Texto de Estudo

Mateus 5:42:

42 Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.

 

INTRODUÇÃO

Estamos iniciando a terceira lição sobre o mais belo e profundo sermão da Bíblia. Após expor ao público em que consiste a felicidade do cristão e qual o valor do testemunho do mesmo no mundo, Jesus continua seu discurso e toma como tema alguns preceitos da Lei de Deus relacionados ao convívio das pessoas, no que diz respeito ao relacionamento de umas com as outras em seu dia a dia.

Será que este tema tão contundente, que foi exposto pelo nosso Mestre, merece nossa atenção? Qual a intenção do Criador ao nos dar diretrizes para que possamos viver pacificamente uns com os outros? Porventura o homem contemporâneo aprendeu a conviver e a se relacionar entre si de uma forma sadia? Ou melhor, será que a Igreja moderna aprendeu? O estudo de hoje poderá esclarecer algumas destas questões e nos orientar quanto a outras relacionadas ao tema.

 

UM PADRÃO DE JUSTIÇA

Antes de continuar seu discurso, sabendo que muitos de seus ouvintes ficariam escandalizados com as afirmações que faria, Jesus faz questão de esclarecer algo muito importante para o seu público: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir” (v.17). Somente este verso renderia assunto para toda esta lição, devido à sua complexidade, principalmente pela última palavra, “cumprir” (gr. plêroô).

Há uma grande divergência entre os teólogos sobre a interpretação correta desta palavra. Alguns advogam que Jesus cumpriu a Lei e os Profetas no sentido de que estes apontavam para ele, ou seja, de forma escatológica.  Já outros acreditam que, ao cumprir a Lei, Jesus pôs em manifesto o verdadeiro significado da Lei, ou seja, Jesus veio cumprir no sentido de executar, por em prática da maneira correta. 

Uma atitude sábia perante o assunto seria tomar como verdade a junção dos dois conceitos teológicos, pois todo o Antigo Testamento (Lei e Profetas)  apontam para Cristo. Todavia, o versículo 18 parece usar o termo “Lei” para referir-se às leis divinas contidas no Pentateuco, pois algumas expressões importantes como “violar um destes mandamentos” e “os observar e ensinar”, ditas na sequência por Jesus, parecem confirmar isto.

Após fazer estas observações sobre a Lei e seu cumprimento, Jesus diz algo que para muitos exegetas é o cerne do Sermão do Monte: “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (v. 20). Neste momento, Jesus estabelece a justiça que conduz ao céu e ela está em um nível muito mais elevado da que era praticada pelos escribas e fariseus. Não podemos esquecer que até este momento o tema abordado por Jesus ainda é a lei. E a afirmação feita parece até ser contraditória, visto que ele mesmo censura os escribas e fariseus por causa de seus comportamentos. 

Não obstante, não se trata aqui de uma questão de os cristãos conseguirem obedecer a 248 mandamentos enquanto os melhores fariseus só conseguiram obedecer 230 deles. Não! A justiça do cristão é maior do que a justiça dos fariseus porque é mais profunda! Porque é uma justiça do coração, que os profetas tinham previsto como uma das bênçãos da dispensação messiânica. Deus prometeu por meio de Jeremias, dizendo: “Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei” (Jeremias 31:33). Como ele o faria? Ele disse a Ezequiel: “Porei dentro em vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ezequiel 36:27). Assim coincidem as duas promessas de Deus: de colocar a sua lei dentro de nós e de pôr em nós o seu Espírito.

Não devemos imaginar (como alguns pensam hoje em dia) que quando temos o Espírito podemos dispensar a Lei, pois o que o Espírito faz em nosso coração é exatamente escrever neles a lei de Deus.  Portanto, a justiça estabelecida e requerida por Jesus está em perfeita harmonia com os princípios morais enunciados no Antigo Testamento.

 

SOBRE O RELACIONAMENTO COM O PRÓXIMO

A Bíblia, em todo o seu conteúdo, deixa muito claro que Deus não só se preocupa com o relacionamento entre ele e o homem, mas também é sua preocupação o relacionamento do homem consigo mesmo, visto que o relacionamento do homem entre si é o principio do seu relacionamento com Deus, conforme as palavras de João: “Se alguém afirmar: 'Eu amo a Deus', mas odiar o seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 João 4:20).

