Texto de Estudo

 Tiago 1:19:

19 Portanto, meus amados irmãos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.

INTRODUÇÃO

Tiago desenvolve um assunto muito importante para nós cristãos: a ira. Mas o que é a ira? Ira é um estado emocional experimentado vez ou outra por todos, mas impossível de se definir com exatidão. O Dicionário Michaelis traz as seguintes definições para ira: “1. Cólera, raiva contra alguém. 2. Indignação. 3. Desejo de vingança”.

A advertência de Tiago passa a ser agora com respeito ao uso da palavra; sobre a ira e o temperamento descontrolado. O falar do cristão deve ser de acordo com o caráter do Salvador, e esse caráter do Senhor deve ser assimilado pelo cristão. Na lição de hoje veremos que o cristão espiritual deve saber se controlar, tanto verbal quanto emocionalmente.

 

COMPREENDENDO A IRA HUMANA

Antes de analisarmos o texto de estudo propriamente dito, precisamos entender algumas coisas acerca da ira.

Em primeiro lugar, a ira humana é perfeitamente normal. Os seres humanos possuem emoções, inclusive a ira. Essa ira é uma reação necessária e útil, não sendo pecaminosa ou negativa em si mesma. As Escrituras nos ensinam claramente que há dois tipos de ira: a justa e a injusta. Ela é justa quando é resultante de um estado de indignação (cf. Marcos 3:5). Nesse sentido, Paulo diz que a ira de Deus virá sobre os desobedientes (Efésios 5:6), e sabemos que a ira de Deus é justa. A ira contra a injustiça é reta e boa, tanto em Deus como nos seres humanos.

Em segundo lugar, a ira humana geralmente resulta de uma percepção distorcida dos fatos. Em vista de as pessoas serem imperfeitas, cada uma vê a situação de sua própria perspectiva. Por isso, nem sempre temos a capacidade para julgar entre a verdadeira justiça e a injustiça aparente. Por nos sentirmos vulneráveis, ameaçados ou inclinados à crítica, entendemos mal os atos alheios e tiramos conclusões precipitadas negativas e talvez injustificadas. Entretanto, a ira (ou raiva) é um dos sentimentos desagradáveis que de¬vemos colocar longe de nós (cf. Efésios 4:31). Quando interpretamos mal as circunstâncias, cometemos erros de julgamento, reagimos na hora quando nos sentimos ameaçados ou feridos, e algumas vezes respondemos com atos de vingança e represália. Essa é a ira injusta.

Em terceiro lugar, a ira humana geralmente leva ao pecado. Isto fica implícito na advertência de Paulo: “Irai-vos e não pequeis” (Efésios 4:31). O pecado desse tipo pode manifestar-se de várias maneiras: vingança (amargura, ódio, represália, crítica), abuso verbal (usamos uma situação para expressar nossa hostilidade), recusa em partilhar nossos sentimentos (a pessoa fica amarga e deprimida). 

O sábio Salomão diz que “o tolo dá vazão à sua ira, mas o sábio domina-se” (Provérbios 29:11 NVI). Observe como é fácil identificar uma pessoa tola. Outra versão diz assim: “O tolo revela todo o seu pensamento, mas o sábio o guarda até o fim” (ARC). Ou seja, a pessoa que não tem autocontrole fala tudo que lhe vem à mente, na hora que é provocada. Depois, arrepende-se e diz: “Me desculpa? Estava nervoso. Falei demais! Falei sem pensar!”. Acontece que aí já é tarde demais!

A ira humana pode ser prejudicial e perigosa, pois ela fornece uma brecha para Satanás. Por isso, somos advertidos a esse respeito: “Irais-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira. Não deis lugar ao Diabo” (Efésios 4:26-27). O que Paulo está dizendo é: “Não dêem ao Diabo oportunidade para tentar vocês” (NTLH). Alguns cristãos estavam dando a oportunidade ou ocasião para o Diabo fazer alguma coisa. O verbo conjugado no modo presente do imperativo, na forma negativa, representa um comando para os fiéis pararem um processo que já estava em andamento. Por isso, o que Paulo está dizendo literalmente é: “Parem de dar lugar ao diabo na vida de vocês!”

O escritor puritano Thomas Manton disse certa vez: “Nada deixa mais espaço para Satanás do que a ira”. A raiva nutrida no coração dá oportunidade a Satanás. Sabe por quê? Porque Satanás tem simpatia por um espírito maligno e vingativo. Esses sentimentos em seu coração deixam a porta aberta para ele entrar na sua vida. Por isso, o diabo gosta de ficar espreitando as pessoas zangadas, esperando poder tirar proveito da situação ao provocá-las para o ódio ou à violência, ou a um rompimento da comunhão. Porque aonde Satanás chega é para diábolos, isto é, para fazer divisão, porque a palavra grega diabolos significa: “Aquilo que nos separa”. Um significado secundário é: caluniar ou infamar, falar mal sobre alguém. Portanto, cada vez que agimos assim, estamos nos igualando ao Diabo!

