Mateus 13:54-58:

54 E, chegando à sua pátria, ensinava-os na sinagoga deles, de sorte que se maravilhavam, e diziam: De onde veio a este a sabedoria, e estas maravilhas? 55 Não é este o filho do carpinteiro? e não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? 56 E não estão entre nós todas as suas irmãs? De onde lhe veio, pois, tudo isto? 57 E escandalizavam-se nele. Jesus, porém, lhes disse: Não há profeta sem honra, a não ser na sua pátria e na sua casa. 58 E não fez ali muitas maravilhas, por causa da incredulidade deles.

Introdução: Este episódio é o manifesto de Jesus: a salvação prometida por Deus está hoje presente na sua pessoa, mas não se submete aos critérios utilitários e estreitos de seus conterrâneos.

 I - A BARREIRA DA INCREDULIDADE

1. Leia Mateus 13:54-57 e responda: O que podemos aprender da experiência de Jesus ao voltar à sua terra natal? Em sua opinião, por que o povo de Nazaré não creu nas palavras de Jesus?

Comentário: Mateus registra que depois de contar algumas parábolas, Jesus saiu da cidade onde estava residindo e se dirigiu "à sua terra" (v. 54). A palavra "terra" (gr. patris) provavelmente se refere a Nazaré, embora isto não esteja explícito aqui, nem no paralelo em Marcos 6:1-6. Lucas (4:16-30) identifica o lugar como sendo Nazaré.1 Seguindo esta linha de raciocínio é que a Nova Versão Internacional assim traduziu esta palavra: "Chegando à sua cidade...". Todavia, não obstante concordar quanto ao local, há quem entenda que esta visita narrada por Mateus é outra e não aquela narrada em Lucas 4:16-30 (cf. Mt. 4:13).2 Preferimos a primeira interpretação.

Como era de seu costume, Jesus foi à sinagoga num dia de sábado (cf. Mc. 1;21; Lc. 13:10). Mateus registra que Jesus pôs-se a ensinar o povo na sinagoga. Qualquer homem judeu podia ser convidado a ensinar em uma sinagoga, e a conjugação do verbo ensinar (gr. edidasken­ - ensinava) é a tradução de um tempo imperfeito grego, dando a entender que Jesus ensinou em mais de uma ocasião nesta sinagoga.3

Ainda, neste mesmo aspecto, William Barclay afirma que:

O presidente da sinagoga podia pedir a qualquer estrangeiro ilustre que pregasse e qualquer um que tivesse alguma mensagem a transmitir podia animar-se a falar. Não havia nenhum perigo de que não se concedesse a Jesus o direito de falar. Mas quando o fez, só encontrou hostilidade e incredulidade.4

Apesar de terem ficado admirados, os habitantes da pequena aldeia não estavam preparados para tanta sabedoria em uma pessoa que havia crescido entre eles. Daí a razão de tantos questionamentos: "De onde lhe vêm esta sabedoria e estes poderes miraculosos? Não é este o filho do carpinteiro? O nome de sua mãe não é Maria, e não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? Não estão conosco todas as suas irmãs? De onde, pois, ele obteve todas essas coisas?" (vs. 54-57).

"Donde lhe vêm esta sabedoria e estes poderes miraculosos?" A interrogação duvidosa dos conterrâneos de Jesus refere-se à origem dos milagres que ele faz e da sabedoria com que fala: seria de origem humana ou divina? Fechando-se em sua própria incredulidade, não queriam ouvi-lo porque conheciam seu pai, sua mãe, seus irmãos e irmãs. Não podiam crer que alguém que tinha vivido entre eles e a quem eles tinham conhecido pudesse ter o direito de falar na forma em que o fazia Jesus.

