Texto de Estudo

Êxodo 20:2:

2 Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.

 INTRODUÇÃO

Se o livro de Gênesis relata a origem do mundo e da vida (pelo ponto de vista da fé), a qual inclui especialmente a raça humana, o Êxodo narra os primeiros passos de uma fé monoteísta pós-patriarcal, que viria a se estruturar nas bases de uma Lei codificada. Acho É interessante que Deus tenha criado o mundo e tudo que nele há a partir do nada (ex nihilo). No que diz respeito á fé de Israel, a mesma ocorreu num contexto religioso pré-existente. Ou seja, ao estabelecer uma diretriz de vida de adoração para os hebreus, conforme podemos ver sintetizada nos Dez Mandamentos (ou Dez Palavras), Deus não o fez em meio a um vácuo religioso. O povo hebreu já estava imerso em um contexto religioso civilizado, isto é, que fazia parte da vida particular e pública deles. 

Isso mostra uma continuidade do propósito de Deus, contida em duas fontes bíblico-históricas, abarcando um período extremamente vasto da existência humana. Apesar de o orgulho humano ter criado seus próprios caminhos, Deus não abandonou a obra-prima de sua criatividade – o Homem. Todavia, é de amargar o fato de que esse período foi suficiente para que o ser humano fosse longe com seus empreendimentos culturais. Pois, a parte da semente de Adão que foi se afastando progressivamente do Criador abriu espaço para o politeísmo. Para promover uma ruptura, o Criador tomou a decisão de se revelar ao seu povo. E usou como mediador o hebreu de dupla nacionalidade, Moisés (isto é, hebreu de nascimento, mas egípcio de criação), como líder da empreitada.  E, assim, teve início um longo e significativo capítulo da história do povo de Israel. Ao receber a Lei, o Senhor fez um pacto com aquele povo, que centralizou a existência do povo na fé, ou em sua religião. Posteriormente, Israel teria um organismo político e social mais desenvolvido, mas não sem antes estruturar tudo isso no núcleo da revelação e da fé.  

 

O FUNDAMENTO DOS MANDAMENTOS: O ATO REDENTOR

Antes de prescrever qualquer mandamento para o povo, o Senhor Deus, no papel de promotor ou propositor do pacto, lembrou aos beneficiários (os filhos de Israel) o ato de resgate operado. O estado em que Deus encontrara aquele povo foi o da escravidão. As pessoas gemiam sob o cetro do faraó.

Deus, então, interveio. A ordem desses fatores, ou seja, redenção em primeiro lugar e obediência em segundo, é muito importante. A Sociedade da Aliança jamais deveria gloriar em si mesma. Desde os primórdios, Israel deveria manter na memória aquele maravilhoso ato de redenção. Sem sombra de dúvida, a forma como Deus libertou o povo do Egito seria revivida por meio de uma espécie de memória coletiva. Toda a ênfase que possamos dar a esse momento histórico do povo de Israel jamais será exagerada. O objetivo não é ofuscar outros momentos também significativos da história desse povo, como foi o chamado de Abraão, por exemplo. Sabemos que o velho patriarca fora uma espécie de “primeiro capítulo”. Mas, no Sinai, nasceu uma sociedade com novos contornos. Como bem disse John Brigth, “foi fundada uma sociedade onde não havia nenhuma outra antes, uma sociedade baseada não no sangue, mas numa experiência histórica e numa decisão moral”. 

 

O PRIMEIRO MANDAMENTO

A primeira cláusula da aliança exigia obediência exclusiva ao único Deus-Rei. O Senhor Deus, também identificado como “o Deus dos antepassados” Abraão, Isaque e Jacó manteria um programa de bem-estar nacional sem igual. E o bem-estar viria por meio das bênçãos prometidas. 

“Eu sou o Senhor, teu Deus...”.  Moisés fez uma pergunta legítima em Êxodo 3:13. Uma coisa era a tradição ecoar nomes de peso, como Abraão, Isaque e Jacó. No entanto, aquela geração (a de Moisés), no entender de Moisés, precisaria de uma identidade que pudesse ser revelada a eles. Então, o Senhor disse: EU SOU O QUE SOU (Êx 3:14). Essa enigmática expressão identifica o Senhor como um ser em ação. Ou seja, que cria, traz a vida à existência. Mas, além disso, o Senhor Deus estava afirmando que não era um entre muitos. Isto é, Deus não estava se revelando como uma divindade mais forte entre outras mais fracas. A percepção de fé aceitável a Deus a ser entremeada no modus vivendi (modo de vida) da sociedade da aliança seria a de um Deus despojado de um panteão (sem a parceria de outras divindades). 

