Ententendo e Vivendo
Uma comunidade que ensina lidar com situações difíceis
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- Pr. Bernardo Inácio Ferreira Junior
- Entendendo e Vivendo
1 TIAGO, servo de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que andam dispersas, saúde. 2 Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias tentações; 3 Sabendo que a prova da vossa fé opera a paciência. 4 Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma.
Tiago 1:1-4
INTRODUÇÃO
Desde que a queda trouxe o pecado ao mundo, o sofrimento passou a fazer parte da história humana. Jesus deixou a advertência acerca da presença de aflições na vida, mesmo daqueles que já foram redimidos e agora seguem no caminho da vontade do Pai.
Há, porém grande consolo na convicção de que os membros do corpo de Cristo não enfrentam essas dores sozinhos. Foi-lhes prometido pelo próprio Jesus, que estaria com eles em todas as situações (Mateus 28:20b). A principal forma de isso acontecer é através da Igreja. A comunidade onde deve acontecer acolhimento e suporte mútuo, pessoas irmanadas levando as cargas uns dos outros e orando em todo tempo.
As formas dessas dores da existência se manifestarem são as mais variadas, a saber: perdas com seu consequente processo de luto, culpa, sentimentos maldosos como a inveja, a hipocrisia, a ira, atitudes como a mentira, além de momentos de dúvida que podem levar a quadros de crises nas mais diversas áreas.
Todos estes quadros possuem potencial para causar grande sofrimento, com risco de haver sérias consequências
para a pessoa e ou família atingida, caso não haja uma rede de apoio capaz de proporcionar um ambiente de cuidado e cura. Esta atitude terapêutica deve estar plenamente presente na Igreja local, não no sentido médico pois este tem o seu lugar e papel na abordagem do que lhe compete, mas em amor e no poder do Espírito Santo.
LIDANDO COM AS PERDAS (1 Coríntios 15:19)
Nesta vida todos estão, o tempo inteiro sujeitos a perdas das mais diversas. A morte de alguém querido traz naturalmente um sentimento de profunda tristeza e isto não deve ser reprimido. A dor e a saudade devem ser expressas livremente como reações humanas que são. Observe-se o exemplo narrado no livro dos Atos dos Apóstolos quando Paulo se despede dos presbíteros da Igreja de Éfeso: “Tendo dito isso, ajoelhando-se, Paulo orou com todos eles. Então houve grande pranto entre todos, e, abraçando Paulo, o beijavam, entristecidos especialmente pela palavra que ele tinha dito: que não mais veriam o seu rosto. E eles o acompanharam até o navio” (Atos dos Apóstolos 20:36-38). Note-se que não há pecado algum neste tipo de reação.
Contudo também é dito pelo próprio Paulo que a tristeza presente nesses momentos para o salvo deve ser diferente daquela manifesta pelos demais (1 Tessalonicenses 4:13). O que traz esse diferencial é exatamente a esperança e a certeza da volta do Senhor e da consequente ressurreição para a vida eterna garantida aos que partiram em Cristo.
Paulo aprofunda essa questão em sua primeira Carta aos Coríntios no capítulo 15 onde versa a respeito da ressurreição demonstrando a importância de se crer nesta realidade como fundamento da fé. Ter esta certeza bem firmada no coração traz a condição de se lidar com as perdas de uma maneira adequada, ainda que com pesar, mas sem desespero e sem paralisia da própria caminhada nesta vida.
Há que se ressaltar o fato de existir a possibilidade dos processos de luto se tornarem patológicos, ou seja, adoecerem a pessoa enlutada, trazendo prejuízos ao curso de sua vida. Para estes casos deve-se buscar ajuda profissional a fim de que sejam tratadas as questões envolvidas e se devolva a funcionalidade ao indivíduo. Mas vale afirmar que há absoluta autoridade e poder na Palavra de Deus para conferir verdades capazes de fundamentar o ser sobre uma rocha sólida e assim, evitar esses processos de adoecimento. É urgente que aquele que lê e ouve as Escrituras creia de fato e radicalmente em Suas revelações pois isto lhe será vida para sua existência.
A dor da saudade deve ser expressa livremente por se tratar de uma reação humana. Os que são salvos em Cristo, embora sintam a mesma dor, tem um diferencial: trazem consigo a esperança e a certeza da Volta do Senhor e da consequente ressurreição para a vida eterna. |
O PESO DA CULPA (Isaías 53:5)
O sentimento de culpa não é em si mesmo prejudicial, pelo contrário, é necessário que haja um reconhecimento da maldade que habita em si para que o ser humano possa receber a salvação graciosamente concedida pelo Pai. Ausência total de culpa mesmo diante da condição natural decaída do homem, é preocupante e indicativo de quadros patológicos perigosos.
