Texto de Estudo

Tiago 4:14:

14 Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece.

INTRODUÇÃO 

Nesta seção, Tiago fala sobre o risco da presunção. O que vem a ser presunção? A presunção vem de um entendimento erra¬do de nós mesmos e das nossas ambições. Ela envolve tomar em nossas próprias mãos a decisão de planejar e comandar a vida à parte de Deus. A presunção vem de um entendimento errado de nós mesmos e das nossas ambições. É assegurar a nós mesmos que o tempo está do nosso lado e à nossa disposição. É fazer os nossos planos como se estivéssemos no total controle do futuro; é viver como se nossa vida não dependesse de Deus. A presunção é um sério pecado. Ela olha para a vida como um contínuo direito e não como uma misericórdia diária. 

Até onde planejar o futuro é uma atitude presunçosa? Os cristãos podem fazer planos? Como nosso entendimento a respeito da vida influencia nossa tomada de decisão, tendo por base o planejamento responsável? Vejamos o que o texto tem a nos ensinar sobre esse assunto. 

 

PLANEJAMENTO VERSUS PRESUNÇÃO

Uma leitura superficial nesta passagem de Tiago tem feito alguns chegarem à conclusão de que planejamento não tem nada a ver com espiritualidade, com dependência de Deus, ocasionando duas ideias erradas acerca de fazer planos.

A primeira delas é: eu não devo planejar nada. O versículo 13 apresenta uma reprimenda do autor. Será que, de fato, Deus não deseja que façamos planejamento? Uma leitura nas páginas da Bíblia nos mostra o quanto Deus preza o planejamento, pois planejar não é pecado, aliás, é saudável e necessário para gerir nossa vida aqui neste mundo. Vejamos:

A criação do mundo. O relato da criação, conforme os capítulos 1 e 2 de Gênesis, não deixa dúvidas de que tudo foi criado de forma organizada; desde os céus até o ser humano, tudo foi planejado e posto em ordem, cada coisa no seu devido lugar, por exemplo, luz e trevas, noite e dia, água e terra, reino animal e reino vegetal, e por fim o ser humano, distinto de toda sua criação. Além disso, o universo tal como está organizado e com toda sua complexidade não poderia ter vindo à existência caso não fosse planejado em seus mínimos detalhes. 

A construção da arca de Noé. Em Gênesis 6:14-16, Noé recebe as instruções de Deus quanto à construção da arca, pois a terra seria inundada. Deve-se observar que Noé não fez uma embarcação qualquer ou conforme ele imaginava que fosse, foi o Senhor que forneceu a “planta”, o modelo da arca com todas as suas dimensões, seus compartimentos, a madeira, e todos os detalhes foram antes planejados pelo próprio Deus. Além da arca em si havia também toda uma logística, afinal, dentro dessa arca estaria um casal de toda espécie de animais e também humanos; então a manutenção da limpeza, a alimentação, a acomodação de todos em uma navegação que duraria meses não seria possível sem planejamento. 

Princípios de planejamento no ministério de Jesus. O ministério do Senhor Jesus não aconteceu aleatoriamente. Sua missão seguiu um cronograma certo, e o uso que ele fez do planejamento pode ser visto quando: 

a)Escolheu e enviou os discípulos. Jesus sabia que sua missão aqui neste mundo era temporária, e que sua mensagem precisava ser levada adiante, assim ele escolheu alguns discípulos (Marcos 3:13-19). Em outra ocasião, ele enviou um grupo de setenta discípulos e os orientou a irem de dois em dois, dando-lhes instruções bem específicas sobre a missão dos mesmos (Lucas 10:1-12). 

b)Elaborou suas estratégias para o trabalho (pregava, ensinava e curava) nas sinagogas e de cidade em cidade (Mateus 4:23-25). 

c)Usou as parábolas. Jesus usou o exemplo do planejamento para ensinar verdades espirituais, tais como: a firmeza da vida cristã (Mateus 7:24-27), o preço do discipulado (Lucas 14:26-32), a diligência na vida cristã (Mateus 25:14-30). 

Portanto, Deus não é contra o planejamento, a Bíblia não o condena, o que Tiago faz é criticar o planejamento feito com arrogância, sem se levar em conta que Deus é o dono do tempo e que todas as coisas estão em suas mãos.

Não é errado planejar o futuro e os negócios. Errado é fazê-lo como se tudo estivesse sob nosso controle. Errado é contar antecipadamente com o sucesso, como se tivéssemos poder sobre nossa vida e sobre as circunstâncias. Errado é nos gabarmos desses planos, declarando-os certos diante dos outros.  