 

DOMINANDO A IRA

É absolutamente improvável que Deus nos desse as instruções para controlar a ira se esta fosse incontrolável.

Vejamos, portanto, quais são as recomendações de Tiago, para lidarmos com a ira.

1. Devemos aprender a ouvir as pessoas. No começo do verso 19, Tiago diz assim: “Meus amados irmãos, tenham isso em mente” (NVI). Os manuscritos mais antigos dizem: “sabeis isto” (ARC); ou “saibam estas coisas”. Se seguirmos esta tradução, a conclusão é que esta expressão reclama importância para o que vai ser dito. Neste caso, Tiago deseja toda a atenção de seus leitores, pois é fundamental para a vida deles o que vai ser dito.  Também pode significar que o que se vai dizer já é sabido pelos leitores: “Sabeis estas coisas” (ARA); “Lembrem disto” (NTLH). Não obstante, algumas Bíblias, com base nos manuscritos mais recentes, traduzem essa expressão por: “sabendo isto”; “portanto” (ACRF); “isto sabeis” (SBB), ligando esse verso à frase anterior.  Tiago estaria dizendo “portanto”, e esse versículo e os que se seguem seriam a conclusão prática do que foi ensinado no anterior. 

Sabendo o que? Tiago está relacionando o que está escrevendo agora com aquilo que ele disse antes, no versículo 18: “Uma vez que vocês foram gerados, e se vocês sabem disso, devem, portanto, agir de uma determinada maneira”. E que maneira é essa? Ele diz: “Você deve estar pronto para ouvir”. A ideia é que uma vez que você já sabe que foi gerado novamente, que pertence ao povo de Deus, que é nova criatura, sabendo isso, há algumas coisas que deve observar. Uma vez que sabemos isso, ele diz: “Sejam todos prontos para ouvir” (NIV). A Versão Contemporânea traz assim: “Todo homem, pois, seja pronto para ouvir”. Traduções mais antigas acrescentam uma expressão fundamental neste texto: “Sejam, pois, todos prontos”, relacionando este conselho com o que Tiago acabou de dizer.

A palavra “pronto”, no grego, é taxys, que significa, literalmente, rápido. O veículo de aluguel chamado táxi é um transporte rápido. Quem está com pressa para um determinado compromisso não vai esperar por um ônibus. Daí a ideia de disposição e prontidão para ouvir. Deve haver rapidez do cristão em ouvir o que o outro está dizendo, em ouvir o seu ponto de vista. 

Nós gostamos de falar. Gostamos de comunicar aquilo que achamos importante, mas não temos paciência para ouvir as pessoas. É por isso que certo humorista disse assim: “A psicanálise não resolve, mas é cara, porque o analista cobra para fazer o que os outros não querem fazer: ouvir”.

É preciso que estejamos prontos para ouvir a voz de Deus, a voz da consciência, a voz de nosso próximo. Hoje estamos perdendo o interesse em ouvir, e o resultado disso é a família em desarmonia, é a sociedade fragmentada. Se nós estivéssemos prontos para ouvir, com a mesma disposição que estamos prontos para falar, certamente haveria menos ira e mais encontros abençoadores e saudáveis entre nós. 

Ouça com atenção o que a outra pessoa está dizendo, sem julgamento e preconceitos. É com muita facilidade que caímos na intolerância, principalmente em matéria de religião. Não seja intolerante!  Somente se estivermos dispostos a ouvir é que poderemos remover a ira.

2. Devemos aprender o autocontrole. Algumas pessoas, assim que começam a ouvir uma crítica, já querem retrucar. Mas a Palavra é clara: para ouvir, devemos ser rápidos e dispostos, mas devemos ser “tardios para falar” (1:19). O sentido da palavra “tardio” é interessante. Esta palavra é a tradução do grego bradys. É a mesma palavra traduzida por “estúpido”, um termo usado na Psicologia para classificar aquela pessoa com dificuldade intelectual para compreender logo de início o que lhe foi dito e necessita, portanto, de reflexão. É esta a ideia de Tiago: refletir para falar. Não falar de imediato. É preciso saber a hora de falar e também saber o que falar. Quem muito fala, muito erra.  Você nunca vai encontrar uma pessoa que se arrependeu por não ter falado algo que seria destrutivo para a vida de outra pessoa. O livro de Provérbios contém muitas exortações nesse sentido (cf. 10:19; 13:3; 15:2; 15:28;17:27,28; 18:21).