Porém existe uma culpa irreal, neurótica, que por vezes persiste no sujeito trazendo um sofrimento intenso e muitas vezes pensamentos e comportamentos de autopunição, cuja função seria aliviar o peso causado por uma falha cometida persistente na memória, muitas vezes de maneira distorcida.
Nestes casos, dependendo da gravidade e das consequências na vida, ajuda profissional é indicada. Contudo a despeito disto a Igreja local possui forte papel no trato com pessoas acometidas por este mal. Deve haver uma atitude de acolhimento e empatia sem posturas de condenação, mas de apoio visando a restauração daquele irmão em Cristo.
A própria pregação fiel do Evangelho de Jesus traz em sua essência a cura para esses processos de culpa, na medida em que anuncia o sacrifício substitutivo do Cordeiro de Deus que levou sobre si as transgressões humanas e pagou o preço exigido pela justiça divina, conferindo liberdade e paz àqueles que creem (Isaías 53).
Portanto, o que sente culpa persistente deve examinar a natureza de sua fé, pois pode estar tendo uma compreensão equivocada da mensagem da salvação, na qual a pessoa desenvolve uma crença consciente ou inconsciente da necessidade de autoflagelo, imaginando que precisa pagar pelos atos pecaminosos que cometeu. Na relação entre os irmãos da comunidade de fé é preciso haver acolhimento em amor e insistência em demonstrar a suficiência do sacrifício de Cristo que, como diz o apóstolo, cancelou o escrito de dívida que era contra o homem cravando-o na cruz (Colossenses 2:14).
O sentimento de culpa quando se torna uma neurose pode trazer consequências. Se esse sentimento persistir deve ser examinado à luz da Palavra de Deus, pois toda na cruz o Cordeiro de Deus pagou por nossos pecados. |
JÓ E OS DISCÍPULOS DE CRISTO (João 16:33)
Neste ponto cabe lembrar da história de Jó que passou por terríveis perdas e foi assolado pelas colocações de seus amigos que tentavam lhe imputar culpa pelas circunstâncias catastróficas que vivia.
Primeiro é necessário afirmar o fato de que o sofrimento de Jó não tinha ligação com quaisquer atitudes que este tenha tomado, mas com uma situação surgida em uma atmosfera celeste. O próprio Senhor descrevia Jó como “homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal” (Jó 1:8). Portanto, não cabe aqui uma teologia de causa e efeito, ou seja, pensar que se alguém está em grande sofrimento, isto indicaria distanciamento de Deus ou vida no pecado.
Na verdade, isto está muito claro nos escritos do Novo Testamento quando Cristo diz: “No mundo, vocês passam
por aflições [...]” (João 16:33b). Também quando se veem os muitos sofrimentos dos discípulos nas narrativas dos Atos dos Apóstolos ou ainda do próprio Paulo que começa sua carreira em meio a três dias de cegueira e logo depois precisando fugir dentro de um cesto pendurado por uma corda. Ele posteriormente resume seu histórico de lutas e perseguições (2 Coríntios 11:24-29).
Entende-se então, que não faz sentido associar sofrimento necessariamente com algo que a pessoa esteja colhendo por atitudes insensatas ou pecaminosas. Vale lembrar a passagem na qual os discípulos, obedecendo a uma ordem do Mestre, tomam o barco e rumam para o outro lado, sendo assolados por uma tempestade no trajeto, ou seja, o fato de alguém estar em obediência a Jesus não o exime de passar por tormentas nesta vida, mas este tem a certeza de que o propósito de Deus, que é formar o homem conforme a imagem de seu Filho unigênito, está em andamento na sua existência.
Assim, é fundamental que se tenha uma perspectiva realmente bíblica do sofrimento advindo de perdas ou da culpa, a fim de não haver um processo de frustração em relação a expectativas fantasiosas que nascem no coração humano e não na revelação divina.
A princípio o sofrimento não está associado a algum pecado cometido e, o fato de sermos discípulos de Jesus não nos isenta de passarmos por dificuldades aqui nesse mundo. O que Ele promete é que sempre estará conosco. |
LUTANDO CONTRA MAUS SENTIMENTOS
A Bíblia relata a existência de duas fontes de fruto na vida do homem, a saber, o que é gerado pela carne e o que vem da obra do Espírito. Há, portanto um conflito interno, uma batalha travada entre estas duas instâncias e é possível perceber quem está prevalecendo através das atitudes manifestas nas mais diversas áreas das relações humanas.