Podemos afirmar que a vida humana está em certo aspecto sob o controle humano. Precisamos tomar decisões e somos um produto das decisões que fazemos na vida: quem queremos ser, com quem andamos, com quem nos casamos, o que fazemos. Por outro lado, a vida humana não está em nosso controle. Nós não conhecemos o nosso futuro nem sabemos o que é melhor para nós. Devemos procurar saber quais são os sonhos de Deus para a nossa vida. A verdade incontroversa é que a vida humana está sob o controle divino. Se Deus quiser, iremos, compraremos, ganharemos.  

Para Peter Davids, a exortação de Tiago não se limita a acrescentarmos um “se o Senhor quiser” no final de cada plano. Em vez disso, significa planejar juntamente com Deus. Cada plano é avaliado segundo os padrões e objetivos de Deus; cada plano é colocado diante de Deus com oração, dedicando-se o tempo apropriado a ouvir as ideias de Deus. Neste caso, a expressão “se o Senhor quiser” é uma convicção sincera de que Deus de fato quer, e não tão somente uma esperança piedosa de que Deus não há de interferir. Os planos que traçamos com bastante oração criteriosa, objetivando a vontade de Deus, não precisam sofrer de insegurança. 

Há um segundo mal-entendido que podemos ter numa leitura rápida dessa passagem. Isto tem a ver com o versículo 15: Ao invés disso, deveriam dizer: “Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo”. 

O autor sagrado não está induzindo seus leitores a terem uma atitude passiva com relação à vida futura. O problema de muitos cristãos está no fato de “colocar tudo nas mãos de Deus”, mas em contrapartida não fazem absolutamente nada em prol de si mesmo. Agem como se o fato de dependerem de Deus fosse isenção de trabalho diligente e esforço próprio. O que o texto ensina é o planejamento responsável, no qual o indivíduo traça seus planos, suas metas, mas tem plena consciência de que a execução dos mesmos está nas mãos do Senhor, é submeter a vontade própria à vontade soberana de Deus. No entanto, não se trata de uma fórmula mágica, fazer a declaração “se o Senhor quiser”, pois isso era algo comum entre os pagãos. O que está em evidência no texto é “não é declarar formalmente essas palavras, mas crer e planejar à luz delas”. 

O cristão deve planejar sua vida, mas com a preocupação de querer para si a vontade Deus, então, ao dizer “se o Senhor quiser”, deve expressar o desejo do seu coração em querer a vontade de Deus para sua vida. A Bíblia nos ensina que o coração do homem abriga muitos sonhos, muitos planos, mas “a resposta certa dos lábios vem do Senhor” (Provérbios 16:1), e que “há caminhos que ao homem parece direito mas o fim deles é caminho de morte” (Provérbios 14:12). Jesus que é nosso exemplo maior: orou e disse ao Pai “não seja como eu quero mas como tu queres” (Mateus 26:39). Champlim observa que: “O indivíduo seriamente interessado em fazer a vontade de Deus, em lançar a sua alma nessa direção, não demora a perceber quão inadequado é o ponto de vista dos materialistas, sobre a vida e sobre os ideais da vida” . A presunção aqui descrita é o planejamento, ou até mesmo um estilo de vida, em que Deus é excluído e o homem passa a ser senhor de si mesmo e de suas decisões; tal pretensão, afirma Tiago, “é maligna”. 

 

A FALIBILIDADE DOS PROJETOS HUMANOS

Tiago, nestes versos, apresenta dois argumentos para revelar a tolice de se planejar fora da vontade de Deus:

Em primeiro lugar, temos a incerteza da vida (v. 14). Tiago diz no verso 14: “Vocês nem sabem o que lhes acontecerá amanhã!”. Esta expressão é baseada em Provérbios 27:1: “Não se gabe do dia de amanhã, pois você não sabe o que este ou aquele dia poderá trazer” (NVI). Jesus ilustrou muito bem essa verdade na “Parábola do Rico Insensato” (Lucas 12:16-21). Alí é apresentado um homem em tons arrogantes planejando um futuro de muita prosperidade e com uma vida sem preocupações no que diz respeito ao trabalho e à independência financeira. Seus projetos tinham como base seus bens adquiridos com o resultado de seu trabalho, no entanto, na mesma noite em que fazia seus planos, o Senhor o olha como um louco, e acrescenta que nessa mesma noite sua alma seria pedida e ele nem sequer teria tempo de usufruir do que supostamente lhe pertencia. Embora tenha agido com planejamento e diligência, ele desconsiderou que o amanhã está entregue ao Senhor Onipotente e só ele tem a capacidade de conhecê-lo. O amanhã é desconhecido ao homem. Deus não lhe concedeu esse conhecimento. O homem pode planejar o amanhã, mas sempre à luz dessa realidade: ele não está a par do que acontecerá nem mesmo nos minutos seguintes da sua vida. 