“Reconhecendo o único e verdadeiro Deus”. A expressão "o Senhor, teu Deus" é repetida cinco vezes nessa passagem (vv. 2,5,7,10,12), a fim de lembrar o povo da autoridade por trás desses mandamentos. Moisés não está relatando "dez opiniões" que ouviu de um conselheiro amigável, mas sim dez mandamentos proferidos pelo Deus Todo-Poderoso. Os hebreus viviam num mundo de nações cegas e supersticiosas, que adoravam a muitos deuses, algo que Israel presenciou durante séculos no Egito. Israel devia ser testemunha do verdadeiro Deus vivo (S I 115) e convidar os povos vizinhos a confiar nele. A expressão "diante de mim" pode significar "em oposição a mim". Para os israelitas, adorar a outro Deus seria o mesmo que declarar guerra a Deus (Yahweh) e atrair sobre si a ira do Senhor. A cada manhã, o judeu fiel declara: "Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor " (Deuteronômio 6:4). 

Eis um ser pleno, único, que não era apenas uma ideia abstrata, mas que personalizou seu pronunciamento àquele povo, dizendo: “teu Deus”. Ele seria de Israel, e de quantos mais aceitassem os termos da aliança. Mais pessoal e interativo que isso, impossível! Sua atitude também revela o alto teor de compromisso que Deus assumia com o povo. A ideia de pertencimento mútuo tornar-se-ia célebre também na boca dos profetas, como aparece em Jeremias 32:38: “Eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus. ”. 

“Não terás outros deuses diante de mim”. Essa frase começa com uma enfática partícula negativa no hebraico (lô). Mas o que se espera negar? Que não existam outros deuses diante do Senhor, ou além dele. E eis, certamente, um pedido radical. Como já foi dito, o contexto religioso que cercava o povo hebreu era composto de muitas divindades. Deus teria o direito de cobrar isso? Claro, pois, como Resgatador de ex-escravos, teria todo o direito de reafirmar sua soberania, exigindo fidelidade total. Ao dizer “outros deuses”, o Senhor não supunha que eles existissem com seres reais (ou seja, eles não existiam como o EU SOU O QUE SOU). Os deuses foram resultados de um efeito colateral causado pela entrada do pecado na realidade humana. Em vez de enxergarem o verdadeiro Deus, os seres humanos passaram a tatear e, como consequência, baratearam e confundiram a pessoa do Deus invisível. E “trocaram a verdade de Deus,... e adoraram as coisas e os seres criados, em lugar do Criador” (Romanos 1:25). As civilizações desenvolviam-se e, alheias à revelação de que só o Criador poderia dar, acabaram tecendo uma complexa concepção religiosa, entretecida com vários tipos de elementos “mitopoéticos” . 

 

O LADO POSITIVO DO MANDAMENTO

O lado positivo do primeiro mandamento é: Tenha o Senhor Deus como teu Deus. Afastadas as concepções errôneas, o povo teria um pavimento livre para entender melhor o Deus que falara com Moisés e que comissionou a nação para ser luz aos gentios. Diferentemente do universo religioso que predominava na época dessa geração de hebreus, o Deus que se revelara não estava sujeito aos fenômenos da natureza, como os paganismos concebiam. 

Ainda que Deus tenha enfatizado o ciúme que sentia quando Israel ia atrás de outros deuses, a profunda motivação do Senhor em proibi-los a respeito disso era que a idolatria empobrecia o ser humano enquanto homem. Uma vez que sua fé fosse canalizada a algo de valor inferior, até o próprio ser humano (cf. Salmos 8), o que se poderia esperar senão um empobrecimento do ser humano enquanto ente religioso? No texto do profeta Jeremias, no capítulo 10, encontramos uma verdadeira defesa que Deus faz de si mesmo em contraste com os deuses. A narração não revela as lamúrias de um Deus com “dor de cotovelo”, mas do Senhor que revela a insensatez presente no ato da idolatria. Apesar de isso ser tão claro para os que abandonaram a idolatria, nossa liberdade só veio por causa da intervenção divina; e, não, pelo aperfeiçoamento de nossa mente. Sem a graça divina, o homem não encontra Deus. Encontrará a si mesmo, numa caricatura divina! 

