Texto de Estudo

Tiago 1:22:

22 E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos com falsos discursos.

INTRODUÇÃO

É fascinante como funciona o processo de comunicação. Uma pesquisa revelou que, via de regra, as pessoas em geral ouvem 100% daquilo que é dito apenas nos primeiros cinco minutos, e que, proporcionalmente, a capacidade de se ouvir e reter vai diminuindo à medida que o tempo vai passando. Não seria exagero dizer que, em parte, o problema está na falta de interesse de ouvir e em uma necessidade gritante de falar. Esse não é um problema moderno, como bem vimos na semana passada. Ainda de acordo com a pesquisa somos capazes de reter: 10% do que lemos; 20% do que escutamos; 30% do que vemos; 50% do que vemos e escutamos (audiovisual); 70% do que ouvimos e logo discutimos; 90% do que ouvimos e logo praticamos. 

Em nossa vida não vai fazer muita diferença o quanto lemos ou ouvimos da Palavra de Deus. Antes, fará diferença o quanto conseguirmos praticar a Palavra, e é sobre isso que o nosso texto em estudo fala.

 

PRATICANTES DA PALAVRA

Você já imaginou se Deus mandasse um anjo, durante alguns dias, só para anotar tudo aquilo que fazemos? Se ele viesse para observar as atitudes, os pensamentos, as reações que temos nos nossos relacionamos e em nossas conversas? Se a partir de tudo que o anjo tivesse ouvido, ele começasse a escrever um manual de descrição bíblica da nossa vida e anotar a partir da nossa conduta e ação tudo aquilo que estivesse casando com a Palavra de Deus? Quantos versículos ou princípios bíblicos comporiam nosso manual de descrição bíblica? 

Havendo declarado que a Palavra é poderosa para nos salvar (1:21), Tiago nos exorta a praticá-la. Ele considera inútil sermos meros ouvintes. Não que o ouvir a Palavra de Deus seja errado! A meta, no entanto, é ouvi-la e praticá-la. A Palavra é “poderosa para salvar a alma” se acolhida com mansidão e praticada. O ensinamento de Tiago reflete aquele do Senhor Jesus no Sermão do Monte, segundo o qual somente dizer: “Senhor, Senhor” não garante a vida eterna (Mateus 7:21-25). Fazer a vontade de Deus, sim! (Mateus 12:50). Quem vai até Jesus deve ouvir e praticar o que ele ensina (Lucas 6:46-48). 

De acordo com Tiago, é bem possível que, como filhos de Deus, estejamos dando pouca atenção à Palavra. Não a estamos ouvindo, não damos atenção ao que ela tem a falar e, assim, estamos rejeitando aquilo que Deus quer realizar em nossa vida. Por isso, no versículo 22 de nossa passagem de estudo, vemos Tiago dizer: “Sejam praticantes da palavra, e não apenas ouvintes, enganando-se a si mesmos” (NVI). Outra versão diz assim: “E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos com falsos discursos” (ACRF). Ou seja, há o risco de sermos apenas ouvintes da Palavra, impossibilitando dessa maneira a ação dela, que tem um papel a exercer em nossa vida. Se nos tornamos apenas ouvintes, podemos acabar rejeitando o que Deus quer fazer em nós.

Na prática, creio que a exortação de Tiago expresse algo assim: que sejamos tão cheios da Palavra de Deus em nossa vida e que sejamos praticantes dela de tal forma que nossa vida reflita em todos seus aspectos a própria Palavra. Mas para que isso aconteça, precisamos ser praticantes da Palavra. O termo grego usado é poités, e literalmente significa ser “fazedores” da Palavra.  Isso não quer dizer que devemos criar a Palavra, como um artista cria uma obra de arte, mas que devemos, obviamente, cumprir tudo aquilo que ela nos ensina. Devemos ser assim o povo do Livro.

Pior do que ser enganado por outros, é enganar-se a si mesmo, e é justamente isso que acontece quando ouvimos, mas não praticamos. Estamos nos enganando, estamos brincando de ser cristãos, brincando de ser igreja. Ouvir, sem praticar, tanto para Tiago quanto para nosso Senhor, não passa de loucura e autoengano. A palavra implantada que tem poder para salvar, mas é imprescindível que seja praticada. Ela é a única mensagem salvadora que oferece a vida eterna de graça, mas não pode ser “graça barata” que não produz fruto de justiça. 

Nos versos 23 e 24, Tiago introduz uma comparação interessante para explicar a inutilidade de se ouvir a Palavra, sem praticá-la. Há uma semelhança entre os meros ouvintes de sermões e aqueles que se olham no espelho e logo esquecem sua face ali refletida, isto é, negligenciam qualquer providência para melhorá-la. O verbo usado por Tiago para “contemplar-se” é katnoeo e significa olhar com intensidade, examinar, fazer um escrutínio atento, e não apenas uma mera olhada.  É difícil imaginar alguém se olhando no espelho sem que procure algo para corrigir. Qual a finalidade de se examinar no espelho senão para, em seguida, ajeitar sua aparência, arrumar aquilo que o espelho revelou e que por si só a pessoa não é capaz de ver? 