Olhar para o amanhã na certeza de que ele é incerto nos coloca em total dependência de Deus, uma vez que, mesmo que seja incerto para o homem, não o é para Ele, que tem o controle do tempo. 

Em segundo lugar, temos a fragilidade e a brevidade da vida (v. 14). A segunda parte do verso 14 diz: “Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa”. Tiago compara a duração da vida como um vapor ou uma neblina, mesmo que o primeiro seja mais fiel ao texto grego. Tanto o vapor como a neblina servem para indicar a natureza frágil e efêmera desta vida terrena. O fato é que, se comparado à eternidade, o tempo da nossa vida aqui, por mais que se viva muitos anos, torna-se insignificante.

Os cristãos deveriam pensar com muita seriedade sobre essa pergunta “o que é a vida?”, e a partir daí procurar olhar pra sua própria existência com a perspectiva divina, e, assim como o salmista, clamar ao Senhor: “ensina-nos a contar nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios” (Salmos 90:12), pois o que é a vida senão algo momentâneo e à qual nem sequer podemos acrescentar nem que seja apenas “uma hora a mais”? (Mateus 6:27 NVI). Todavia, não se deve viver sem preocupação alguma em relação à vida, como se a mesma fosse algo qualquer. Mesmo que ela seja breve é preciso conduzi-la responsavelmente. 

 

VENCENDO O PECADO DA PRESUNÇÃO

O grande desafio da vida cristã é com relação à prática da revelação recebida através das Escrituras. Quando Jesus terminou de ensinar a lição da humildade, lavando os pés de seus discípulos, ele concluiu dizendo “Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurado sois se as praticardes” (João 13:17). Ao concluir o “Sermão do Monte”, Jesus ilustrou de forma precisa a “prática” de seus ensinos (Mateus 7:24-27). Diante do exposto, a questão é como nós podemos nos proteger da presunção, uma vez que já nos é dito sobre sua natureza maligna? 

Em primeiro lugar, tendo consciência da nossa ignorância: “No entanto, não sabeis o que sucederá amanhã” (v.14). A presunção vem do fato da supervalorização do “eu”, é quando se tem um conceito elevado de si mesmo, enquanto olha para os outros e os vê como sendo inferiores. No entanto, o presunçoso revela falta de conhecimento a respeito da vida, assim, aceitamos o fato de que não foi-nos dado a conhecer o dia de amanhã e vivermos o hoje para o Senhor. Assim, deixamos em suas mãos as preocupações futuras e nos prevenimos de sermos presunçosos. 

É até contraditório o planejamento sem Deus, pois o homem se vê fazendo planos de algo que é abstrato, pois o dia de amanhã não é tangível, não pode ser visto, ele fica só no imaginário; por isso todo plano humano deve se harmonizar com os planos e a vontade de Deus. 

 É comum surgirem pessoas com a pretensão de “prever” o futuro. É claro que não estão em foco as previsões científicas, que se baseiam em pesquisas e podem, até certo limite, dizer o que “poderá” ocorrer com relação aos fenômenos da natureza, bem como previsões para a economia, a política etc. O que ocorre é que cada vez mais pessoas procuram desvendar seu futuro sem ao menos ter vivido dignamente o presente, e tais segmentos, como a astrologia, por exemplo, ganham espaço na mídia e entre a classe mais elitizada, numa tentativa desastrosa de conhecer o amanhã.

A ignorância sobre o futuro e a transitoriedade da vida humana trazem sobriedade aos cristãos quando fazem planos, e faz com que dependam absolutamente daquele que tem em suas mãos tanto o futuro quanto a vida humana.  

Em segundo lugar, tendo consciência da nossa fragilidade: “Que é a vossa vida? Sois um vapor que aparece por um pouco, e logo se desvanece” (v.14). Tiago procura despertar seus leitores para uma reflexão a respeito da fragilidade da vida humana. O exemplo da neblina (ou vapor), que se apresenta de forma passageira, deveria ser por si só o suficiente para servir-nos de alerta. Nada do que fizermos mudará essa realidade! No entanto, percebe-se que as ocupações com a vida, cada vez mais agitada e materialista, tem-nos privado de refletir sobre o que fazemos e como vivemos o pouco de tempo que nos foi dado a viver. 