Então, segundo Mateus, os aldeões "ficavam escandalizados por causa dele" (v.57). Na tradução de Giuseppe Barbaglio lemos assim: "E ele [Jesus] era para estes um obstáculo para a fé".5 Para eles, Jesus era apenas "o filho do carpinteiro", cuja humilde família vivia entre eles.6 Seu pai adotivo, sua mãe, Maria, seus irmãos (Tiago, José, Judas e Simão) e irmãs eram todos pessoas comuns.7

A narrativa de Marcos (6:3) afirma que alguns chamavam Jesus de "o carpinteiro", indicação de que ele havia aprendido o mesmo ofício de José. "Carpinteiro" é a tradução da palavra grega tketon, um termo genérico que se refere a alguém que trabalha com madeira ou pedra. Poder-se-ia traduzir, também, como "construtor".

De acordo com Ekkehard W. Stegemann, não está claro o que exatamente se tem em mente com a palavra grega tekton. Seria Jesus um carpinteiro ou talvez um pedreiro? Ou produzia ferramentas, como arados e cangas, para os agricultores? A designação profissional tékton pode assinalar que ele era um artífice do setor da construção, sendo, ao mesmo tempo, pedreiro, carpinteiro, carreteiro e marceneiro.8

Segundo Henry E. Turlington, a palavra tekton era aplicada a qualquer artesão.9 No segundo século, Justino Mártir escreveu que Jesus fazia "obras de carpinteiro", e fazia arados e jugos (Diálogos com Trifão, 88:8). O bispo Isidoro de Sevilha (560-636 d.C.), teólogo agostiniano, concluiu que José era ferreiro.

O Proto­ Evangelho de Tiago, escrito no século II, refere-se a José como um "construtor de edifícios" (9:3). Para James Tabor, "... em seu contexto galileu do século I, é mais provável que se refira a um pedreiro". Um tekton, nesse contexto, era algo semelhante a um operário diarista: não recebia um salário mensal, não possuía terras e aceitava o trabalho que encontrasse, sem garantias nem segurança. Afirmar que alguém era um tekton era o mesmo que rebaixar a sua classe social.10 Esse constrangimento quanto ao status social de Jesus pode bem se refletir na referência de Marcos ao que diziam os conterrâneos de Jesus que o viram crescer: "Não é este o carpinteiro, filho de Maria..." (Mc. 6:3).

II - UM PROFETA SEM HONRA EM SUA PÁTRIA

2. Leia Mateus 13:57 e responda: Qual seria o significado do provérbio citado por Jesus? Como este provérbio demonstrava que Ele era o Messias? De que maneira vivenciamos esse preconceito em nossos dias?

Comentário: A familiaridade tira o respeito. Há um ditado em nosso meio que diz assim: "Santo de casa não faz milagre". Embora o sentido da palavra "santo" neste provérbio não utilize o sentido bíblico do termo, este provérbio fala do preconceito comum contra os conhecidos, contra tudo que nos é familiar. O mais comum no gênero humano é desprezar o que está próximo e valorizar o que está distante.11

Jesus foi alvo deste tipo de preconceito. Por isto, Ele usou o seguinte ditado para descrever esta situação: "Não há profeta sem honra senão na sua pátria, entre os seus parentes, e na sua casa" (Mc. 6:4 c/c Mt. 13:57).12 Como acontecia com muita freqüência, o profeta não recebia nenhuma honra em sua própria terra, e a atitude dos habitantes de Nazaré para com Jesus ergueu uma barreira que fez impossível que Ele exercesse alguma influência sobre eles.

Num certo dia de sábado, na sinagoga de Nazaré, Jesus baseou a sua mensagem no livro do profeta Isaías (61:1,2). Quando terminou de ler o texto, entregou o livro ao ministro e sentou-se para discursar, e os olhos de todos os presentes na sinagoga estavam fitos nele. Jesus sintetizou sua mensagem na frase: "Hoje se cumpriu esta Escritura que acabais de ouvir" (Lc. 4:14-21).