Da mesma forma, somente ouvir sermões não salva ninguém, não produz santificação, não produz crescimento, amadurecimento! Qual a finalidade de ouvirmos a Palavra de Deus, senão para corrigir nossos erros e sermos instruídos e encorajados a fazer o que é correto?

A grande batalha para sermos praticantes é que nossa relação para com a Palavra de Deus pode estar muito descompromissada. Tornamo-nos praticantes quando reverentemente aceitamos o fato de que é Deus quem está falando diretamente conosco por intermédio da sua Palavra. Quantos, honestamente, antes de abrir a Bíblia para ler, oram pedindo que Deus os corrija, ensine-os, exorte-os, repreenda-os e eduque-os em toda a justiça e guie-os para que aquilo que forem ler não seja apenas em um exercício mental, mas que possa ser colocado em prática? Não basta apenas ouvir, ou ler, para ter consentimento mental. O ouvir tem que levar ao fazer. 

 

A BÊNÇÃO DE SER PRATICANTE DA PALAVRA

Muito diferente é o indivíduo que observa atentamente a lei perfeita, que traz a liberdade (1:25). Em contraste com os dois versículos anteriores, Tiago apresenta a felicidade daquele que tem uma atitude correta com a Palavra de Deus, bem como os benefícios trazidos a tal pessoal pela prática da Palavra. Vejamos algumas atitudes que devemos ter para com a Palavra:

1. Considerar atentamente. O versículo 25 diz: “Mas o homem que observa atentamente a lei perfeita...” Este versículo praticamente simplifica o que é o ideal de ação para um cristão. A palavra grega usada é parakupsas, e comunica um olhar atencioso. É o mesmo termo usado para descrever a maneira como João olhou para o sepulcro de onde Jesus ressurgira pouco antes (João 20:5). 

Olhemos atentamente para o espelho espiritual. É provável que não gostemos do que ali virmos. Então, roguemos para que o Espírito Santo nos ajude a corrigir o que for preciso, para que nos tornemos semelhantes a Cristo.

2. Perseverar na Palavra. Ainda no verso 25, Tiago diz: “Aquele que observa atentamente a lei perfeita que traz a liberdade, e persevera na prática...” O termo grego usado é parameinas, e sugere que, além de se preocupar com o ensino da Palavra, devemos continuar praticando-a. 

Ninguém jamais disse que colocar em prática tudo aquilo que ouvimos de Deus é fácil. Em algumas ocasiões, até mesmo os discípulos foram desafiados na sua forma de pensar, para que entendessem que o chamado que Deus tinha para eles era um chamado para perseverar, porque haveria muitas dificuldades pela longa jornada que teriam pela frente ao seu lado. Também não podemos esperar vida fácil. Quando a Palavra nos diz que devemos confessar nossos pecados uns aos outros, em nenhum lugar afirma-se que isso seria fácil. Ou que devemos suportar as falhas uns dos outros. Ou perdoar constantemente alguém. Nada disso acontece naturalmente. Mas se torna mais fácil à medida que perseveramos em colocar essas verdades em prática.

3. Praticar a Palavra. No versículo 22, Tiago diz que nós devemos ser “praticantes da palavra e não apenas ouvintes”. No versículo 25, ele diz ainda: “Mas o homem que observa atentamente a lei que traz a liberdade, e persevera na prática dessa lei, não esquecendo o que ouviu, mas praticando-o”. O que Tiago está nos dizendo com veemência é que o objetivo da palavra é ser aplicado à vida. A bem-aventurança não é para aquele que apenas ouve sermões, mas para aquele que é põe em prática aquilo que aprendeu. Tiago confirma que o cristão que persevera na prática da lei perfeita será feliz naquilo que fizer (1:25).

 

A RELIGIÃO VERDADEIRA

A religião pura e verdadeira vai muito além de doutrinas e ritos. Envolve prática, ação. Hoje parece haver um divórcio entre o que se professa e o que se vive. Tiago nos alerta para opor-se a essas deturpações tão gritantes, para a necessidade de aprendermos a diferenciar a religião, ou religiosidade, verdadeira da falsa e vazia. Diferenciar aquela religião que agrada a Deus daquela da qual Deus não se agrada.

Conforme Tiago, Deus avaliará a pureza de nossa religião pelos seguintes critérios:

1. Controle da língua (v. 26). Tiago alerta para o perigo de um temperamento doente e explosivo e de uma língua solta (1:19,26). Jesus disse que a pessoa que nutre raiva que desemboca em ofensa ao próximo é passível do fogo do inferno (Mateus 5:22). Nosso Senhor também admoestou: “Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no dia do juízo; porque pelas tuas palavras serás justificado e pelas tuas palavras serás condenado” (Mateus 12:26-37). Tiago compara a língua como um cavalo fogoso sem freios, um navio sem leme que pode espatifar-se nas rochas, uma fagulha que incendeia uma floresta, uma fonte contaminada, uma árvore que produz frutos venenosos, um mundo de iniquidade e uma fera indomável.

