Texto de Estudo

Efésios 4:11:

11 E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores,

INTRODUÇÃO

Apesar de toda compreensão que nos foi dada sobre a relação de Cristo com sua Igreja sob a luz da nova aliança, ainda sou da mesma opinião de Paulo, que disse: “Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à Igreja” (Efésios 5:32). Penso que esta relação ainda é cercada de mistérios quando pensamos nos dons espirituais. Digo isso porque parece que por mais que o debate sobre se os dons cessaram (cessacionistas), ou em parte cessaram, e se todos os dons estão em atividade hoje (não cessacionistas ou continuístas), tenha se prolongado e se proposto a responder as questões levantadas, a discussão ainda está longe de acabar. Realmente parece que tem sido difícil todos caminharem juntos sobre este tema. Ainda mais depois da explosão das igrejas de perfil ou de movimento pentecostal carismático. Ao dizer que este tema ainda está revestido de mistério, não estou querendo dar uma saída pela tangente, antes quero apenas apontar para a complexidade do tema. 

A diversidade em meio à unidade, quando falamos de Igreja, é algo sobrenatural e natural ao mesmo tempo, ou seja, é um mistério. John Stott foi bem feliz e elucidativo ao afirmar:

 

Quando os escritores do Novo Testamento falam sobre a Igreja, com frequência eles contrastam sua unidade com sua diversidade. As duas características são obra do Espírito Santo. A Igreja é uma, porque o Espírito habita em todos os crentes. A Igreja é multifacetada, porque o Espírito distribui diferentes dons aos crentes. De forma que o dom do Espírito (que Deus nos dá) cria a unidade da Igreja, e os dons do Espírito (que o Espírito dá) diversifica o ministério da Igreja. A mesma verdade pode ser expressa em relação à graça de Deus. A Igreja deve sua unidade à charis (graça), e sua diversidade aos charismata (dons da graça)”.  

 

Nesta lição vamos abordar o dom ou ministério do apostolado. Veremos a definição do termo, seu uso no Novo Testamento, e por fim tomaremos uma posição sobre se existe ou não existe apóstolos hoje. 

 

 

DEFINIÇÃO

O substantivo grego apostólus no Novo Testamento significa: delegado, enviado, mensageiro, emissário, alguém enviado com alguma ordem. Atributo que inicialmente foi aplicado aos doze discípulos escolhidos por Jesus (Lucas 6:13 Marcos 3:14; Lucas 11:49). O verbo do qual se deriva nosso substantivo é apostello, o qual é formado pelo prefixo apo (de, para longe, enviar [tanto pessoas como coisas]) e stello (colocar, aprontar).   

A ideia de enviar contida em apostello (grego) está relacionada ao tronco verbal hebraico shalah (esticar, enviar).   Apesar de nosso verbete focar na ideia de enviar alguém, a palavra também compreende o conceito da autorização do mensageiro em si. Por exemplo, se os tradutores que elaboraram a versão dos LXX (versão em língua grega da Bíblia hebraica) quisessem enfatizar apenas o ato de enviar poderiam ter usado outra palavra grega: pempo (enviar). Porém, ao usar apostello e seus cognatos intencionavam pôr em relevo a autorização da pessoa para cumprir uma determinada função, a tarefa, e não apenas uma nomeação institucional.  Isso é muito importante para a compreensão de nosso estudo aqui, tendo em vista que hoje em dia alguns interpretam o apostolado como um cargo oficial. 

Antes de passarmos para nosso próximo tópico gostaria de fazer uma notificação relevante. Quando Jesus inaugurou seu ministério, ele trouxe consigo uma nova luz da revelação divina. Não que tudo o que foi dito no Antigo Testamento seria abolido (o próprio Jesus negou isso em Mateus 5:17). Contudo, inevitavelmente novas noções da obra de Deus seriam expandidas. Por exemplo, no judaísmo rabínico da época de Jesus reconhecia-se legalmente o papel do shaliah, que era a pessoa que exercia a função de representante ou procurador. O shaliah poderia agir como representante num noivado, ser um líder de oração na sinagoga da comunidade, e realizar algumas inspeções e cobranças no Sinédrio.  O tempo de duração do exercício de um shaliah não era vitalício. Uma vez que ele completasse sua tarefa, desfazia-se sua autoridade. 

