Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus;

Mateus 5:8

INTRODUÇÃO

   Talvez você já tenha ouvido ou dito algum dos seguintes ditados populares: “Quem vê a cara não vê o coração” e “Não julgue o livro pela capa”. Mesmo que estes ditos já falem por si só podemos dizer, em outras palavras, que o que realmente importa é o conteúdo e não a embalagem. Em tese seria isso, mas na prática não funciona bem assim. Por exemplo: já reparou que constantemente as grandes marcas vão inovando o formato, a cor ou as imagens da embalagem dos produtos, mesmo que o conteúdo seja o mesmo ou até, em alguns casos a porção é diminuída sem deixar transparecer? Um produto com uma embalagem que não chama a atenção é pouco consumido. Outro exemplo: duas pessoas vão a um mesmo restaurante, uma vestindo roupas bem simples e calçando um chinelo de dedos e outra se apresenta trajando terno e gravata, calçando um belo sapato de couro. Qual será melhor atendida, mesmo levando em conta que ambas vão pagar o mesmo valor pela refeição?

   A questão tratada acima não é peculiar apenas aos nossos dias e ao nosso contexto cultural. Quando mergulhamos no universo da cultura judaica, em especial na religião do tempo de Jesus e até muito anterior, percebemos que ela era mais o que aparentava ser do que realmente deveria ser. A espiritualidade era julgada mais por atos objetivos do que subjetivos, ou seja, não importava o que o indivíduo era, mas o que ele aparentava ser. Quando Jesus apresenta a listadas bem-aventuranças percebemos que Ele põe em cheque esta concepção, pois apresenta a verdadeira felicidade em qualidades subjetivas, ou seja, que não são palpáveis, que não aparecem e em alguns casos são paradoxais.

   Na bem-aventurança que estudaremos hoje perceberemos que considerando a cultura religiosa do seu tempo, que valorizava mais o exterior do que o interior, Jesus mostra que o importante é o “conteúdo” e não a “embalagem”.

 

DEUS SONDA O CORAÇÃO

   Um dos atributos incomunicáveis de Deus é Sua onisciência, ou seja, Ele sabe de todas as coisas, inclusive conhece os nossos pensamentos. Há muito tempo já havia afirmado Davi quando disse: “Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando acento e me levanto; de longe conhece os meus pensamentos” e ainda: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos” (Salmos 139:1-2,23). Talvez parte do conteúdo desse salmo seja resultado da experiência que ele teve no dia em que foi ungido pelo profeta Samuel (1 Samuel 16:1-13). Naquela ocasião, o próprio profeta deixou-se enganar pelos seus olhos ao pensar que Eliabe, homem de boa aparência, o filho mais velho de Jessé, era o escolhido. Todavia, as palavras do Senhor a Samuel descrevem como o Poderoso olha para as pessoas: “Não olhe para a sua aparência nem para a sua altura, porque eu o rejeitei. Porque o Senhor não vê como o ser humano vê. O ser humano vê o exterior, porém o Senhor vê o coração”. (v.7). Se Deus perscruta o coração do ser humano é ali que a pureza deve ser cultivada.

   No “sermão do monte” Jesus enfatiza muito a ideia de que Deus sonda o coração e sabe de todas as coisas. Ao falar sobre boas obras, oração e jejum, Jesus afirma que o que vale é a intenção do nosso coração e “o Pai que vê em secreto, lhe dará a recompensa” (Mateus 6:4 6 e 18). Tratando da bem-aventurança de hoje, chegamos à seguinte conclusão: o Pai, que em secreto sonda cada coração, em secreto oferece a cada um uma recompensa e a mesma é: “estes verão a Deus”. Essa é a razão da felicidade daqueles que são limpos de coração. Haverá para o cristão alegria maior do que poder ver a face de Deus no dia da completa redenção?

 

ONDE, COMO E POR QUÊ?

   A proposta da sexta bem-aventurança proferida por Jesus demonstra a verdadeira pureza que Deus espera dos Seus filhos. Podemos dividir essa ideia em três partes: “onde ela deve ocorrer”, “como deve ocorrer” e “por que é necessária ocorrer”.