Estar consciente de nossa fragilidade também nos esvazia do orgulho, direcionamos nossa vida a Deus e o buscamos como fonte de tudo o que somos e pretendemos ser. Quanto mais se compreende a natureza frágil e passageira da vida, mais será possível lançar o olhar para a eternidade, fixando-o naquilo que é eterno e não nos prazeres temporais deste mundo.

A presunção do homem apenas tenta esconder a sua fragilidade. O homem não pode controlar os eventos futuros. Ele não tem sabedoria para ver o futuro nem poder para controlar o futuro. Portanto, a presunção é pecado, é fazer-se de Deus. Em suma, qualquer tentativa para achar segurança longe de Deus é uma ilusão.  

Em terceiro lugar, tendo consciência da nossa total dependência de Deus: “Em lugar disso, devíeis dizer: se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo” (v. 15). O Apóstolo Paulo foi um homem que aprendeu a viver contente apesar de qualquer circunstância (Fl 4:11-13). Jesus afirma nossa total dependência dele ao dizer “sem mim nada podeis fazer” (João 15:5). Quem sustenta a vida humana é Deus, depende dele nossa permanência neste mundo. É um engano o homem pensar diferente, pois muitos dariam tudo o que possuem para prolongar sua existência. Grande parte dos investimentos em qualidade de vida tem como motivação a vontade de “prolongar a vida”. É claro que não há nada de errado quanto ao cuidado com a estética e com a saúde do corpo, mas nada substitui o prazer de saber que Deus cuida dos seus. 

Estar dependente de Deus não só nos assegura o futuro, mas também nos ajuda a compreender o valor da vida presente como uma dádiva dele, e a entender que ela não nos pertence. Assim, a vontade do Senhor será levada em conta não somente quando nos lançarmos em projetos grandiosos, mas também nas decisões diárias da vida. Assim comenta Augustus Nicodemus: “A visão de Tiago é de que não há área alguma de nossa vida que não esteja sob o domínio de Deus. O cristianismo não é somente acerca do destino futuro de nossa alma, mas também acerca de nossa vida neste mundo”.  

O que o mundo tem apregoado é que o homem precisa ser cada vez mais dependente de si mesmo, assim ele vai se “emancipando” aos poucos, primeiramente dos pais, e olha que não é a emancipação civil que vem com a maior idade e sim a emancipação moral, que tem ocorrido cada vez mais cedo. Depois vem a “emancipação” da opinião alheia, o que importa é o que o indivíduo pensa e se o que ele faz o leva a se sentir-se “bem”. E assim, gradativamente o ser humano vai se tornando cada vez mais “independente”, com isso passa a depender mais de si mesmo do que de Deus. Isso se agrava ainda mais quando tal atitude vem de pessoas que professam fé em Jesus, mas que se tornaram senhores de si mesmo, como se a vida lhes pertencesse. Tal atitude é presunçosa e maligna. 

 

CONCLUSÃO

Planejar a vida sem a direção de Deus, buscar o sucesso, seja ele financeiro ou em qualquer outra área, sem levar em conta que nossa existência é frágil e passageira, é uma tentação que cristãos sempre enfrentam. É uma questão de maturidade espiritual descansar no Senhor e entregar o controle de tudo a ele. Também é uma questão de maturidade saber equilibrar a confiança em Deus e o planejamento, que, além de ser bíblico, é saudável e necessário enquanto vivermos aqui neste mundo. Mas as pretensões arrogantes são prejudiciais. São uma expressão do mundanismo e se tornam um grande laço. Para desenvolver uma vida cristã autêntica é preciso aplicar em nossa vida o ensino de Jesus sobre nossas prioridades. “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6:33). E jamais nos esqueçamos de que a vontade de Deus é “boa, perfeita e agradável” (Romanos 12:1). 

Para Tiago, a sublime questão está em conhecer a vontade de Deus. Uma vez conhecida a vontade de Deus, são três as atitudes que uma pessoa tem diante dela: ignorá-la, desobedecê-la ou obedecê-la.   Qual é a nossa atitude em relação à vontade de Deus? Ignoramo-la? Conhecemo-la, mas deliberadamente a desobedecemos ou obedecemo-la com alegria? Quem obedece a vontade de Deus pode até não ter uma vida fácil, mas certamente terá uma vida mais santa, segura e feliz.