Apesar destas e outras atribuições, um shaliah não assumia a função de representante missionário. O judaísmo não conhece missões no sentido de oficialmente enviar missionários.  É aqui que vejo Jesus rompendo com este conceito. Se antes do ministério de Jesus os povos é que deveriam vir a Israel para aprender a lei de Deus, agora, depois do ministério e comissionamento de Jesus, os discípulos-apóstolos deveriam ir até os povos. 

 

O USO DO TERMO APÓSTOLO

Depois das questões mais técnicas relacionadas ao significado da palavra apóstolo, vamos analisar agora o uso desta palavra no Novo Testamento. Há pelo menos três sentidos em que a palavra é usada no Novo Testamento e em  apenas em um único texto parece que ela é usada para todos os cristãos, que é onde Jesus diz que “o enviado (apóstolos, em grego) não é maior do que aquele que o enviou” (João 13:16). No sentido geral de que todos nós somos enviados por Cristo ao mundo e compartilhamos da missão apostólica da Igreja (João 17:18 20,21), todos somos “apóstolos”, no sentido amplo. Mas, já que isto se aplica a todos os cristãos, não é um charisma dado somente a alguns.  Perceba que neste primeiro sentido temos uma generalização de termo. Mas Stott deixa claro que esta aplicação da palavra apóstolo não se refere ao dom (do grego kárisma) apostólico. 

Num  segundo sentido, a  palavra é usada pelo menos duas vezes para “apóstolos das igrejas” (2Cor 8:23; Fl 2:25), mensageiros enviados em missões especiais de uma igreja para outra. Neste sentido a palavra pode ser aplicada a missionários e outros cristãos enviados em missão especial.  Aqui podemos vislumbrar o trabalho evangelístico ou missionário de forma geral. 

Enfim, temos o terceiro sentido em que a palavra apóstolo é empregada no Novo Testamento. É imediatamente digno de nota nas duas listas em que “apóstolo” ocorre é que em ambas este dom encabeça a lista (1Cor 12:28, 29; Efésios 4:11), e que na lista de Coríntios os primeiros dons estão em ordem de importância (“primeiro, segundo, terceiro”), e “apóstolos” vêm “primeiro”. O dom do apostolado, que recebe esta preferência, deve referir-se, portanto, àquele grupo pequeno e especial de homens que foram “apóstolos de Cristo” e que incluía os doze (Lucas 6:13), Paulo (p. ex., Gálatas 1:1), provavelmente Tiago, o irmão do Senhor (Gálatas 1:1,19), e possivelmente um ou dois outros. Eles detinham a condição especial de terem sido testemunhas oculares do Jesus histórico, especialmente depois da ressurreição (Atos dos Apóstolos 1:21-22; 1Cor 9:1; 15:8,9), de terem sido indicados e autorizados pessoalmente por Cristo (Marcos 3:14), e de terem sido inspirados especialmente pelo Espírito Santo para o seu ministério de ensino (p. ex., João 14:25-26; 16:12-15). Portanto, neste sentido principal em que estão na lista, eles não têm sucessores, conforme a natureza do caso, como se dá com “missionários” hoje, no sentido secundário do termo. 