Enquanto Jesus pregava, Lucas registra que “todos falavam bem dele, e estavam admirados com as palavras de graça que saíam de seus lábios” (v. 22 – NVI). Eles puderam constatar que a fama de Jesus não tinha sido exagerada (Lc. 4:14). Entretanto, juntamente com esta grande admiração, surgiu uma grande rejeição. Eis aqui o estranho fenômeno da atração e da repulsão simultânea. Eles tropeçaram no fato de Jesus ser um conhecido deles, um dos seus. “Não é este o filho de José?” –, perguntaram entre si, dando a entender que, já que ele era um nazareno como eles, não podia ser coisa muito boa (cf. Jo. 1:46). Para aqueles aldeões, Jesus não poderia cumprir profecia nenhuma, pois era “de casa”. Ignoravam, porém, tudo sobre aquele que pensavam conhecer bem: ele não era filho de José, mas Filho de Deus; não era de Nazaré, mas de Belém; não era do mundo, mas dos Céus!13

Jesus percebeu o preconceito e revelou-o aos seus ouvintes, propondo um confronto de provérbios. Os nazarenos citariam a Jesus o provérbio: “Médico, cura-­te a ti mesmo!”, uma expressão que pede provas de poder ao mesmo tempo em que duvida da possibilidade destas provas serem apresentadas. Jesus, contudo, cita o provérbio: “De fato, vos afirmo que nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra”, sugerindo que a rejeição deles era esperada, constituindo uma evidência de ser ele o Profeta de Deus (Lc. 4:23-27). Eles pediram milagres como prova do caráter profético de Jesus. Receberam a certeza de Jesus ser um profeta por rejeitarem-no como todos os profetas foram rejeitados (Lc. 6:22-23; 11:47-48).

Para ilustrar esse provérbio, Jesus citou os casos de Elias e de Eliseu, dois profetas rejeitados pelo seu próprio povo, que acabaram beneficiando aos estrangeiros por causa da incredulidade dos seus conhecidos. Também esta Escritura estava sendo cumprida naquele “hoje” em Jesus e nos nazarenos. Pelo uso destes exemplos, Jesus estava afirmando que as bênçãos devidas aos nazarenos seriam dadas a estranhos, por causa de sua rejeição (Lc. 4.25-27). Os nazarenos, enfurecidos, expulsaram Jesus da cidade, tentando jogá-lo por um precipício abaixo, “mas Jesus passou por entre eles e retirou-se” (Lc. 4:29-30).

Este provérbio, e o acontecimento como um todo, traz uma importante advertência para nós: é possível desprezarmos e rejeitarmos Jesus por pensarmos que o conhecemos bem demais. Os cristãos correm o maior risco de cair neste erro, já que podem chegar a um ponto que não lêem mais este ou aquele texto bíblico por julgá-lo “batido” e “muito conhecido”. Devemos lembrar que nunca saberemos o suficiente sobre Jesus; sempre há mais para aprender d’Ele e sobre Ele. Ele sempre nos surpreende.14

É necessário cultivar respeito e interesse em Jesus, sua vida e palavras para continuar humildemente aprendendo dele. A atitude de julgar-se profundo conhecedor de tudo sobre Jesus é o princípio da rejeição do Mestre. É por causa disto que muitos eruditos bíblicos, profundos conhecedores dos aspectos históricos, lingüísticos e teológicos não têm fé verdadeira em Jesus. Eles, na verdade, pensam que “sabem” mais que Jesus, mais que o próprio Deus!

Uma última e importante observação se faz necessária aqui. João diz que: “Passados dois dias, partiu dali para a Galiléia. Porque o mesmo Jesus testemunhou que um profeta não tem honras na sua própria terra. Assim, quando chegou à Galiléia, os galileus o receberam...” (Jo. 4:43-45). Quando alguém o rejeita, Jesus não insiste e vai para quem o quer aceitar. Se houver alguém rejeitando Jesus, também haverá alguém o recebendo como Mestre e Senhor.

III - LIMITANDO A AÇÃO DIVINA

3. Leia Mateus 13:58 e responda: Você acredita que Jesus foi limitado ou não quis realizar milagres ali devido a indisposição deles em acreditar?