Não é incomum que haja na Igreja local a manifestação de atitudes caracterizadas pela presença de inveja, ira, hipocrisia, e mentiras, que trazem tanto desgaste e sofrimento trazendo às vezes sérias consequências individuais e para a saúde da comunidade de fé.
Diante da realidade instaurada por Cristo, não faz sentido a existência da inveja. A Igreja é comparada a seu corpo e cada membro tem seu lugar. Não há excluídos ou preferidos na casa do Pai. O Senhor conhece e considera cada um dos seus filhos e todos são alvo do seu infinito amor. Tiago afirma que “Se, pelo contrário, vocês têm em seu coração inveja amargurada e sentimento de rivalidade, não se gloriem disso, nem mintam contra a verdade; Pois, onde há inveja e rivalidade, aí há confusão e toda espécie de coisas ruins.”
(Tiago 3:14-16). Quanto à ira humana, o apóstolo afirma que nela não opera justiça de Deus (Tiago 1:20). É dito também que o sol não se ponha sobre tal sentimento (Efésios 4:26), ou seja, que haja logo uma ação para eliminar este mal do coração e isto é possível pelo domínio próprio conferido ao crente pela obra do Espírito Santo que nele habita.
Com respeito à hipocrisia, esta sempre foi veementemente combatida pelo próprio Jesus quando de seus embates com fariseus que demonstravam exteriormente uma aparência de santidade, mas que no íntimo não possuíam uma intenção genuína de viver para a glória de Deus. Jesus chegou a comparar tal atitude com o fermento que age de modo sorrateiro (Lucas 12:1). O termo hipócrita vem do grego39 e é relativo exatamente ao ato de representar um papel, como fazem os atores, que replicam uma imagem que desejam transmitir, mas que não corresponde ao que são verdadeiramente como pessoa. É fundamental, portanto, um exame profundo das próprias intenções a fim de que se possa reconhecer quando há alguma raiz de hipocrisia, algum desejo por recompensas terrenas como a de ser glorificado pelos homens.
Sobre a mentira é dito em provérbios que “O Senhor detesta lábios mentirosos, mas aqueles que praticam a verdade são o seu prazer” (Provérbios 12:22). Ainda existe um mandamento claro para deixar tal prática e passando a falar a verdade com o próximo, destacando o fato de serem parte do mesmo corpo (Efésios 4:25). Portanto não faz sentido viver relações contaminadas pela mentira, visto que é um atentado contra o corpo do qual a própria pessoa faz parte. Seria comparável a uma doença autoimune quando elementos do organismo passam a atacar a própria estrutura a qual pertencem. É por isso mesmo que tal atitude é detestada pelo Senhor, pois este tem prazer em contemplar Seus filhos unidos e potencializando uns aos outros e não se destruindo mutuamente.
Mesmo sabendo que se trata de características humanas, a Igreja de Jesus não pode se conformar com esta realidade, posto que é vinda da queda e é obra da carne. Há que se ter em mente a eficácia da obra de Cristo na cruz do calvário. Ele levou cativo o cativeiro, consumou o penoso trabalho que possibilita ao homem tornar-se livre dos grilhões do pecado e viver uma vida manifestando as virtudes de Deus na Terra.
Esta verdade deve ser fortemente anunciada e repetida, pois a mente humana tende ao erro e necessita estar sendo lembrada desses princípios santos, a fim de não recair no poço de lama de onde foi outrora resgatada. Cristo veio evangelizar os miseráveis de espírito, proclamar libertação aos cativos, dar vista aos cegos e pôr em liberdade os oprimidos (Lucas 4:18). Necessário é, crer radicalmente nesta Palavra e viver estas dádivas advindas da obra de Jesus.
É importante que, como dizem as Escrituras, cada um examine a si mesmo (2 Coríntios 13:5) e observe se há alguma raiz de maldade brotando por meio de suas ações. Assim busque um lugar de arrependimento e perdão, renovando a fé no que Cristo realizou e vivendo livre destes inimigos internos, para O adorar sem medo e em justiça por todos os dias de sua vida (Lucas 1:74-75).
