Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para compreender, para corrigir, para instruir em justiça;    

2 Timóteo 3:16

INTRODUÇÃO

    Em um trimestre anterior, estudamos sobre as diversas discussões cristológicas que envolveram os teólogos cristãos nos primeiros séculos da história da Igreja. Como conciliar o ensino bíblico a respeito da humanidade e da divindade de Jesus? A Igreja teve de estudar muito essas questões, a fi m de apresentar a doutrina ortodoxa bíblica, nos Concílios de Niceia (325 d.C.) e Calcedônia (451 d.C.). Da mesma forma que a respeito de Cristo, que é a Palavra encarnada (João 1:14 Apocalipse 19:13), controvérsias surgiram também na história do Cristianismo quanto à Bíblia, a Palavra escrita.

   A Bíblia é ao mesmo tempo um livro escrito por seres humanos, mas que reivindica ter sido inspirada por Deus. O que isso exatamente significa? Como conciliamos ou equilibramos as autorias humana e divina no sagrado livro? Apresentaremos nessa lição a definição bíblica da doutrina da “inspiração”, e a seguir, continuando na lição da próxima semana, procuraremos corrigir algumas visões equivocadas que já foram propostas para responder a essas importantes perguntas.

 

COMPREENDENDO A INSPIRAÇÃO

   Dois textos importantes para entendermos o que a Bíblia afirma a respeito de sua produção são 2 Timóteo 3:16-17 e 1 Pedro 1:19-21: “toda a Escritura é inspirada por deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra.”; e “assim, temos ainda mais firme a palavra dos profetas, e vocês farão bem se a ela prestarem atenção, como a uma candeia que brilha em lugar escuro, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em seus corações. antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de deus, impelidos pelo Espírito santo.” .

   A palavra empregada por Paulo no grego, traduzida como “inspirada por Deus” é “theopneustos”, cujo significado é “soprada por Deus”. Vemos assim que a própria Bíblia reivindica a si uma origem sagrada. A expressão “Assim diz o Senhor” e outras equivalentes, como um carimbo de autenticidade divina, ocorrem mais de 2,6 mil vezes nos seus 66 livros. Como podemos definir a inspiração?

   R. Laird Harris define a inspiração como a “obra do Espírito Santo em indivíduos escolhidos por Deus, através do qual a pessoa é levada a falar ou escrever, em seu próprio idioma, exatamente as palavras de Deus, sem que cometa erro algum com respeito a fatos, doutrinas e juízos”. Josh McDowell e Don Stewart, de forma semelhante, relacionam a inspiração com a ação do Espírito Santo, “de forma única e sobrenatural para que as palavras escritas dos homens que registraram as Escrituras correspondessem também às palavras de Deus.”

   Deus utilizava os profetas e controlava a mensagem transmitida, mas sem violar seus estilos de redação e personalidades. “O fato é que a Escritura é de autoria dupla. Deus escreveu e os homens escreveram. Deus escreveu por meio de instrumentos humanos.” Geisler e Nix afirmam que a inspiração possui três elementos essenciais: a causalidade divina, a mediação profética e a autoridade escrita.

1. Causalidade divina indica que Deus é a fonte primordial e a causa primeira da inspiração. Deus revelou aos profetas certas verdades sobre a fé e esses homens as colocaram por escrito.

2. Mediação profética quer dizer que os escritores bíblicos não foram simples secretários de Deus. Ao transmitirem a revelação vinda de Deus, utilizaram seus estilos literários e vocabulários individuais.

3. Autoridade escrita significa que a Bíblia é o padrão final em relação a questões doutrinárias e éticas. Qualquer controvérsia teológica deve ser resolvida à luz de suas declarações. Isso é exatamente o que afirma a Declaração de Fé Batista do Sétimo Dia:

“Cremos que a Bíblia é a palavra inspirada de Deus e é nossa autoridade final em assuntos de fé e prática cristã. Cremos que Jesus Cristo, em sua vida e ensinos, como registrados na Bíblia, é o intérprete supremo da vontade de Deus para o ser humano.”