   Onde deve ocorrer: segundo a proposta apresentada pelo Mestre, Deus espera que a verdadeira pureza deve ocorrer no coração dos Seus filhos. O termo “coração” refere-se a toda a vida anímica, ou seja, ao pensar, sentir e querer49! Ele é o centro da personalidade. Então, podemos dizer que a pureza deve ocorrer no íntimo do ser humano, no interior do ser, em todas as esferas do seu pensamento e sentimentos. Para os judeus do tempo de Jesus essa era uma ideia muito difícil de ser concebida. Todo ato de purificação praticado por eles estava relacionado a limpeza exterior, desde o lavar as mãos até os utensílios e objetos (Mateus 15:2; 23:25) além de todas as demais prescrições relacionadas na lei de Moisés. Havia, de certa forma, uma demasiada preocupação por parte dos religiosos judeus com a purificação. Olhando de um ângulo podemos afirmar que essa atitude era até louvável, pois qualquer situação que os tornasse impuros os impediria de participar, por pelo menos um dia, das cerimônias que ocorriam no templo. Todavia, para eles, os atos de purificação os tornavam limpos para estar diante de Deus mesmo que no seu interior estivessem cheios de pecados. Nesta bem-aventurança Jesus desafia Seus ouvintes a buscar a pureza do coração, mas por quê? Ele mesmo, em outra ocasião, combatendo a irrelevância dos atos de purificação exterior dos fariseus, disse: “Por que do coração procedem maus pensamentos, homicídios, adultérios, imoralidade sexual, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias”. (Mateus 15:19 e 20) e ainda afirmou que são estas coisas que contaminam o homem.

   Muitas pessoas, ao se converterem, fazem o processo inverso de limpeza. Começam de fora para dentro: lançam fora as imagens de escultura, trocam todo o vestuário do guarda roupa, tiram a fita vermelha amarrada ao para-choque do carro, entre outras coisas. Preocupam-se com o exterior, com o ambiente ao seu redor sem se preocupar com a limpeza interior, do coração. Há aqui um alerta acerca do erro de pensar que o mal está apenas no ambiente, Adão caiu no paraíso, num ambiente perfeito50. A limpeza externa é cerimonial, mas a interna, a que mais importa, é aquela que purifica o homem da imundície moral.

   Como deve ocorrer: os rituais de purificação relacionados à lei cerimonial do Antigo Testamento sempre estavam relacionados à lavagem com água (Levíticos 11 a 15; Números 19). Mas, como isso ocorre no coração do cristão? Sabemos que não é através da água, pelo menos não fisicamente falando. Todavia sabemos que os rituais de purificação que foram estipulados na Antiga Aliança eram sombras do que ocorreria na Nova Aliança. Enquanto no passado a água purificava o homem das suas imundícias, agora, em Jesus, somos purificados dos nossos pecados, somos lavados por Ele que é a água da vida (João 4:14; Apocalipse 21:6). Escrevendo a Tito, Paulo afirma também que o processo de limpeza espiritual ocorre através da ação do Espírito Santo em nós: “Ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tito 3:5).

   Aqueles que são limpos de coração não são apenas os que passaram por um processo de limpeza que os fez alcançar a pureza do seu interior, mas são aqueles que fazem o processo de manutenção deste ambiente. Afinal, tudo que está limpo tem a tendência de, com o tempo, acumular novamente sujeira. Para que isso não ocorra podemos mais uma vez recorrer aos ensinos de Paulo quando afirma que não basta tirar a roupa suja, devemos colocar a roupa limpa (Efésios 4:22-24) e também ocupar o nosso pensamento com elementos que combatam a impureza que porventura queira brotar em nosso coração (Filipenses 4:8).

   Por que deve ocorrer: se sem fé é impossível agradar a Deus (Hebreus 11:6), sem um coração limpo é impossível se aproximar d’Ele. No livro do profeta Isaías o Senhor afirma que Ele deseja ter um relacionamento íntimo com o Seu povo, relacionamento este baseado em diálogo e bênçãos. Entretanto isso não ocorria porque os pecados do povo faziam uma parede de separação entre eles e o Senhor (Isaías 59:1-2). No contexto da mensagem de Isaías temos um povo que tentava se aproximar de Deus cumprindo todos os rituais de purificação, mas o coração estava longe do Senhor, como o próprio Deus disse: “Este povo se aproxima de mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim” (Isaías 29:13).

   O rei Davi também afirmou que aqueles que desejam se aproximar de Deus devem ter um coração puro: “Quem subirá ao monte do Senhor? Quem há de permanecer em seu santo lugar? O que é limpo de mãos e puro de coração” (Salmos 24:3-4). Nesses versos Davi não retrata apenas a ação de estar diante da presença de Deus, mas também em permanecer junto d’Ele e um dos requisitos para os que almejam esta bênção é ser puro de coração. A mesma promessa também está contida na bem-aventurança: aqueles que tem um coração limpo verão a Deus e permanecerão diante da Sua presença.