Os Dez Mandamentos descrevem o cuidado do Criador, quando destina seis destes mandamentos ao relacionamento do homem com o seu próximo. Três destes seis mandamentos e a lei sobre violência foram abordados por Jesus neste trecho do Sermão da Montanha que estamos estudando. O Mestre discorre sobre eles como “quem tem autoridade e não como os escribas” (Mateus 7:29), autoridade esta autenticada pelo Pai: “Este é o meu filho querido. Escutem o que ele diz” (Marcos 9:7 NTLH). E é nesta autoridade, ao dizer cinco vezes “eu, porém, vos digo”, que Jesus vai além do sentido literal da letra e aprofunda conceitos que devem partir do coração, e não da mente.

Neste sentido, ele trata os seguintes assuntos concernentes ao nosso relacionamento com o próximo:

1. A questão do homicídio. Nesta questão Jesus toma como base o sexto mandamento, “Não matarás” (v. 21), e a partir dele começa a aprofundar sua aplicação. “Eu, porém, vos digo” (v. 22), disse o Mestre. Não é uma frase de desprezo ao que foi dito aos antigos e nem mesmo anulação ou acréscimo do que já havia sido preanunciado.

A Lei é absolutamente santa, é inalterável, é o que persiste e perdura sem mudanças nas modificações do tempo. Mas a lei de Deus não olha para a ação, ela vê mais fundo, observa a origem da ação, a mentalidade que está por trás dela. Jesus disse: “Pois do coração procedem os maus pensamentos: homicídios…” (Mateus 15:19). Dessa maneira ele vai à raiz, ele é radical, mostrando-nos que a ira é igual ao assassinato.  Para os judeus, que não gostavam do abstrato, era muito difícil reconhecer a natureza culposa de processos interiores do coração. Mas era essa a justiça que excedia a dos escribas e fariseus. Uma justiça que leva a julgamento não só aquele que tira a vida de seu irmão, mas aquele que profere algum insulto contra ele.

Jesus deixa claro, como já citado acima, que o relacionamento do homem com o seu próximo implica no seu relacionamento com Deus, a ponto de colocar a relação social antes do relacionamento espiritual como segue: “Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando faze a tua oferta” (vv. 23, 24, grifo do autor). Isso vai além do fato de ficar irado. Leva-se em conta deixar o próximo irado, magoado ou ofendido. O assunto é preocupante, pois há muitas pessoas que estão cometendo homicídio com as palavras, falam sem pensar e não medem as consequências. As palavras têm poder destrutivo, como argumentado por Tiago ao explanar sobre o poder da língua (Tiago 3:8).

2. A questão do adultério. Alguns dizem que Jesus veio para aliviar o fardo, tornar a Lei mais fácil de cumprir. Não é o que parece. Jesus vai além da interpretação resumida dos fariseus e escribas sobre o sétimo mandamento. Para eles, adultério era apenas o ato concretizado e desvendado por pelo menos duas testemunhas, como no caso da mulher pega em adultério (João 8:1-11). Mas, segundo Jesus, o adultério acontece primeiro no coração: “Pois do coração procedem os maus pensamentos: homicídios, adultérios…” (Mateus 15:19) e este é alimentado pelos olhos, pois ele também disse que “são os olhos a lâmpada do corpo... se porém os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas” (Mateus 6:22-23).

Neste sentido Jesus faz uma colocação radical sobre a automutilação dos membros que porventura induzem o homem ao erro (vv. 29, 30). A ordem de desfazer-se do olho e da mão é um exemplo do uso dramático que o nosso Senhor fazia das figuras de linguagem. Por que ele fala do olho e da mão? Há muitas interpretações, mas vamos nos valer da que diz que Jesus toma por base um ditado muito utilizado pelos próprios judeus a respeito do adultério: “Os olhos e as mãos são os provocadores do pecado”.  O que Jesus pretendia ensinar não era uma automutilação física, no sentido literal, mas uma abnegação moral sem concessões. Não mutilação, mas mortificação é o caminho da santidade que ele ensinou.  Alguém disse certa vez que “o primeiro olhar é inevitável. O problema é o tempo que dura este primeiro olhar e aonde ele quer chegar”.

Se Jesus disse aos judeus, naquela época em que as mulheres cobriam todo o corpo e deixavam somente os olhos à mostra, que arrancassem os seus olhos, o que ele pediria de nós na presente geração?

3. A questão dos juramentos. Jesus toma como base para este assunto algumas leis do Antigo Testamento, como segue: a lei acerca dos votos (Deuteronômio 23:23), o terceiro e o nono mandamentos (Êx 20). Os judeus abusavam dos juramentos e isso levou Jesus a dizer: “De modo nenhum jureis” (v. 34). Eles usavam a sua engenhosidade para classificar os diversos juramentos, e quase sempre perdoavam aqueles que não mencionassem Deus especificamente.

