Texto de estudo

Mateus 6:6:

6 Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente.

 

INTRODUÇÃO

A passagem em estudo é parte central do Sermão da Montanha. Já foi dito que essa pregação é a exposição de Jesus sobre o que significa viver como filho do reino de Deus (Mateus 6:21). Em Mateus 6:1-18, Jesus reforça esse ponto falando sobre três atos de devoção a Deus: esmola para os pobres, oração e jejum (mencionados na ordem de importância que lhes era atribuída pelos judeus). Ele nos ensina a correta atitude para com Deus no cumprimento das práticas religiosas, destacando a diferença entre os filhos do reino e os religiosos de seus dias na forma como realizavam esses atos de devoção. Ele também alerta para os perigos de esses atos piedosos serem deturpados se praticados com o objetivo de “serem vistos pelos homens” (v. 5). Nosso texto, hoje, é parte dessa discussão.

 

O MOTIVO ERRADO PARA ORAR

A estrutura dos versos seguintes é relativamente simples. Além dos exemplos claros e relevantes, Jesus se valeu de frases-chaves, as quais ele repetia em seu sermão não só para dar unidade ou coesão temática, mas também para auxiliar na fixação de seus ensinamentos. Jesus ensina aos discípulos a tomar cuidado com os atos exteriores da vida religiosa. Tanta cautela é porque o ato de dar esmolas, orar e jejuar poderia fazer o homem cair numa esfera de atuação repudiável aos olhos de Deus. 

Em relação à oração, Jesus começa dizendo: “E quando orardes” (v. 5). Não há dúvida de que seus ouvintes oravam, pois a oração sempre foi parte integrante da fé judaica. Porém, no que se referia ao momento da oração, Jesus orienta os discípulos a não serem como os hipócritas. Hipócrita é aquele que finge ser o que não é. Os hipócritas não oram por serem devotos, mas por quererem passar uma imagem de que são piedosos.

Por isso, a razão vem logo em seguida. Jesus disse que esses “gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças para serem vistos pelos homens” (v.5). Jesus deixa claro que o motivo dos hipócritas não se refere ao gosto pela oração, mas sim em captar a atenção das pessoas que os pudessem ver enquanto oravam. A intencionalidade em querer ser notado pelos homens é articulada pela conjunção subordinada grega indicadora de propósito: hópus. Isso mostra que o fluxo da argumentação de Jesus desemboca neste ponto culminante, isto é, a ideia de que o público ou plateia chegasse à conclusão inescapável de que aqueles “atores da oração” eram muito religiosos. Jesus não tinha nada contra a disciplina de uma vida de oração. Mesmo porque, em sua época, um judeu devoto orava três vezes por dia (cf. Salmos 55:17; Daniel 6:10; Atos dos Apóstolos 3:1). 

A seguir, vemos os cenários mencionados por Jesus em que se dava a oração dos hipócritas.

Primeiro, Jesus faz referência às sinagogas. Logo o primeiro tom de sua crítica é dirigida aos judeus de sua época (mais precisamente aos fariseus). A sinagoga era o centro de atuação das autoridades judaicas. Ali se realizavam leituras da Torá, discutiam-se os textos e apresentavam-se interpretações. Ali funcionava a usina de produção e a unidade de manutenção das tradições rabínicas. Se no templo os sacrifícios e o manuseio dos objetos sagrados eram o foco, nas sinagogas os debates e o exercício intelectual eram mais proeminentes. Jesus disse que os hipócritas gostavam de orar em pé em tais locais. Contudo, vale lembrar que nos serviços realizados numa sinagoga nada havia de tão exótico ou extrapolador na postura de “ficar em pé”, pois ela era a única possível a ser assumida por quem tomava parte em algum trabalho realizado naquele local.  A questão tratada por Jesus não era o posicionamento em si. 

O segundo cenário propício ao engrandecimento do coração que buscava atrair atenção e glória para si mesmo era “o canto das praças”.  Sem sombra de dúvidas, neste ambiente, a audiência seria bem maior do que a que se poderia encontrar em uma sinagoga. As praças funcionavam como verdadeiros centros de atividades cívicas. Imagine só você, que prato cheio para um hipócrita! Se tudo o que ele queria era ser visto pelos homens, então, nestes lugares, e principalmente neste último, alcançaria seu objetivo sem dificuldade alguma.