 

A REALIDADE DO PLURALISMO REIGIOSO HOJE

O pluralismo religioso de nossos dias reveste-se de tensões semelhantes aos dias em que Israel foi chamado para adorar ao Senhor no deserto. Diferentemente do que os prognósticos modernistas afirmavam, a religião não morreu. Nem mesmo a era do cientificismo foi forte o bastante para arrancar de dentro do homem a sede de adorar algo ou alguém. Contudo, também diferente do que esperavam os cristãos mais otimistas, a fé de nossos dias mostra um quadro religioso tão diverso, e baseado em tantos paradigmas de espiritualidade, que fica cada vez mais difícil falar do Cristianismo. E, sim, dos cristianismos. Isso sem mencionar a relação com as religiões de outras matrizes (Budismo, Islamismo, etc.), porque isso, hoje, não basta mais. 

Voltando ao ponto salientado nas primeiras linhas deste tópico, em que nossa época apresenta semelhança à que Israel foi chamado a sair do Egito. Assemelha-se quanto ao fato de que ainda é exigida de nós uma ruptura com o sistema circundante; uma ruptura com nós mesmos. É fato que recebemos influência do legado cultural em que nascemos. Porém, também é notável o fato de que cada indivíduo, dentro de sua geração, faz escolhas que caracterizarão as próprias experiências. Logo, não poderemos evitar os alaridos resultantes dos debates sobre a fé. Mas o importante é que pelo menos haja o diálogo. Devemos levantar como questão fundamental diante das pessoas as quais evangelizamos que o fato não é o que “nós” achamos (ocidentais, orientais, brancos, negros, o pobre ou o rico) e, sim, o que Deus acha. A realidade de que as pessoas não aceitam mais o que a Bíblia afirma como verdade, é mais um ponto de atrito em meio a tantos outros. 

Aquele que professa fé no Deus Criador e Sustentador, e que nos ofereceu apenas um caminho para ele (Jesus), não se livrará da corrente em sentido contrário, cuja força tende a tangê-lo para um perímetro no qual tenha diante de si um letreiro: “tolerância”. Mesmo hoje em dia, o cristão que diz “não” à idolatria sabe que sua proclamação gerará desconforto nos ouvintes; principalmente em uma época em que o conceito do que é a verdade fragmentou-se tanto que não há mais como rastrear sua base. A voz que urge de Êxodo 20:3 não é uma voz social. A voz que dali urge é a daquele que criou tudo e todos e ainda quer saber se seguiremos só a sua voz, ou não. 

 

CONCLUSÃO

Cada um dos Dez mandamentos tem seu propósito e fundamento. Até mesmo sua distribuição ordenada parece ter uma lógica. Talvez seja por isso que o mandamento que estudamos hoje tenha vindo em primeiro lugar. Se não dermos a Deus seu legítimo lugar, se não tivermos feito dele o Senhor de nossa vida, todos os outros mandamentos serão apenas regras morais sem poder maior do que milhares de outras boas ideias.  E por que o homem ainda precisa deste mandamento? Ninguém ensina um bebê a ter fome e sede; é a natureza quem faz isso. Todavia, ensinamos a nossos filhos quais são os elementos próprios a saciarem a fome e a sede. A crença e a adoração são instintivas no ser humano. O homem foi criado incompleto em si mesmo, e não se sente perfeitamente bem enquanto não satisfaz sua fome profunda – o anseio de sua alma. O perigo está no fato de ele poder perverter esse instinto de adoração e criar para si um deus falso.  Por isso, há o mandamento “não terás outros deuses diante de mim”. Foi o Senhor quem nos criou, libertou e redimiu-nos. Não há outro deus além dele. O primeiro mandamento protege-nos para que não procuremos e não sirvamos o que não existe. 

 

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