O famoso ditado do lorde Acton especula a probabilidade do poder de corromper as pessoas, e a História é cheia de exemplos. Nós não devemos, no entanto, ficar surpresos de ver uma pessoa que governa e abusa quando está no poder. Entretanto, o mais otimista entre nós deve ainda ter esperança de achar exemplos de pessoas que não foram corrompidas pelo poder. Na Bíblia, nós encontramos exemplos de tais pessoas freqüentemente em lugares inesperados.

 

Infelizmente, nós também encontramos pelo menos um exemplo no qual alguém que nós não esperávamos não resiste à tentação de abusar do poder. É o rei Davi, que se descontrola ao fazer mau uso do poder e, então, faz grande esforço tentando encobrir tudo.

Resumindo a história que nos leva ao nosso enfoque hoje, devemos olhar 2Samuel 11. Aqui descobrimos que o Rei Davi, por razões desconhecidas, permanece em Jerusalém enquanto ele manda seu exército para a guerra. Em uma noite, está no telhado do seu palácio quando espiona uma mulher, Bate-Seba, a esposa de um dos seus soldados. Ela está tomando banho perto da janela. Num caso clássico de abuso de poder real, Davi intima a mulher a ir para seu palácio e deita-se com ela. A situação torna-se mais complicada quando Bate-Seba fala que engravidou. Em resposta a esta revelação, Davi trama a morte do marido de Bate-Seba para poder fazer dela sua mulher. O plano é bem-sucedido e, como está escrito no início do capítulo 12, ninguém aparece para desvelar seu segredo.

Os perigos em denunciar

 Em toda a sua conspiração, entretanto, Davi consegue esquecer a parte que certamente não deixaria tal abuso de poder ficar sem resposta: Deus envia Natã, o profeta, para confrontar o rei (versículo 1). A ordem de Deus a Davi coloca Natã em perigo, pois Davi já tinha demonstrado ânsia por mentir e matar com a finalidade de manter seu pecado secreto. Como rei, Davi possuía poder sobre a vida e a morte no seu reino, então Natã, para honrar seu compromisso com Deus e confrontar Davi, tomou bastante coragem e também tomou fé de que Deus o preservaria. Um rei pecador matando um profeta justo não seria notícia naquela parte do mundo, e na verdade muitos dos sucessores de Davi criaram o hábito de fazer isto. Nos nossos tempos, quando os pecados do poder são expostos, aqueles que os expõe freqüentemente têm de lidar com quem é exposto. Hoje em dia, estes contadores da verdade são chamados de informantes. Apesar deste termo não existir no tempo de Davi, é certo chamar Natã de denunciante nesta história.

Foi exatamente como ele falou

Contudo, porque Natã foi enviado para corrigir o Rei Davi, não significava que ele teria de enfrentar o rei diretamente. Na verdade, o método de exposição do pecado de Davi por Natã é bem engenhoso e mostra uma lição importante. Em vez de entrar caminhando pela corte do rei dizendo, “Eu sei o que você fez, e foi errado”, Natã escolhe contar uma parábola de mesmo tópico geral, a qual deixa Davi condenar-se por suas próprias palavras. Nos versículos 1b–4, Natã conta a história de um homem rico que rouba uma ovelha de alguém sem posses, a fim de alimentar convidados em um jantar. Como rei, Davi costumava presidir casos como este, como última instância da lei daquela terra. O veredito que ele pronuncia no caso desse criminoso – a reparação quádrupla – é retirado diretamente de Êxodo 22:1. Reagindo com raiva ao pronunciar o veredito, Davi agora condenou-se inadvertidamente.

Ironicamente, a raiva de Davi, provocada pela história de Natã, volta-se para ele. Nesse momento, Natã levanta a cortina da sua parábola e mostra ao rei que aquele homem fazendo o julgamento e o homem sendo julgado são a mesma pessoa. O jogo terminou e Davi pronunciou uma sentença de morte contra ele mesmo!

A prova

Esta troca entre Davi e Natã não era uma conversa privada numa sala silenciosa, mas uma troca pública diante da corte inteira de Davi. Assim sendo, as palavras de Natã a Davi nos versículos 7–12 foi o desmantelamento de uma rede cuidadosamente tecida de farsa criada por Davi para esconder seu pecado. Os detalhes deste pecado “privado” foram revelados ao mundo: Davi cometera adultério e assassinato. Percebe-se nas palavras do Senhor a Davi o contraste entre o valor que Deus lhe deu (e continuaria a dar), comparado ao que Davi ganhou. Ao concluir suas palavras, Natã pronuncia o julgamento do rei: Davi lutará para manter seu reino até o dia em que morrer, e a paz que ele busca não será a dele. Ainda mais, um dos próprios filhos de Davi o desonrará em plena luz do dia. (Veja 2Samuel 16:15–23 para o cumprimento dessa profecia). Esta proclamação pública do pecado secreto do rei e o pronunciamento subseqüente do julgamento, são eventos que trazem muito perigo para Natã: Será que o rei buscará revanche do mensageiro que o expusera e sentenciara-o? Para crédito seu, Davi recebe esta punição do Senhor, e, ao confessar o seu pecado perante a sua corte inteira (versículo 13 e Livro dos Salmos 51), ele honra a coragem que habilitou Natã ao enfrentá-lo. Após esta confissão, Natã informa Davi que o Senhor será mais misericordioso do que o próprio Davi poderia ser (ver v. 5), porém também conta para Davi que o filho que Bate-Seba concebeu irá morrer. Esta morte ocorreu mais tarde.

A coragem de permanecer Em termos de recompensas, Natã permaneceu para obter nada por aproximar-se de Davi nesta história. Tudo o que o aguardava era a possibilidade da morte, e assim mesmo Natã foi. Nós devemos entender a realidade do risco que Natã correu nesta história e também a fé na qual este tipo de bravura é baseada. Num momento da vida dele, Natã tomou uma decisão para servir como porta-voz do Senhor diante de Davi. Quando tomou esta decisão, ele não teria como saber que um dia isto o levaria a uma situação que poderia matá-lo. Ainda assim, nós não temos indicação na história de que Natã tenha hesitado nem mesmo por um instante em ficar diante de Davi. A obediência dele é uma afirmação forte sobre sua fé, e sobre o Deus fiel do qual ele dependia. Lembre-se, também, de que Natã permaneceu para ganhar muito pouco para si nesta história, as suas ações ajudaram a transformar Davi (e talvez todo Israel). As palavras de Natã corrigiram o caminho e devem ter salvado muitas vidas. Nós todos devemos lembrar que nossa fé e resposta em Deus podem ser a ferramenta usada para salvar mais alguém. Por causa de nosso compromisso com Deus, podemos ser chamados a fazer coisas perigosas ou desconfortáveis.

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