As palavras de Jesus não constituem uma condenação à oração pública, uma vez que ele mesmo orou publicamente (cf. Mateus 14:19; João 11:41). Ao contrário, o que o Senhor condena é a oração teatral, aquela feita com o objetivo de ser visto e admirado pelo povo. No ensino de Jesus, o que importa para Deus é a disposição íntima do coração (cf. Lucas 18:9-14).

Quais são os resultados das orações dos hipócritas? Jesus disse: “Em verdade eu vos digo: eles já receberam sua recompensa” (v. 5).  Em outras palavras, Jesus advertiu que essa motivação exibicionista não ganha nada mais do que o louvor dos homens, que é a plena quitação. Porém, não há nenhuma recompensa da parte de Deus, nenhum mérito acumulado, nenhuma resposta a ser dada. Deus permanece surdo a tal oração. Por mais que estejamos cientes da superioridade das recompensas celestiais, a tolice e a obtusidade gerada pelo pecado, como um centro gravitacional, nos atrai para as frágeis e inferiores recompensas desta realidade terrena e passageira!

 

O COMPORTAMENTO CERTO A SER ADOTADO

A condenação da prática errônea da oração é seguida por uma exortação positiva para se seguir a prática correta: “Tu, porém, quando orares entra no teu quarto e, fecha a porta, orarás a teu pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (v.6). Esta frase de Jesus já começa com uma construção gramatical coordenada, composta por um pronome e uma conjunção, que de imediato revela a contrariedade de Jesus em relação à maneira de se portar dos hipócritas. Em outras palavras, Jesus é enfático ao desejar que os discípulos façam de forma diferente.

A forma diferente de se portar, quando se está em oração, começa com a busca pela privacidade. Os verbos em sequência – entrar, fechar, orar – transmitem a fluidez das ações do piedoso em busca do lugar secreto da oração. Ao contrário daqueles que oram para serem vistos por outras pessoas, os filhos do reino devem dirigir suas orações somente a Deus. A verdadeira oração é dirigida somente a Deus e não tem nenhuma preocupação com o fato de ser percebida pelos outros.

Muito embora Jesus não condenasse toda oração pública, deve-se admitir que ela exerce uma maior tentação para o fingimento. Então, se a ocasião não exige oração pública, deve-se orar em privado, a fim de se evitar essa armadilha: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto” (v. 6). A palavra grega tameion, traduzida por “quarto”, refere-se à despensa onde se guardam os alimentos. Na casa dos judeus, esse era um recinto secreto, porque os suprimentos precisavam estar a salvo de ladrões e animais selvagens. Essa câmara era a única parte interna da casa que poderia ser trancada e também não possuía janelas.  Isso se apresenta como o contraponto perfeito às sinagogas e aos cantos das praças.

A lição de Jesus é a de que devemos procurar um lugar privativo para orar. Entretanto, o fato de alguém entrar no quarto, fechar a porta e orar não elimina a possibilidade de hipocrisia. Elimina, sim, outros ouvintes humanos, mas a pessoa pode tentar impressionar a Deus com a sua oração. A ênfase não está no local da oração, mas sim na atitude da mente, na sinceridade da oração. É por isso que Jesus ensina que nós oramos a um “Pai, que vê o que está oculto” (v. 6, ARC). A questão tratada por Jesus não repousa entre sermos vistos ou não. É fato que seremos vistos por Deus, e é isto o que realmente importa, estarmos em conexão com ele. Esta é nossa grande recompensa. 

 

O COMPORTAMENTO DOS PAGÃOS

O segundo modelo errôneo a ser seguido no momento da oração, para fins exortativos, é retirado do mundo gentílico. Assim como os judeus tinham suas formas de orar, o mesmo se aplicava aos gentios. Atento a isso, Jesus orientou os discípulos a não se assemelharem aos gentios, dizendo: “não useis de vãs repetições, como os gentios” (v. 7). O verbo grego battologeo, que ocorre somente no Novo Testamento, significa dizer a mesma coisa repetidas vezes ou usar muitas palavras inúteis. Os pagãos pensavam em seus deuses como seres impessoais, como forças invisíveis que podiam ser manipuladas. Para eles, a oração consistia em dizer palavras mágicas que supostamente teriam o poder de fazer com que essas forças se dobrassem à sua vontade. 

Infelizmente, muitos cristãos “pensam que por muito falarem serão ouvidos” (v. 7, NVI). Porém, Deus não pode ser pressionado a agir devido ao nosso muito falar. A função da oração não é informá-lo, pois ele já “sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem” (v. 8, NVI). Deus não precisa ser manipulado para nos conceder um pedido, pois tem um perfeito conhecimento de nossas necessidades (melhor do que nós mesmos) e o poder de satisfazer a cada uma delas (cf. Efésios 3:20).