Esta análise feita não é exaustiva. E com certeza não responde a todas as questões mais intricadas relacionadas à aplicação do termo no Novo Testamento. Todavia, fornece um bom ponto de partida. Que há questões difíceis concernentes aos diferentes empregos do termo “apóstolo” no Novo Testamento, disso não temos dúvidas. Veja, por exemplo, quando Pedro propõe numa reunião com os discípulos (que eram umas 120 pessoas) escolher alguém para assumir o lugar de Judas Iscariotes. Aqui dois fatos chamam a atenção. Em primeiro lugar, Pedro e os demais compreendem que há uma distinção ou uma carga de valor diferente naquele grupo que primeiramente foi apontado para estar junto de Jesus.  Ele destaca o apostolado como um ministério distinto (Atos dos Apóstolos 1:25), e faz isso na presença de outros tantos discípulos. Então Pedro não estava falando de apostolado em termos genéricos. Em segundo lugar, para ser um apóstolo era necessário atender algumas condições que Pedro alista: “Portanto, é necessário que escolhamos um dos homens que estiveram conosco durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu entre nós, desde o batismo de João até o dia em que Jesus foi elevado dentre nós às alturas. É preciso que um deles seja conosco testemunha de sua ressurreição.” (Atos dos Apóstolos 1:21 22). 

Caso essa fosse realmente a condição, então, Paulo só atendia a uma parte da condição, que era o fato de ter visto Jesus ressurreto em sua conversão. A outra condição, que era a de ter sido um seguidor de Jesus enquanto este exercia seu ministério terreno, não foi atendida. Mesmo assim, Paulo se considerava um apóstolo (afirmando isso pelo menos umas 14 vezes nas suas epístolas). E coloco à parte as discussões sobre se Barnabé, Tiago (irmão do Senhor), Júnias e Adrônico foram apóstolos nos mesmos termos em que Pedro considerou o colegiado apostólico dos doze. O fato é que não temos como precisar a compreensão total da igreja primitiva. 

 

A IMPORTÂNCIA E SINGULARIDADE DOS DOZE

 O Senhor Jesus escolheu um grupo para estar com ele. Lucas nos diz que depois de uma noite em oração, Jesus destacou doze discípulos do grupo que o acompanhava. Lucas prossegue e diz “aos quais deu também o nome de apóstolos” (Lucas 6:13). O total de 12 indica uma correlação simbólica com as 12 tribos de Israel. Tal correlação ajuda a reforçar a ideia da unidade entre as alianças. 

Sob a luz da nova aliança, sob a plenitude dos tempos, Jesus revestiu aquele grupo de autoridade para pregar, realizar curas e milagres (Marcos 3:14 e 15). Posteriormente essa autoridade também foi estendida aos setenta (Lucas 10). Mas não anula o fato de que aquele grupo de doze foi especial. Em Efésios 2:20 Paulo refere-se ao “fundamento dos apóstolos”. A figura remete-nos ao primeiro passo de uma construção – o fundamento. Os apóstolos eram o fundamento porque foram os primeiros naquele período inicial da igreja. 

Devido ao ministério deles foram postos os alicerces da “tradição apostólica”, a igreja posterior demarcou explicitamente os primeiros apóstolos como distintos, e os colocou à parte do ministério posterior da igreja com sua “tradição eclesiástica”.  

 

HAVIA UM DOM ESPECÍFICO NAQUELES QUE ERAM APÓSTOLOS? 

Paulo em 1 Coríntios 12:28 e Efésios 4:11 diz que sim. No entanto, ele não discorreu mais sobre esta matéria. Não temos no Novo Testamento um detalhamento que diga-nos o que especificamente fazia uma pessoa que tinha este dom. Ou seja, que proeza fazia tal pessoa para ser merecedora do título de apóstolo. Juntamente com isso devemos considerar que os apóstolos acumularam mais de um dom. Veja, por exemplo, o relato de Atos dos Apóstolos 5:12-16. Nesta passagem vemos os apóstolos acumularem o dom de cura também. Temos ainda o texto de Marcos 16:16-18, no qual Jesus claramente autoriza outros fiéis, além dos apóstolos, a realizarem sinais.   