   Por ser inspirada por Deus, a Bíblia não apresenta erros internos ou contradições, uma vez que Deus não pode mentir (Tito 1:2). Essa tem sido a convicção da Igreja Cristã desde o seu princípio. Citamos como exemplo a declaração de Justino Mártir (100-165 d.C.), em sua obra “Diálogo com Trifão”: “Caso me objetem com alguma Escritura que pareça contradizer outra e que pudesse dar motivo a pensar isso, convencido como estou de que nenhuma contradiz a outra, de minha parte prefiro confessar antes que não as entendo.”

   Isso não quer dizer que toda a Bíblia seja igualmente de fácil entendimento, ou que nela não existam algumas dificuldades. Porém, “muitas dessas dificuldades já foram solucionadas por intermédio de descobertas a respeito de costumes e idiomas antigos. Assim, um cristão bem informado pode atribuir as dificuldades que ainda restam ao mero desconhecimento sobre detalhes do cotidiano e da história da Antiguidade.” À medida que nosso conhecimento histórico aumenta, muitas dessas dificuldades vão sendo respondidas. Mas podemos afirmar que, em tudo aquilo que é essencial à nossa salvação e prática cristã, a Bíblia é sufi cientemente clara (isso é conhecido como “perspicuidade das Escrituras”). Podemos utilizar duas palavras para caracterizar a inspiração da Bíblia: verbal e plenária. Plenária significa que “toda a Escritura é inspirada, e não apenas certos livros, certas partes de um livro ou certos tipos de material.”3