   O escritor do livro de Hebreus afirma também a necessidade de um coração lavado e purificado para entrar e habitar no Santuário do Altíssimo. O mesmo também aponta Jesus como sendo Aquele que nos purifica, qualificando-nos para tal ação:

   “Portanto, meus irmãos, tendo ousadia para entrar no Santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu, isto é, pela sua carne, em tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos com um coração sincero, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e o corpo lavado com água pura”. (Hebreus 10:19-22)

   Outro motivo pelo qual a limpeza e purificação do coração devem ocorrer é porque ele tem a tendência de nos enganar. Através do profeta Jeremias o Senhor afirma: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto. Quem poderá entendê-lo?” (Jeremias 17:19). Por si só e devido aos efeitos do pecado na humanidade, o coração humano não produz frutos dignos. O homem é naturalmente mau. Notemos a dificuldade que temos para ensinar coisas boas aos nossos filhos e o trabalho que dá fazer com que eles absorvam esse conhecimento. Mas, como é fácil e natural que eles façam coisas erradas, mesmo que nunca tenham sido ensinados! Como diz Lopes: “O mal não vem de fora, mas de dentro do homem. Nós fomos concebidos em pecado, nascemos em pecado e dentro de nós pulsa um coração carregado de pecado”51. Por isso faz-se necessário que ocorra de dentro para fora a limpeza que nos dará corações limpos.

 

A FELICIDADE DE TER UM CORAÇÃO PURO

   Como já vimos anteriormente, a maior bênção para os limpos de coração é poder um dia ver o Senhor face a face. Não há objetivo maior para os filhos de Deus. Não haverá alegria igual a essa. Os limpos de coração são pessoas felizes, pois sabem a recompensa que lhes aguarda e nada pode tirar-lhes a certeza de estar com o Pai. Esta felicidade o sustenta e fortalece para manter-se neste estado contínuo de limpeza em seu coração. Essa pessoa se esforça para não manchar o seu coração com qualquer resquício de pecado, pois tem como objetivo “ver o Senhor”.

   Além desta maravilhosa e incomparável bênção, os limpos de coração desfrutam do benefício de poder abençoar os que estão ao seu redor de diversas maneiras. Nós podemos até esconder ou disfarçar a tristeza do nosso coração, mas a felicidade é algo impossível de não ser manifestado. Assim o sábio disse: “O coração alegre embeleza o rosto” (Provérbios 15:13). Jesus afirmou que o homem bom tira do seu coração coisas boas (Lucas 6:45a), ou seja, um coração bom produz bondade.

   Os limpos de coração não só agem de uma maneira diferente, mas falam de uma maneira diferente. Paulo diz que aquele que foi regenerado em Cristo Jesus não profere palavras torpes, “mas unicamente a que for boa para a edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem” (Efésios 4:29), concordando assim com o que Jesus ensinou quando disse que “a boca fala do que está cheio o coração” (Lucas 6:45b). Isso nos faz refletir sobre as nossas palavras: elas são palavras de bênção ou maldição? Deus é louvado através do nosso falar? De que maneira o nosso falar nos denuncia?

 

CONCLUSÃO

   A felicidade na ética do mundo vive de aparências, mas a felicidade na ética de Deus vive da essência. Enquanto as pessoas nos julgam pelo que elas veem, Deus conhece o nosso interior. Que o nosso objetivo através do estudo de hoje seja alcançar um coração limpo. Talvez para alcançar esse alvo tenhamos que fazer a oração de Davi: “Sonda-me ó Deus, e conhece o meu coração [...] vê se há em mim algum caminho mau”. (Salmos 139:23 e 24). Talvez ainda não tenhamos alcançado a verdadeira felicidade porque vivemos presos a religiosidade, preocupados demasiadamente com que as pessoas veem em nós e esquecemos d’Aquele que “nos sonda e nos conhece” (Salmos 139:1). Se o nosso objetivo maior não for “ver o Senhor” naquele grande e esperado dia, certamente não alcançaremos um coração puro. Lembremos que onde estiver o nosso tesouro também ali estará o nosso coração (Mateus 6:21). A limpeza e purificação exterior estão ligados a ritos cerimoniais que são executados por ações humanas, mas a pureza de coração só é alcançada pela ação de Deus em nossa vida. O Senhor nos pede um coração que somente Ele pode nos dar. Davi sabia disso e em sua oração pediu: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto” (Salmos 51:10).

 

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE

1. Como a questão da “aparência” versus “essência” pode ser aplicada à bem-aventurança estudada hoje?

R.

2. Por que os religiosos judeus dos dias de Jesus tinham dificuldade de assimilar a questão da limpeza e pureza interiores?

R.

3. Que exemplos de rituais de purificação que os judeus praticavam você conhece? (Mateus 15:2; 23:25). Que exemplos de atos exteriores as pessoas em nossos dias praticam para demonstrar “o quanto são puras”?

R.

4. Qual a recompensa para aqueles que são limpos de coração? Como isso influencia aqueles que andam por este caminho?

R.

5. Como ocorre a purificação nos filhos de Deus e por que isso é importante?

R.

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