Por que, então, devemos orar? Devemos orar não para informar a Deus ou mudar a sua vontade, mas para ter comunhão com ele. A oração implica em nossa total dependência e confiança em nosso Pai celestial. Quando oramos, nós mostramos que reconhecemos a nossa necessidade de confiar em Deus para atender as nossas preces. 

 

A ORAÇÃO MODELO DO SENHOR JESUS

À parte dos hipócritas e pagãos, Jesus deixa seu referencial de oração para seus seguidores: “Portanto, vós orareis assim” (v. 9a). Isso não quer dizer que devemos repetir essas palavras literalmente, mas sim que esse é o modo como devemos orar. É preciso ter em mente o que Jesus disse: “assim”, ou “desta forma”, ou “isto é como”. A oração do Pai Nosso é realmente o modelo a ser seguido, pois ela serve como um parâmetro para as nossas orações. 

Esta famosa oração tem atravessado as épocas. Geração após geração, os cristãos perpetuam o legado deixado pelo Mestre. Vejamos mais de perto esta oração modelo.

Uma análise mais detida nos permite identificar três divisões básicas. A primeira é a invocação: Pai nosso que estás nos céus. E as duas outras partes são as petições, que ao todo são seis.  As três primeiras petições referem-se à pessoa de Deus: seu nome, seu reino e sua vontade. E as três últimas dizem respeito às necessidades humanas: o pão de cada dia, o perdão dos pecados e a proteção contra o maligno. 

A oração começa com “Pai nosso que estás nos céus...” (v. 9). Nesta simples e curta frase introdutória os discípulos são reiterados dos conceitos de imanência e transcendência. Ou seja, Deus está tão perto quanto um pai, e ao mesmo tempo acima de tudo e de todos, habitando os mais altos céus.

“Santificado seja o teu nome” (v. 9). O que significa santificar o nome do Pai? Ele já não é santo? Sim, de fato já o é. Entretanto, o nome de Deus não é uma simples combinação das letras D, E, U e S. O nome representa a pessoa que o usa, seu caráter e a sua atividade. Portanto, o nome de Deus é o próprio Deus, como ele é em si mesmo e tem se revelado a nós em todas as suas obras. Seu nome já é santo, porque é separado e exaltado acima de qualquer outro nome. Mas nós oramos pedindo para que ele seja santificado, isto é, tratado como santo, porque desejamos ardentemente que a devida honra lhe seja dada, isto é, aquele cujo nome representa, em nossa própria vida, na igreja e no mundo. 

Infelizmente, o nome de Deus, que implica na própria pessoa de Deus, ainda não está sendo honrado por todos. Muitos não fazem caso do Senhor de toda a Terra. Portanto, quando um discípulo ou discípula ora pedindo que o nome de Deus seja santificado, estão revelando a expectativa de um reconhecimento universal deste nome. 

“Venha o teu reino” (v. 10). Este pedido é de cunho puramente escatológico, pois oramos para que o reino de Deus seja definitivamente estabelecido e reconhecido por toda a Terra. Reino vem da locução original grega basiléia. Um dos sentidos desse vocábulo é “reinado”, de modo a assinalar o exercício do poder real. Nesse sentido, o reino de Deus foi inaugurado pelo rei Jesus (cf. Mateus 4:17; Lucas 10:9-11). 

Desde o princípio, Deus reina em soberania absoluta sobre a natureza e sobre a história. Mas Jesus anunciou um aspecto novo e especial do governo real de Deus, com todas as bênçãos da salvação e as exigências de submissão que o go¬verno divino implica. A consumação do reino será o ápice do cumprimento das promessas de Deus feitas ao seu povo. Querer a vinda do reino é querer a instauração da verdadeira ordem, paz e justiça. Orar para que o seu reino venha é orar para que ele cresça à medida que as pessoas se submetam a Jesus, por meio do testemunho da Igreja, e que logo ele seja consumado com a vinda de Jesus, em glória, quando então “Ele reinará para todo o sempre” (Apocalipse 11:15). 

“Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (v. 10).  Em nenhum instante a vontade de Deus deixou de ser feita, desde que tudo veio à existência. Qual a necessidade de se fazer esta petição? “Vontade” traduz um substantivo grego com um sufixo de resultado (thelēma), enfatizando não o ato de querer, mas sim o que é desejado. É o pedido para que o que Deus desejou seja cumprido plenamente na terra à imagem do céu, isto é, à semelhança daquilo que já é uma realidade no céu. 