8 1. Paulo afirma que “Toda a Escritura é inspirada por Deus”. Sendo um todo inspirado, e não apenas em algumas partes, a Bíblia é inviolável. Nenhuma palavra pode ser a ela acrescentada ou dela retirada, em qualquer tempo, diz a Palavra: “declaro a todos os que ouvem as palavras da profecia deste livro: se alguém lhe acrescentar algo, deus lhe acrescentará as pragas descritas neste livro. se alguém tirar alguma palavra deste livro de profecia, deus tirará dele a sua parte na árvore da vida e na cidade santa, que são descritas neste livro.” (Apocalipse 22:18-19) 2. A inspiração é verbal, ou seja, se estende às próprias palavras que foram utilizadas pelos escritores. Cada palavra escolhida pelos autores estava em completa conformidade com a intenção de Deus. “delas também falamos, não com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito, interpretando verdades espirituais para os que são espirituais” (1 Coríntios 2:13 grifo nosso). A partir dessa visão geral, iremos agora avaliar os problemas em algumas teorias que tentam explicar o fenômeno da inspiração bíblica. INSPIRAÇÃO NATURAL 3. A teoria da inspiração natural (também chamada de “teoria da intuição”) é, de certa forma, o oposto da teoria do ditado. Enquanto a teoria do ditado minimiza a ação do homem, atribuindo quase todo o trabalho a Deus, a teoria da inspiração natural minimiza a ação de Deus, atribuindo quase todo o trabalho ao homem. 1. Essa teoria afi rma que a inspiração é uma capacidade de compreensão superior sobre as verdades morais e religiosas por parte do homem natural. Assim como artistas, músicos e poetas produziram obras de arte que nunca foram superadas por ninguém, também houve homens que possuíram elevada sensibilidade espiritual, e a partir de seus dons naturais, foram capazes de produzir as Escrituras. Esta é a visão mais baixa de inspiração. 2. Os profetas do Antigo Testamento eram considerados instrumentos da revelação de Deus ou Seus porta-vozes para o povo (Êx 7:1-2). Um profeta de Israel não era considerado apenas um homem profundamente espiritual, mas era visto como um indivíduo chamado por Deus para d’Ele receber revelações (Números 12:2-8).39 Os escritores da Bíblia reivindicam por diversas vezes que era Deus quem falava através deles. “o Espírito do senhor falou por meu intermédio; sua palavra esteve em minha língua” (2 Samuel 23:2); “E estendeu o senhor a sua mão, e tocou-me na boca; e disse-me o senhor: Eis que ponho as minhas palavras na tua boca” (Jeremias 1:9); “ao fi m dos sete dias a palavra do senhor veio a mim: ‘filho do homem’, disse ele, ‘eu o fi z sentinela para a nação de Israel; por isso ouça a palavra que digo e leve-lhes a minha advertência” (Ezequiel 3:16-17); “Irmãos, era necessário que se cumprisse a Escritura que o Espírito santo predisse por boca de davi, a respeito de judas, que serviu de guia aos que prenderam jesus” (Atos dos Apóstolos 1:16); “Bem que o Espírito santo falou aos seus antepassados, por meio do profeta Isaías” (Atos dos Apóstolos 28:25) 3. Uma outra evidência que refuta que a Bíblia é mero produto da intuição humana é o registro de suas profecias inspiradas. Harris afi rma que “as profecias são provas do caráter sobrenatural da Bíblia. A razão de sua existência é mostrar que Deus realmente falou à humanidade. O cumprimento de uma profecia era uma das maneiras de confi rmar que um profeta realmente falara da parte de Deus, conforme Deuteronômio 18:20-22”.40 De fato, o próprio Deus apresenta a profecia como o sinal indicativo da autenticidade de Sua mensagem: “lembrem-se das coisas passadas, das coisas muito antigas! Eu sou deus, e não há nenhum outro; eu sou deus, e não há nenhum como eu. desde o início faço conhecido o fi m, desde tempos remotos, o que ainda virá. digo: meu propósito fi cará de pé, e farei tudo o que me agrada” (Isaías 46:9-10). 1. Como poderia Isaías, com 150 anos de antecedência, saber que o nome do rei que iria libertar os judeus do cativeiro e permitir a reconstrução de Jerusalém seria Ciro (Isaías 44:26-28)? Ou como Jeremias poderia saber que o tempo exato do cativeiro dos israelitas na Babilônia seria de 70 anos (Jeremias 29:10)? E o que dizer de todas as profecias acerca do ministério do Messias, que foram escritas com séculos de antecedência e se cumpriram em Jesus? Como os profetas bíblicos poderiam, por mera “intuição”, saber acerca da sua linhagem (Isaías 11:1), modo sobrenatural (Isaías 7:14), cidade (Miquéias 5:2) e época (Daniel 9:24-27) de nascimento, o preço exato pelo qual seria traído (Zacarias 11:11-13), a forma da morte (Salmos 22:16) e sua ressurreição (Salmos 16:10)? Jesus Cristo cumpriu cerca de 300 profecias do AT, constituindo uma sólida confi rmação de que Ele é o Messias prometido.41 2. “Não há resposta satisfatória, a não ser que as profecias bíblicas são mensagens divinas, que não nos fornecem simplesmente meras impressões e sentimentos, mas sim informações e revelações claras da parte de Deus.”42 TEORIA DA ILUMINAÇÃO 3. Para a teoria da iluminação, a inspiração é simplesmente uma intensifi cação e elevação das percepções religiosas do crente, mas sem fornecer nenhuma orientação específi ca em relação àquilo que escreveram. Cada crente possui um certo grau de iluminação, fornecido pelo Espírito Santo, mas alguns têm mais do que outros. Essa teoria ensina que a inspiração dos escritores da Bíblia é a mesma que vem aos cristãos hoje quando oramos, pregamos, cantamos, ensinamos etc. 4. Friedrich D. E. Schleiermacher (1768-1834) foi quem disseminou esta teoria, defi nindo inspiração como “um despertamento e excitamento da consciência religiosa, diferente em grau e não em espécie da inspiração piedosa ou sentimentos intuitivos dos homens santos”. Se esta teoria fosse verdade, qualquer cristão em qualquer tempo seria capaz de escrever obras que poderiam ser consideradas Escrituras. 