Comentário: Mateus registra que, por causa da incredulidade dos habitantes de Nazaré, Jesus “não fez ali muitos milagres” (v. 58), mas “somente curou alguns poucos enfermos, impondo-lhes as mãos” (Mc. 6:5). Mateus suaviza o “não podia fazer” de Marcos, deixando aberto a questão se Jesus fora incapaz ou não quisera fazer obras milagrosas em face da incredulidade dos nazarenos.15 Ora, a evidência bíblica é que o poder de Jesus não depende da fé dos homens (cf. Jo. 9:3, 36; Lc. 7:11-15). O poder de Jesus não foi e nem pode ser limitado. Entretanto, a incredulidade impediu muitas oportunidades para realização de milagres visto que poucas pessoas o procuraram.16 Para Scott Smith, “Jesus voluntariamente limitou sua interação com o povo de Nazaré por causa da descrença deles”.17

Seus velhos conhecidos simplesmente não estavam preparados para receber a ajuda do menino que costumava andar pela aldeia, e a recusa obstinada em considerar a possibilidade que Jesus pudesse curá-los impossibilitou a ele de operar milagres em benefícios deles.18

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. STTAG, Frank. Mateus. In. ALLEN, Clifton J. (Ed). Comentário bíblico Broadman: Novo Testamento. 3. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1986, v. 8, p. 203.

  2. KENT JR, Homer A. Mateus. In. PFEIFFER, Charles F.; HARRISON, Everett F. Comentário bíblico Moody. São Paulo: Imprensa Batista Regular,1990, v. 4, p. 34.

  3. STTAG, Frank. Mateus. Op. cit., p. 203.

  4. BARCLAY, William. Comentario al Nuevo Testamento: Mateo. Barcelona: Editorial Clie, 1997, v. 1, Tomo II, p. 10.

  5. BARBAGLIO, Giuseppe. Evangelhos I: Marcos e Mateus. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002, p. 230.

  6. Embora a mãe e os irmãos de Cristo tivessem se mudado para Cafarnaum (Mt. 4:13), suas irmãs evidentemente se casaram e ficaram em Nazaré ("entre nós").

  7. Os Evangelistas não fornecem os nomes das irmãs de Jesus, mas a tradição cristã primitiva diz que eram duas: Maria e Salomé.

  8. STEGEMANN, Ekkehard W. História social do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal, 2004, p. 230.

  9. TURLINGTON, Henry E. Marcos. In. ALLEN, Clifton J. (Ed). Comentário bíblico Broadman: Novo Testamento. 3. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1986, v. 8, p. 382.

  10. TABOR, James A. A dinastia de Jesus: a história secreta das origens do cristianismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 105.

  11. PESTANA, Álvaro César. Provérbios de Jesus. São Paulo: Vida Cristã, 2002, p. 167.

  12. Esse aforismo é encontrado quatro vezes no Novo Testamento com pequenas variações. Nos três primeiros evangelhos, os chamados Evangelhos Sinóticos, o dito aparece associado à rejeição de Jesus pelos seus vizinhos, os nazarenos (Mt. 13:27; Mc. 6:4; Lc. 4:24). No Evangelho de João, representa o pensamento de Jesus quando decidiu deixar a Judéia e ir para a Galiléia (Jo. 4:44).

  13. PESTANA, Álvaro César. Op. cit., p. 168,169.

  14. Idem, p. 171,172.

  15. STTAG, Frank. Mateus. Op. cit., p. 204.

  16. KENT JR, Homer A. Op. cit., p. 34.

  17. SMITH, D. Scott. Entendendo e vivendo. In. CAMENGA, Andrew J. Cristo: o cumprimento. Estudos Bíblicos para a Escola Sabatina. Curitiba, Pr: CBSDB, 2010, p. 101.

  18. MILLER, Caroline. Milagres acontecem: chave para o entendimento da intervenção divina. 9. ed. São Paulo: Pensamento, 2000, p. 99.

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