Sentimentos contrários à Palavra de Deus devem ser tratados através da oração e arrependimento, pois não devem fazer parte da vida daqueles que nasceram de novo. A igreja não deve se conformar com sentimentos humanos que ainda são resquícios do pecado, mas trata-los através do ensino do Evangelho de Cristo. |
A LUTA CONTRA A DÚVIDA (Marcos 9:24)
No Evangelho de Marcos pode-se ver a narrativa acerca do desespero de um pai diante de seu filho, terrivelmente oprimido pela ação de um espírito maligno que o transtornava, agitando-o, e torturando-o das mais variadas maneiras.
Diante dessa situação, a qual os discípulos não foram capazes de resolver, o pai clama desesperadamente a Jesus rogando: “se o senhor pode fazer alguma coisa, tenha compaixão de nós e ajude-nos” (Marcos 9:22b). Jesus o retruca e o faz perceber sua dúvida latente ao que ele novamente clama: “Eu creio! Ajude-me na minha falta de fé!” (Marcos 9:24b). Sobre este episódio, escreve McGrath:
“Não sabemos o nome do homem que falou essas palavras notáveis a Jesus. Quem quer que ele tenha sido, suas palavras expressam com perfeição a ansiedade de muitos cristãos. Eles descobriram em Jesus algo muito maior do que ousaram sonhar, Deus parece muito próximo, mas algumas dúvidas incômodas permanecem. Será que posso mesmo acreditar no evangelho?Será que não é bom demais pra ser verdade? Deus me ama realmente? Posso ser útil pra Ele? Bem no íntimo, muitos cristãos têm essas dúvidas, mas se envergonham disso.”
Há uma ambiguidade presente dentro do ser humano onde nem sempre uma força anula a outra, mas ambas convivem gerando conflitos internos. É assim que se vê este homem que afirma crer, mas que ao mesmo tempo pede ajuda na sua falta de fé. O coração se torna um campo de batalha e o clamor ao Mestre é crucial para que a fé vença. Jesus parece repreender este homem no diálogo que tem com ele, mas acolhe com amor sua súplica pelo filho, libertando-o daquele mal.
Assim também a comunidade de fé deve acolher aquele que demonstra suas dúvidas e não o tratar como descrente ou inimigo. Jesus é o modelo que mostra à Igreja como agir em toda e qualquer situação e assim como Ele recebeu este homem, a Igreja deve lidar com o irmão que está sendo de algum modo incomodado por suas dúvidas.
Necessário é que aquele que duvida não se afaste da Palavra de Deus. Precisa permanecer na comunhão e em
contato com a pregação do Evangelho da Verdade, pois como está escrito, “E, assim, a fé vem pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Cristo” (Romanos 10:17). Portanto, a Igreja deve agir no sentido de manter e não de afastar o que que duvida, a fim de que este tenha a oportunidade de fortalecer sua fé pelo contato com a Palavra de Deus
A igreja deve ser o local onde a dúvida possa ser expressa de forma livre e sem julgamentos. Pessoas com dificuldades em crer devem ser acolhidos a ajudadas. Jesus não desprezou o clamor do centurião. |
CONCLUSÃO
Há diversos desafios na caminhada do discípulo de Jesus Cristo. Dores advindas de perdas, culpa, sentimentos nocivos que teimam em querer tomar conta da alma, momentos de tristeza e dúvida. Mas é preciso lembrar da constante companhia do Senhor e da presença do seu Santo Espírito habitando o interior do crente e lhe capacitando com os aspectos do fruto que gera em seu ser.
Além disso, é importante lembrar da relevância da comunidade de fé onde se insere cada membro do corpo de
Cristo. A comunhão é por si só terapêutica e fortalecedora, funcionando como uma rede de apoio no enfrentamento
dessas questões abordadas neste estudo.
Portanto, que jamais deixe de haver a certeza da companhia de Deus e de suas ricas promessas e que sempre
se valorize a família da fé, o aprisco do Bom Pastor onde existe água cristalina, alimento e bálsamo para as dores da vida.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE
1. Diante das perdas, como deve ser a atitude do discípulo de Cristo? E como a Igreja deve agir com aquele que passa por momentos de dor e luto?
R.
2. A respeito da culpa, pode-se dizer que é sempre algo destrutivo? Quando este sentimento passa a ser prejudicial à caminhada do discípulo de Cristo?
R.
3. Sentimentos ruins devem ser aceitos naturalmente pelo fato de sermos humanos? Como lidar com impulsos nocivos que surgem no coração?
R.
4. A dúvida é um indicativo de que necessariamente a pessoa está em rebeldia em relação a Deus? Como a Igreja pode ajudar ao irmão atormentado pela dúvida?
R.