1. A inspiração comum do cristão pode ser permanente (1 João 2:27), ao passo que a dos escritores da Bíblia era temporária. Centenas de vezes encontramos nas Escrituras esta expressão dos profetas: “E veio a mim a Palavra do Senhor”, apontando um momento específi co em que Deus os utilizava para transmitir a Sua mensagem. Além disso, contra essa teoria temos o fato de que, diversas vezes, os próprios profetas não compreendiam a mensagem que o Senhor lhes entregava; logo, a inspiração não poderia ser um simples “despertamento” de sua consciência religiosa. 2. “Eu, daniel, fi quei exausto e doente por vários dias. depois levantei-me e voltei a cuidar dos negócios do rei. fiquei assustado com a visão; estava além da compreensão”(Daniel 8:27); “foi a respeito dessa salvação que os profetas que falaram da graça destinada a vocês investigaram e examinaram, procurando saber o tempo e as circunstâncias para os quais apontava o Espírito de Cristo que neles estava, quando lhes predisse os sofrimentos de Cristo e as glórias que se seguiriam àqueles sofrimentos” (1 Pedro 1:10-11). APLICAÇÃO 3. Por que Deus inspirou as Escrituras Sagradas? O mero conhecimento de que a Bíblia é a Palavra perfeita e infalível de Deus não é sufi ciente, se não a colocarmos em prática em nossa vida. Paulo, após falar da inspiração da Escritura, declara qual é sua utilidade para a Igreja (2 Timóteo 3:16-17): • Ensino: Ensinar quer dizer doutrinar. A Bíblia nos transmite a verdade sobre Deus. A Igreja apostólica considerava importante se manter na doutrina correta (Atos dos Apóstolos 2:42). A revelação especial é necessária para que conheçamos a Cristo, e conhecer a Cristo é necessário para a nossa salvação (Romanos 10:13). • Repreensão: Em segundo lugar, a Bíblia nos adverte contra erros, tanto de crença como de comportamento. O termo está intimamente ligado ao convencimento do Espírito Santo, mencionado em João 16:8. A Escritura é o instrumento que o Espírito Santo usa em Sua obra de conversão. • Correção. Corrigir é disciplinar, endireitar. A Bíblia não apenas nos repreende, como aponta o caminho do redirecionamento. Ela não apenas nos diz o que é errado, mas nos mostra como fazer e crer no que é o certo. • Instrução na justiça. O termo refere-se a ensinar um novato ou uma criança. A Bíblia nos treina, capacita ou educa em um viver piedoso. Ela é o padrão para a santifi cação na vida cristã. • Preparo para a boa obra. Paulo conclui dizendo que a Escritura prepara o cristão a ser “perfeito e perfeitamente habilitado”. O estudo e assimilação de suas verdades nos levam a um viver santo e amoroso, conformando-nos à imagem de Cristo. A doutrina correta deve produzir a prática correta. “Perfeito” traz a ideia de completo, efi ciente. CONCLUSÃO 1. Sendo a Escritura sufi ciente para o desenvolvimento da maturidade cristã, torna-se desnecessário crer em revelações extra-bíblicas, seja na forma de “profetas” ou “apóstolos” modernos, que afi rmam ter a mesma autoridade que os profetas e apóstolos bíblicos possuíram. Alguém disse de forma correta que a Bíblia é o único livro cujo autor está sempre conosco no momento da leitura. Apeguemo-nos, portanto, cada vez mais, com fi rmeza e esperança à Palavra que nos foi revelada. “Como eu amo a tua lei! medito nela o dia inteiro” (Salmos 119:97); “quando as tuas palavras foram encontradas eu as comi; elas são a minha alegria e o meu júbilo, pois pertenço a ti, senhor deus dos Exércitos” (Jeremias 15:16); “a relva murcha, e as fl ores caem, mas a palavra de nosso deus permanece para sempre” (Isa 40:8).QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE 1. Qual é o signifi cado original da palavra “theopneustos”? O que isso nos diz sobre a origem da Bíblia? R._______________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 2. O que os termos “verbal” e “plenária” indicam, quanto à inspiração da Bíblia? R._______________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 3. Segundo os estudiosos Geisler e Nix, quais são os três fatores que defi nem a inspiração bíblica? R._______________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 4. Cite textos bíblicos que mostram o erro das teorias do ditado e da inspiração natural. R._______________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 5. Como você contestaria a teoria da iluminação? R._______________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________

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