“O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (v. 11). A partir deste ponto percebemos uma mudança de foco. Se nas primeiras petições o foco estava mais em Deus, da quarta petição em diante a oração repousa sobre as necessidades mais básicas do suplicante.

A primeira necessidade básica apresentada aqui é a de alimento. A maioria dos intérpretes tem entendido que este “pão” é a maneira genérica de se referir à alimentação necessária para a subsistência. Ou seja, Jesus não estaria se referindo a um tipo específico de alimento (ou seja, o pão). O “pão nosso de cada dia” foi muito bem definido por Martinho Lutero como sendo “todas as coisas necessárias para a preservação desta vida, como o alimento, a saúde do corpo, o bom tempo, a casa, o lar, a esposa, os filhos, um bom governo e a paz”.  Pão seria, portanto, as necessidades, e não os luxos, da vida.

A frase “de cada dia” tenta traduzir um raro adjetivo grego (epiousion) que, aparentemente, ocorre apenas na oração modelo (v. 11; Lucas 11:3), sendo que o seu significado é incerto. As opiniões quanto ao seu significado variam entre “diário”, “necessário para a existência” e “dia seguinte”. O problema é: qual a necessidade de se colocar o advérbio temporal grego sémeron, que significa “hoje”, na mesma sentença? Isto é, por que pedir pelo pão hoje se ele já é diário? Entre tantas definições, provavelmente a melhor seja aquela que a explica como sendo a porção que é necessária para um único dia.  Naquela época, os trabalhadores eram frequentemente pagos por dia de trabalho e, portanto, preocupavam-se primeiramente em satisfazer as necessidades diárias.

“E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (v. 12). A oração modelo de Jesus inclui um pedido de perdão. A palavra grega ofeilēma traduzida por “dívida” também pode ser entendida como “pecado”, como fica claro no verso 14 (cf. Lucas 11:4). A ideia de associar a palavra “dívida” com o conceito de “pecado” não era algo estranho ao contexto da época.  O pecado é comparado a uma dívida, porque merece castigo. Mas, quando Deus perdoa o pecado, ele cancela a penalidade e anula a acusação que há contra nós.

Esta oração também deixa claro que o pedido por perdão feito ao Pai está relacionado à concessão deste mesmo perdão ao próximo. Obviamente, isso não quer dizer que o perdão que concedemos garante o perdão de Deus a nós. O perdão de nossas dívidas não está baseado em nossos méritos, mas sim nos méritos de Cristo que nos são aplicados.

Deus perdoa somente ao pecador arrependido, e uma das principais evidências do verdadeiro arrependimento é um espírito perdoador. Se nós perdoarmos a outros, Deus também nos perdoará; mas se não perdoarmos, Deus não nos perdoará (vv. 14,15). Por conseguinte, só pode trazer esse pedido à presença de Deus quem já perdoou a todos que pecaram contra ele. Não que Deus não esteja disposto a perdoar, mas a condição da pessoa que não perdoa é tal que ela é incapaz de receber perdão. É mais fácil ter-se um espírito perdoador quando o cristão considera quanto Deus já lhe perdoou (cf. Mateus 18:21-35). Além disso, o fato de um crente confessar seu pecado e pedir o perdão de Deus enquanto guarda rancor contra outra pessoa, além de ser incongruente, é também hipócrita.

“E não nos deixe cair em tentação; mas livrai-nos do mal” (v. 13). Literalmente, o texto grego diz: Não nos introduzas na tentação.  Esse pedido apresenta um problema, pois Deus a ninguém tenta (Tiago 1:13). Então, por que orar para que Deus não faça aquilo que é incapaz de fazer? A mesma palavra grega para tentação (peirasmos) pode ser traduzida como “teste” ou “prova” (cf. Tiago 1:2-3; Gênesis 22:1).

No entanto, se Deus nos testa, para nos dar a oportunidade de provar a nossa fidelidade a ele, por que orar para ser poupado das provas que visam ao nosso próprio benefício? A melhor resposta parece ser que devemos pedir para sermos poupados daquelas provações que poderiam facilmente ser usadas por Satanás para incitar-nos ao pecado. É um reconhecimento humilde de que somos fracos e propensos a cair quando colocados sob provas em determinadas circunstâncias.

