Texto de Estudo

Êxodo 24:12:

12 Então disse o SENHOR a Moisés: Sobe a mim ao monte, e fica lá; e dar-te-ei as tábuas de pedra e a lei, e os mandamentos que tenho escrito, para os ensinar.

 

INTRODUÇÃO

A narrativa inicial do livro de Êxodo envolve-nos de tal forma que, a cada verso que lemos, ficamos apreensivos, aguardando a libertação divina sobre aquele povo duramente escravizado. As manifestações do Deus Altíssimo sobre o Egito enchem-nos, ao mesmo tempo, de temor e conforto, pois percebemos o poder divino sobre os opressores e suas misericórdias sobre seu povo. O ápice da história encontra-se no anúncio do Decálogo, feito por Deus, no Monte Sinai, descrito no capítulo 20. 

Os Dez Mandamentos, designados de Decálogo na linguagem teológica, pertencem aos textos do AT mais conhecidos e historicamente importantes. Aqui, a totalidade da ética humana aparece de forma extraordinariamente concisa e concentrada, tanto em vista do comportamento em relação a Deus quanto do comportamento em relação às outras pessoas. Por isso, pode-se considerar o Decálogo a culminância e o resumo do direito veterotestamentário, sendo que a expressão “direito” é utilizada aqui em sentido amplo. Temos diante de nós normas que se dirigem a cada um de maneira direta, normalmente na forma negativa da proibição “Não farás...”, em dois casos na forma positiva “Farás...”. Não há determinações penais para o caso de transgressão; espera-se e pressupõe-se o cumprimento dos mandamentos como algo óbvio.  

Este estudo procurará abordar a definição e as denominações dos Dez Mandamentos, a natureza e os propósitos da Lei de Deus. Também faremos uma breve análise do capítulo 24 de Êxodo, com o objetivo de levantarmos questões relevantes acerca da confirmação da entrega do Decálogo. 

 

DEFINIÇÕES E DENOMINAÇÕES

Após três anos da saída do Egito, Deus convocou o povo para um concerto, mediante a outorga da Lei, no Monte Sinai. As Leis, entregues em tábuas, adquiriram várias denominações. Em Deuteronômio 4:13 são chamados de “As Dez Palavras”. Nesse texto, também encontramos “pacto”. Em Êxodo 19:5, o termo usado foi “minha aliança”. Os Dez Mandamentos ainda são denominados de Leis Morais, porque contêm e estabelecem regras à regulação dos costumes ou de conduta dos homens. Frequentemente, são chamadas de Decálogo, tradução literal do grego.  

Os Dez Mandamentos encabeçam uma lista de leis denominadas mosaicas. Dentre elas, encontramos o Código da Aliança (Êxodo 20:22; 23:33), o Código da Santidade (Levíticos 17:26), o Código Sacerdotal (restante do livro de Levíticos) e o Código Deuteronômico (Deuteronômio 12). Apesar de tal divisão ser pertinente, os diversos códigos eram vistos pelo povo hebreu como uma única Lei. Conforme afirma Pfeiffer, “a lei é uma, e toda a lei é espiritual, quer trate de colheitas, criminosos ou adoração”. 

A lei é identificada na Bíblia Hebraica como sêpher ha-torãh, "o livro da lei" (Deuteronômio 31:16; Josué 1:8); ou simplesmente ha-tôrãh, "a lei" (Neemias 8:2 7:13). A palavra "Torá" significa basicamente, "instrução, ensino, lei" e aparece no Antigo Testamento com o sentido mais amplo de coleção ou sumário de instrução, código de lei (Êx 24:12; Deuteronômio 1:5) ou regra particular (Êx 16:4). O termo se aplica também a norma ou instrução meramente humana (2 Samuel 7:19) e ainda como instrução dada por humanos para a educação na literatura sapiencial (Provérbios 1:8; 3:1; 6:20). Esse vocábulo é usado no plural: "Estes são os estatutos, e os juízos, e as leis que deu o SENHOR entre si e os filhos de Israel, no monte Sinai, pela mão de Moisés" (Levíticos 26:46). 