Jesus mostrou que tal raciocínio enganosamente sutil era falso, pois Deus está implicado quando os homens invocam os “céus”, a “terra”, ou “Jerusalém”; e até quando se jura pela própria cabeça está implicado aquele que tem poder sobre a mesma. “Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não” (v. 37). Uma solene afirmação ou negação é o bastante para o crente. É difícil achar uma brecha nesta diretiva (cf. Tiago 5:12). Assim, o crente não deveria jurar para autenticar suas declarações. 

Nossas conversas devem ser tão honestas e nosso caráter tão verdadeiro a ponto de não haver necessidade de usar qualquer outro recurso para fazer as pessoas acreditarem em nós. As palavras dependem do caráter, e juramentos não são capazes de compensar a falta de caráter.  Um bom relacionamento com o próximo é alicerçado sobre a honestidade. Antigamente os evangélicos chegavam às lojas e tinham crédito pré-aprovado simplesmente por serem evangélicos. Hoje, quando a pessoa fala que é evangélica, só falta o atendente pedir antecedentes criminais. Passou-se tanto tempo e parece que os filhos de Deus ainda não aprenderam a lição.

4. A questão da vingança. A lei do “olho por olho e dente por dente” (v. 38; Êx 21:24) foi criada por Deus para que a punição fosse equivalente e correspondesse ao crime cometido. Isso excluía sancionar uma vingança exagerada como a que Simeão e Levi praticaram quando mataram de uma forma covarde todos os homens da família de Siquém (Gênesis 34). Esta lei procurava dar uma punição justa ao criminoso, mas os judeus viam nela uma autorização para a vingança pessoal, e é por isso que Jesus faz questão de tratar do assunto e faz uso de quatro ilustrações que esclarecem o seu parecer a respeito da vingança. 

A primeira retrata um homem que fere outro na face (v. 39). Não era apenas um tapa doloroso, pois aquele que fere a face direita de alguém, o faz com as costas da mão, o que no judaísmo era um insulto e dava ao agredido e ofendido direito de ir aos tribunais e requerer uma pena não só pelo tapa, mas também pelo insulto.

Uma segunda ilustração refere-se ao fato de uma pessoa requerer de outra nos tribunais uma túnica (vestimenta usada por baixo da capa), pois a lei judia estabelecia que a túnica de um devedor era confiscável, mas a capa, não (v. 40; Êx 22:26-27). Segundo Jesus, a atitude de seus discípulos deveria ser: “Não resistir ao perverso” (v. 39). Neste contexto, o sentido era: “Não resista na corte de Lei”,  ou seja, não busquem a vingança. Mesmo que o tapa seja dolorido e ofensivo, ofereça a outra face; mesmo que alguém queira sua túnica, vestimenta de menor valor, ofereça a ele também a sua capa.

Posteriormente, Jesus usa um exemplo típico que ocorria naqueles dias, ao descrever a situação em que um soldado romano poderia, pela lei romana, ordenar (forçar) civis a carregarem a bagagem do militar por até uma milha (v. 41).  O recrutamento forçado para os judeus, como processo judicial, evoca ultraje. Mas a atitude que Jesus esperava dos seus discípulos, nesta circunstância, não deveria ser nem maliciosa, nem vingativa, mas colaborativa,  e esta mesma atitude ele procura encontrar em nós. Devemos fazer mais do que as pessoas esperam de nós. Podemos superar as expectativas, não as nossas próprias, mas as do nosso próximo.

O Senhor finaliza esta parte do seu discurso orientando os seus ouvintes a não serem negligentes à situação alheia: “Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes” (v. 42). Há uma forte ligação aqui não só ao fato de doar ou emprestar, mas também em fazer isso sem segundas intenções, o que implica não cobrar juros abusivos.

 

CONCLUSÃO

O estudo de hoje veio nos esclarecer quão profundos são os mandamentos de Deus referentes ao relacionamento mútuo entre o ser humano. São conceitos difíceis de serem aplicados, e por certo devem ser, pois o padrão de justiça de Deus é realmente elevado. Mas, sem um esforço contínuo e sincero de nossa parte, de forma alguma entraremos no reino dos céus.

O bom relacionamento é aquele que promove a vida ao invés da morte. É aquele nutrido por ações do coração, honesto, comprometido e altruísta. Quando entendermos que isto implica diretamente na nossa relação com Deus e que somos os maiores beneficiados, a partir do momento que nos esforçamos para viver de tal forma, não será tão difícil cumprir os ensinamentos do nosso Mestre. Quero finalizar com a seguinte afirmação: “O bom relacionamento com o próximo começa em mim”.