A palavra “refrear” é a tradução do verbo grego chalinagogeo, e significa, originalmente, “exercer controle sobre o cavalo usando freio e bridão, para dessa forma, freá-lo em sua corrida”.  É bom lembrar que Jesus disse que é a língua que revela o coração (Mateus 12:34-35). Uma língua controlada significa um corpo controlado (3:1). A Bíblia diz que a maledicência é o pecado que Deus mais abomina (Provérbios 6:19).

É muito importante também perceber essa relação que Tiago faz aqui do controle ou a falta de controle no uso da nossa língua com a questão de sermos religiosos, pois ele nos ensina que não somente nossas atitudes são relevantes, mas também nossas palavras, principalmente em uma época em que as palavras de uma pessoa não parecem ter muito valor. As palavras importam. É preciso estar muito atento para que no nosso falar não haja contradições com nosso adorar.  

2. Compaixão pelos necessitados (v. 27). Tiago não está falando enfocando a questão doutrinária, mas um assunto de prática cristã. O conteúdo da fé é a morte expiatória de Cristo e sua ressurreição gloriosa. O cuidado dos necessitados não é o conteúdo do Cristianismo, mas a sua expressão. A preocupação prática da religião de uma pessoa é o cuidado pelos outros. A religião é a prática da fé. É a fé em ação. Seremos julgados com base nesse aspecto prático da religião (Mateus 25:34-46).

Por que os órfãos e viúvas? O cuidado que Deus tem pelos fragilizados pelas circunstâncias da vida tem fortes raízes no Antigo Testamento. Naquela sociedade, eles eram, sem sombra de dúvida, os mais desesperados por conta da sua condição econômica, emocional e social. A mulher dependia completamente do sustento do pai ou do marido. E, na ausência deles, ela ficaria totalmente à mercê das ajudas e esmolas de pessoas da família ou amigos próximos.

Apesar de Tiago enfatizar o órfão e a viúva, é importante reconhecer que hoje não devemos nos limitar apenas a esses dois grupos de pessoas. Podemos dizer que estariam inclusos na lista aqui todas as pessoas que se encontram em situação desesperadora e que não têm condições de prover para si mesmas sequer o mínimo necessário. 

3. Retidão pessoal (v. 27). Nós vivemos num mundo de imundície moral (1:21, 27). O mundo é esse sistema corrompido que se opõe a Deus. Ser amigo do mundo é ser inimigo de Deus (4:4). A marca de um cristão verdadeiro é se ele se afasta desse sistema mundano. O salvo tem uma vida nova, uma vida diferente em tudo: no namoro, no casamento, no trabalho, no lazer, nas festas, nas diversões etc. O termo “mundo”, empregado por Tiago, refere-se a tudo aquilo que é contrário a Deus. 

James Boyce, corretamente afirma:

 

Nós vivemos, como Tiago, em uma época caracterizada por imundície moral. O perigo da contaminação pelo mundo por meio de suas diversões, revistas, livros e a vida do dia-a-dia, é algo que nós conhecemos muito bem. Tiago está dizendo que devemos nos manter livres de tudo isso e que não devemos ser contaminados com tais coisas. 

 

O mundo é a sociedade sem Deus, decaída, caracterizada pela cobiça, busca de prazeres e guerras (Tiago 4:1-3). Estamos fisicamente no mundo, mas não espiritualmente no mundo (João 17:11-16). Não podemos ser amigos do mundo, nem amar o mundo, nem nos conformarmos com o mundo, para não sermos condenados com o mundo.

 

CONCLUSÃO

Tiago diz que podemos nos enganar. A religião autêntica envolve compromissos pessoais. Aquilo que aprendemos na Palavra de Deus tem que se reproduzir em ações. Assim, cada vez que eu paro para ouvir a Palavra de Deus, eu tenho que me perguntar em que isso deve modificar a minha relação com Deus, a maneira como administro a minha vida pessoal, a maneira como eu me relaciono com as pessoas, com o mundo, com o inimigo.

Em muitos lugares vê-se um grande abismo entre o que se professa e o que se vive; entre o que se diz e o que se faz; entre a profissão de fé e a prática de vida; entre o cristianismo teórico e o cristianismo prático. Esse distanciamento entre verdades inseparáveis, essa falta de consistência e coerência, dá à luz uma religião esquizofrênica e farisaica. 

A religião verdadeira tem duas dimensões: vertical, mas também horizontal. Estes dois aspectos podem ser vistos em Miquéias 6:8 quando diz: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a benevolência, e andes humildemente com o teu Deus?”