O Decálogo é identificado no Antigo Testamento pela expressão hebraica ãsseret haddevãrim, literalmente "as dez palavras". O termo só aparece três vezes na Bíblia, no Pentateuco (Êx 34:28; Deuteronômio 4:13; 10:4), traduzido por "dez mandamentos" em nossas versões, exceto na Almeida Revista e Atualizada (Êx 34:28). É identificado também como "estas palavras" que Javé falou (Êx 20:1; 34:27; Deuteronômio 5:22) ou ainda "as palavras do concerto" (Êx 34:28). Estas dez palavras estão esboçadas em somente dois lugares na Bíblia, no Pentateuco (Êx 20:1-17; Deuteronômio 5:6-21). O Decálogo é a única parte do Pentateuco escrita "pelo dedo de Deus" (Êx 31:18). 

Há duas dimensões no Decálogo: a vertical e a horizontal. Os quatro primeiros mandamentos, a dimensão vertical,  incluem os deveres do homem para com Deus. Os seis restantes, a dimensão horizontal,  dizem respeito aos deveres do ser humano para com seus semelhantes.  Sobre essa perspectiva das Leis Divinas, a primeira pedra (contendo o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto mandamentos) compreende todo o sistema de teologia, a noção verdadeira da natureza divina, a reverência que devemos e o serviço religioso a se render a ele. A segunda, contendo os seis mandamentos seguintes, compreende um sistema completo de ética, ou deveres morais, que o homem tem para com os semelhantes, e sobre o desempenho devido de que a ordem, a paz e a felicidade da sociedade dependem. Por essa divisão, a primeira tábua contém o nosso dever a Deus; e a segunda, o nosso dever para o próximo. Essa divisão, bastante natural, remete-nos ao grande princípio: o amor a Deus e o amor ao próximo, por meio do qual toda a Lei é cumprida. 

Em uma de suas cruzadas evangelísticas, Billy Graham afirmou que os Dez Mandamentos são as Leis morais de Deus para a conduta das pessoas. Alguns pensam que eles foram revogados, mas não é verdade. Cristo ensinou que a Lei e os mandamentos estão em vigor hoje. Deus não mudou; as pessoas é que têm mudado. A Bíblia diz que todos pecaram e destituídos estão da glória divina. Os Dez Mandamentos são um espelho para nos mostrar como ficamos aquém em preencher os requisitos de Deus. 

 

A NATUREZA DA LEI DE DEUS E SEU USO

Ao analisarmos alguns aspectos da natureza de Deus, compreendemos que o Decálogo é a pura expressão divina e que nos leva à conclusão de que ainda está em vigor por conta de alguns aspectos. 

Em primeiro lugar, os Dez Mandamentos representam a presença de Deus. O criador entregou a Moisés as duas Tábuas da Lei escritas com o próprio dedo. A origem dos mandamentos, que se assemelha à formação de Adão, sugere-nos seu caráter santo. Em segundo lugar, a Lei reside no cerne do novo pacto. O profeta Jeremias, no capítulo 31, afirmou: “a aliança que Deus fará com a casa de Israel depois daqueles dias diz o Senhor: Porei minha Lei no seu interior e a escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo”. (v.33) Por fim, a Lei reflete o caráter de Deus. Há uma relação direta entre as atribuições que a Bíblia atribui a Deus e aquelas direcionadas aos Dez Mandamentos: Deus é bom (Salmos 143:10); a Lei é boa (Deuteronômio 12:28). Deus é Santo (Isaías 6:33); a Lei é Santa (Números 15:40). Deus é perfeito (Salmos 18:30); a Lei é perfeita (Tiago 1:25). Deus é justo (Deuteronômio 32:4); a Lei é Justa (Pv. 28:4). Deus é reto (Deuteronômio 32:4); a Lei é reta (Deuteronômio 4:8). 