Isso faz sentido quando compreendemos a segunda metade da petição: “mas livrai-nos do mal” (v. 13). “Mal” traduz a palavra grega ponēros, que pode ser tanto masculina quanto neutra, isto é, tanto pode indicar o mal em si como o “maligno” (Satanás).  Essa é, provavelmente, a maneira como devemos entender esse pedido, pois Satanás pode transformar uma prova em tentação. Foi isso que ele fez quando tentou Jesus (Mateus 4:1-11). Assim, devemos orar pedindo a Deus que nos dê a força necessária para que as provações da vida não se tornem para nós ocasiões de tentação espiritual.

A oração modelo termina com uma doxologia que proclama que a Deus pertencem “o Reino, o poder e a glória, para sempre. Amém!” (v. 13).  Essa declaração magnífica faz eco ao louvor do rei Davi, na presença de toda a congregação de Israel (1 Crônicas 29:11-13). Com um “amém” reverente demonstramos a nossa convicção de que o nosso Pai celestial atenderá as nossas necessidades.

 

A PRÁTICA DO JEJUM

Na sequência somos apresentados ao terceiro tipo de exercício piedoso a que os hipócritas gostavam de se apegar para demonstrar sua religiosidade: o jejum. Ele advertiu seus ouvintes, dizendo: “Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa” (v. 16).

A prática do jejum não era novidade na época de Jesus. No Antigo Testamento, o jejum se dava como reação às situações que causavam lamento ao povo da aliança. Segundo a lei mosaica, deveria ser realizado uma vez ao ano, no Dia da Expiação (Levíticos 16:29-31). Depois do exílio na Babilônia parece que quatro outros jejuns anuais passaram a ser observados pela nação israelita em resposta aos desastres na história judaica (Zacarias 7:3-5; 8:19). O jejum poderia ser feito tanto coletivamente quanto individualmente (Neemias 9:1-2; Salmos 35:13; Isaías 58:3-5). 

Jesus jejuou algumas vezes, e esperava que os seus seguidores o fizessem (vv. 17-18). Ele não repudiou o jejum. O que ele condenou foi o jejum como exibição. Na época de Jesus, os fariseus jejuavam duas vezes por semana (Lucas 18:12), e faziam disso um teste de piedade.  Alguns deles adotavam um ar triste e desfigurado, talvez por não se lavarem ou fazerem a barba, jogando cinzas sobre a cabeça, para demonstrar profunda angústia. Jesus criticou esta postura, pois o real objetivo deles era ser visto pelos homens. O ponto é que não havia contrição genuína, mas que esses hipócritas estavam chamando atenção para si mesmos de propósito. Eles queriam o aplauso dos homens e conseguiam. E isso é tudo que conseguiam! 

O conselho de Jesus, porém, foi: “Tu, porém, quando jejuardes, unge tua cabeça e lava o rosto com o fim de não parecer aos homens que jejuas...” (vv. 17-18). Lavar-se e ungir-se com óleo fazia parte da higiene pessoal, ou seja, do cuidado normal com o corpo naquele tempo. Ou seja, nós não precisamos necessariamente passar óleo em nossas cabeças. Mas precisamos, sim, manter uma aparência tal, que não deixe evidente às pessoas que estamos jejuando. O Senhor proibiu qualquer sinal de que se iniciou um jejum, porque o coração humano é tão confuso em seus motivos que o desejo de buscar a Deus será enfraquecido pelo desejo do aplauso do homem, corrompendo, assim, o jejum. Jesus deseja discrição, não engano. E o Pai, que vê em segredo, recompensará (v. 18). 

 

CONCLUSÃO

Os três principais atos de piedade judaica (esmolas, oração e jejum) são apenas exemplos de muitas práticas susceptíveis de hipocrisia religiosa e de como o ser humano, em sua relação com Deus, pode nutrir e gerir uma vida de aparências. A hipocrisia não está reservada aos fariseus. Corremos o mesmo risco!

Nossa lição de hoje é uma prova cabal de que precisamos do referencial divino. Não podemos sujeitar nossa vida devocional, ou atos de justiça, aos nossos próprios parâmetros. Nada poderá deixar o devoto, o suplicante, mais lúcido do que se perceber como alguém que é está diante daquele que tudo vê. A “secretitude” incentivada por Jesus aqui não se apresenta como um substituto às orações que fazemos em público, nem no coletivo com nossos irmãos e irmãs. Tal “secretitude” não desarticula a oração e o jejum, antes propõe o caminho sobresselente. Ser visto por Deus deve ser nosso ideal maior.