "santos". (HARRISON, Paul V.; PICIRILLI, Robert E. The Randall House Bible Commentary: James, 1, 2 Peter, Jude. Nashville: Randall House Publications, 1992, p. 335).

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