Os Dez mandamentos são uma faceta da revelação divina e estabelecem as colunas da Ética Cristã. A Lei não foi dada como meio de salvação, mas a um povo já salvo (Êx 19:4; 20:2) a fim de instruí-lo quanto à vontade do Senhor, para que pudesse realizar o propósito de Deus como "um reino de sacerdotes e uma nação santa" (Êx 19:6). A revelação foi concedida não para conceder vida, mas para orientá-la.  

De maneira geral, os cristãos encontram três utilidades para o uso dos Dez Mandamentos. Alguns denominam-nas “os três usos da Lei de Deus”: 

a) Civil: a finalidade é restringir o pecado e promover a justiça. Nesse sentido, a Lei produz um padrão externo de justiça, que pode ser aplicado na esfera civil. Se pensarmos nos sistemas normativos atuais, a ética judaico-cristã permanece em seu núcleo, na sua essência, inalterada, atravessando os diversos períodos da história do Direito e contribuindo para a pacificação social dos povos, tanto na antiguidade quanto na hoje em dia.  

b) Pedagógico: mostra-nos que somos pecadores e cria o entendimento de que necessitamos viver pelo Espírito. Assim, torna-se a tutora que nos conduzirá a Cristo.

 c) Didático: é regra moral de vida de cada crente para que vivamos, diariamente, de acordo com a vontade de Deus.

 

OS PROPÓSITOS DA LEI DE DEUS

Ao ampliarmos a noção dos três usos da Lei de Deus, podemos observar alguns propósitos fundamentais do Decálogo:

a) A Lei define pecado: A luta contra o pecado é um dos nossos maiores desafios neste mundo. Partindo do princípio de que a Lei define o pecado, ela é fundamental para lutarmos contra a iniquidade. Em sua Epístola aos Romanos, o apóstolo Paulo afirma: “Mas eu não conheci o pecado senão pela Lei, porque eu não conheceria a concupiscência se a Lei não dissesse: Não cobiçarás”.(Romanos 7:7

b) A Lei condena a transgressão: Os mandamentos mostram claramente as consequências destrutivas da conduta pecaminosa.  

c) A Lei conduz as pessoas a Cristo. A salvação não é mérito humano, mas é dom gratuito de Deus mediante a graça dele. O cumprimento da Lei, portanto, não pode nos salvar; porém, conduz-nos a Cristo. “De maneira que a Lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, para que, pela fé, fôssemos justificados.” (Gálatas 3:24) Assim, ela traz ao homem o desespero pela própria justiça e direciona-nos à verdadeira justiça de Jesus Cristo.  

d) A Lei restringe o mal. Quando entendemos que a infração da Lei nos traz consequências maléficas, verificamos que ela exerce um poder repressor sobre a alma humana. Se enfatizada na esfera pública, o medo da punição pode reduzir a prática da maldade.  

e) A Lei guia a santificação. O processo de santificação é obra do Espírito Santo. A Lei evidencia o padrão de comportamento justo, ordenado por Deus; portanto, fornece uma norma para que o cristão cheio do Espírito Santo possa conhecer o que Deus espera dele. “Porquanto o que era impossível à Lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da Lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito”. (Rm. 8:3-4) 

 

A CONFIRMAÇÃO DA LEI DE DEUS

O capítulo 24 de Êxodo registra as formalidades da outorga da Lei de Deus, observada na sequência de fatos e eventos que se desenrolam ao longo do texto. Após ter recebido os Mandamentos da Aliança, no monte, Moisés desceu ao encontro do povo, transmitiu a Lei para ele, selou o concerto com sangue do sacrifício e retornou ao monte com outras pessoas. Ao todo, foram 75 convocados para subirem ao monte e adorarem ao Senhor: Moisés e seu ministro Josué; Arão e seus filhos, que representavam o sacerdócio levítico; e os 70 anciãos, que eram as cabeças das tribos e das famílias. Apenas Moisés pôde se aproximar de Deus, como mediador da Aliança. 