A luz que o Novo Testamento nos dá é de que esse dom estava relacionado à proclamação do Evangelho e ao ensino, exortação e aplicação da verdade oriunda deste Evangelho. Curiosamente, tanto em 1 Coríntios 12:28 como em Efésios 4:11, Paulo põe lado a lado os “apóstolos” e os “profetas”. Ao que parece, esta relação não foi aleatória, uma vez que ambos os agentes usam da Palavra e da comunicação verbal para anunciar a vontade de Deus. Sendo assim, o que os fazia apóstolos não era o fato de realizarem uma determinada proeza. Antes foi o chamado de Deus. 

Então por que Paulo fez esta distinção? Inclusive elencando os dons em ordem de prioridade? Pois ele disse: “A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas...” (1 Coríntios 12:28 grifo nosso). Considerando o contexto da primeira carta aos Coríntios, Paulo disse isso: primeiro, por que ele levou em consideração o fator da proeminência. Ou seja, cada um tinha um chamado em sua vida que tomava mais tempo e dedicação. Com isso corrobora o testemunho bíblico em Atos dos Apóstolos 6:1-4, no qual os apóstolos decidiram deixar o serviço das mesas (ação social) para se dedicarem à oração e à pregação da Palavra. Segundo, porque havia uma atenção exagerada ao dom de falar em línguas estranhas. Sentimentos facciosos e de projeção pessoal afetavam a igreja de Corinto. Numa determinada explanação, Paulo deixa claro que o dom de profecia (que incluía comunicação verbal inteligível e de proveito para o que ouvia) tinha um potencial maior de edificação (“mas o que profetiza edifica a igreja” [14.4]). 

Outra questão que precisamos considerar é o fato de que os dons não eram matéria de discussão para eles como é para nós hoje. Isto é, na Igreja Primitiva nem mesmo poderia haver espaço para debater sobre continuidade ou descontinuidade dos dons. Isso era algo impensável naquela época, uma vez que a Igreja estava no começo de seu desenvolvimento e era natural a intensa atividade dos dons. O que os cristãos do primeiro século jamais poderiam imaginar era o longo espaço de tempo entre a época deles e a nossa. 

Em suma, o dom dado aos doze apóstolos foi o de terem sido testemunhas do ministério de Cristo e o de tomar parte neste ministério depois da ascensão de Jesus. Para que não restassem dúvidas quanto ao Nome a quem serviam, e por quem haviam sido comissionados, e o propósito pelo qual faziam o que faziam, muitos sinais miraculosos os acompanharam (Mateus 10:8). Tais maravilhas não eram o carro chefe da missão deles. Não podemos exagerar e achar que os milagres e sinais aconteciam todo dia ou toda semana. Eles eram portadores de uma mensagem. Pregar o Evangelho e dedicar-se a oração era a tarefa primordial deles (Atos dos Apóstolos 6:2-4). 

 

CONCLUSÃO

Existe o dom do apostolado hoje? Se o dom se referir àquele apostolado que fez parte de um momento histórico-redentivo muito particular, então a resposta é não. Eles foram o fundamento principal. Jesus foi a pedra angular, e os apóstolos, as demais pedras desta fundação. Tudo o que veio depois foi edificado em cima deles. Portanto, o fato de os apóstolos terem sido “pontas de lança” é o que os caracterizou como pessoas dotadas com o karisma apostólico. Hoje o que existe é a essência daquele ministério, isto é, a comunicação do Evangelho. Para levarmos o Evangelho aos perdidos não precisamos do título “apóstolos”. 

Muito mais do que uma disputa para saber quem está com a razão, a questão relativa aos dons espirituais não se serve de uma cartilha ou manual de procedimento. A lista de dons apresentada por Paulo não só parece não seguir um padrão específico, como também não se propõe a ser exaustiva.  Paulo não se referiu aos que compõem, tocam e catam na igreja como sendo portadores de um dom específico. E aí? Afirmaríamos que toda a hinologia cristã e os irmãos e irmãs que servem a Deus através da música não teriam recebido um dom? Parece que a questão ficou em aberto. Conforme as épocas foram passando, Deus foi modificando a forma sem alterar a essência.