A sequência de fatos narrados entre os versos 1 a 8 revela como Deus confirmou a aliança aos hebreus. No verso 3, Moisés repetiu ao povo todas as palavras da Aliança, e a população concordou com tudo que o profeta falara. Em seguida, Moisés escreveu uma cópia da Lei da Aliança de Deus (v. 4).  Após a concordância, Moisés construiu um altar e 12 monumentos na base do Monte Sinai. As colunas são símbolos das 12 tribos de Israel; e o altar, o próprio Deus.  O sangue, elemento que selava a aliança, foi aspergido sobre o povo, ao invés do altar, para que entendesse que aquela aliança não era mero símbolo  A Leitura da Lei, pela segunda vez, concluiu a cerimônia de seu recebimento. O povo declarou que obedeceria todas as normas estabelecidas por Deus. Moisés, então, respondeu: “Eis o sangue da Aliança” (v.8). Essa frase reaparece na solene fraseologia da Santa Ceia (Mateus 26:28). O próprio Cristo seria, sobre a cruz, não apenas o mediador de uma aliança (como Moisés), mas também o sacrifício que iniciaria a aliança. 

Os versos 9 a 11 narram que a aparição de Deus às pessoas que subiram o monte foi acompanhada de uma refeição. É importante notar que o termo “viram a Deus” significa que elas viram o reflexo da glória divina. “Nenhum mortal pode suportar a visão do esplendor de Deus: é apenas em Cristo que podemos ver o seu reflexo”. (Hebreus 1:3).  A refeição, na cultura hebraica, é uma prática social muito importante e exprime duas finalidades. A primeira é suprir a necessidade orgânica de subsistência, inerente a todo o ser humano. A atitude de comer com outras pessoas vai além da sobrevivência da espécie, mas se baseia na relação social do ser humano. É um ato que transcende a satisfação do instinto humano, tornando o comer um ato livre pelo qual o homem relaciona-se com o mundo, com os outros e com o próprio Criador.  A segunda finalidade mostra que, o comer junto, era uma manifestação clara de novas relações pacíficas, baseadas no aprofundamento do diálogo; portanto, o fim dos conflitos, ajudando a reativar os ânimos, a retomar o diálogo e a fazer caírem as barreiras que dividiam as pessoas, tornando-se momento privilegiado de ação de graças. 

Após a refeição, Deus convocou Moisés a subir o monte no qual recebeu as Tábuas da Lei, como vemos nos versos 12 a 18. Ao longo do Pentateuco, verificam-se as seguintes denominações às tábuas: Tábuas de Pedra (Êx 31:18); As duas Tábuas de Pedra (Êx 34:1,4); Tábuas da Aliança (Deuteronômio 9:9-15) e Tábuas do Testemunho (Êx 24:29; 31:18;32:15). Josué acompanhou-o nessa missão. Ele era o auxiliar pessoal de Moisés, que andava em sua companhia e prestava-lhe toda a forma de serviços, talvez até de guarda-costas. Sem dúvida, estava entre os amigos de maior confiança de Moisés. Mais tarde, tomou-se o principal comandante militar de Israel, bem como o sucessor de Moisés, que introduziu o povo de Israel na Terra Prometida.  

Durante os 40 dias e 40 noites da ausência de Moisés, a autoridade foi delegada a Arão e a Hur. Após esse período, Moisés e Josué retornaram do monte para encontrar a apostasia do povo. Fica claro por que Deus deu os mandamentos aos homens: “Onde não há revelação divina, o povo desvia-se, mas como é feliz quem obedece à Lei”! (Provérbios 29:18 NVI).

 

CONCLUSÃO

No Decálogo, Deus manifestou o seu caráter quanto à vontade de comunicação com o homem. E foi-lhe ensinado como deveria aproximar-se do caráter divino, ao cumprir e interiorizar em seu coração toda a vontade de Deus. As principais finalidades dos Mandamentos são o ensino e a instrução, provendo orientação espiritual eficaz, direcionando-nos a Cristo.