Devemos tomar muito cuidado com nossas palavras. Elas podem levantar uma vida ou, então, destruir uma pessoa. Vários problemas surgem no meio da Igreja de Cristo exatamente por falta de obediência a este conselho. Fala-se antes de pensar. Fala-se antes de orar. Devemos tomar cuidado com nossas palavras. Elas podem levantar uma vida ou, então, destruir uma pessoa. Um provérbio inglês assim diz: “Tu és senhor da palavra não dita; a palavra dita é teu senhor”.

3. Devemos aprender a manter a calma. A terceira orientação de Tiago é devemos ser “tardio para se irar” (1:19). E a razão é muito clara no verso seguinte: “porque a ira do homem não produz a justiça de Deus” (1:20). Novamente Tiago usa a palavra grega bradys. Mais uma vez mostra que algo deve ser feito com reflexos lentos, com certa dificuldade em fazer a ira entrar em ação. Exercitar a paciência antes de falar, quando estamos irados, tende a desacelerar a ira. Quando, sob pressão, tendemos a ferver em ira (cólera), dizemos e fazemos o que não devemos, como cristãos.

A maior demonstração de força, segundo a Bíblia, está no autodomínio, e não no domínio sobre os outros. É por isso que Salomão diz assim: “Vale mais ter paciência do que ser valente; é melhor saber se controlar do que conquistar cidades inteiras” (Provérbios 16:32 NTLH). Fazemos muitas coisas e depois nos arrependemos mais tarde. Para que isso não aconteça é preciso que você diminua suas reações negativas. Conte até dez, fale devagar sem alterar a voz, ou fique calado, apenas ouvindo. Depois, quando estiver mais calmo, chame a pessoa para uma conversa tranquila.

 

SUPERANDO A IRA

Talvez a questão mais importante seja esta: Como superar a ira? Sei que o crente espiritual deve saber se controlar, sei que não devo me irar, mas volta e meia estou me irando. Como superar esse pecado? O verso 21 nos dá essa resposta: “Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma”. Outra versão diz assim: “Por isso renunciando toda sorte de imundícia e de todo o excesso de malícia” (SBB). 

Assim, podemos dizer que, para superar a ira, temos que:

1. Remover de nossa mente todo tipo de impureza moral. O verbo “despojando-vos” é a tradução do grego apothémenoi, cuja ideia é “remover, afastar”. A preposição apo nos orienta na compreensão desta palavra. É algo que vem de dentro para fora. Essa palavra era usada comumente para indicar a troca de uma roupa suja. Assim, o cristão deve mudar de roupa. Não é algo que é posto em cima, mas que, pelo contrário, parte dela. Ela vai se trocar, vai tirar uma roupa velha e suja. A ideia é tirar de nós a impureza, a imundícia e a maldade (cf. Efésios 4:22-23). 

 A palavra impureza (ou imundície) vem da palavra grega rhyparos, que só ocorre aqui em todo o Novo Testamento, e que significa sujo ou imundo. Algumas versões em inglês traduzem esta expressão grega por “comportamento sujo”. Na medicina existe o termo “riparofilia”, que significa atração sexual por pessoa imunda. A natureza decaída do ser humano desenvolve naturalmente essa atração pelas coisas imundas, sujas e pecaminosas. Entretanto, o cristão deve deixar as imundícias do traje antigo, como bem lembrou o apóstolo Paulo: “A noite é passada, e o dia é chegado. Dispamo-nos, pois, das obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz” (Rm. 13:12).

2. Remover do nosso ser todo tipo de maldade. A segunda coisa que devemos jogar fora é o “acúmulo de maldade”. A palavra “acúmulo”, literalmente, significa abundância. Significa todas as manifestações da maldade, da malignidade, da malícia, do desejo mau de ferir e machucar alguém. A palavra “acúmulo” também significa excesso, não somente no sentido daquilo que excede, mas também daquilo que sobra. Nesse caso, o que Tiago está nos dizendo aqui é: “Despojai-vos daquilo que ainda resta da maldade em vosso coração”. Esse é provavelmente o melhor sentido. 

A palavra “maldade”, por sua vez, é a tradução do grego kakia que significa malícia, maldade, perversidade, depravação, malignidade. Esta palavra denota maldade moral e corrupção em geral, especialmente em relação ao desejo ou intenção. Diz respeito ao pecado que é deliberado e predeterminado. 

3. Receber, com mansidão, a Palavra de Deus em nosso coração. Remover a ira de dentro de si é insuficiente. É preciso colocar um substitutivo em seu lugar. Esse substitutivo é a Palavra de Deus que, ao ser implantada em nós, nos leva a produzir bons frutos. Tiago, então, nos diz assim: “Acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma” (1:21). Outra tradução para a palavra “implantada” é “enxertada”. É um implante, um enxerto no tronco original, para que os frutos sejam melhores. Tudo o que podemos produzir de nós mesmos são apenas frutos maus (obras da carne), inclusive a ira e o descontrole verbal.

Como posso acabar com meu temperamento carnal e irascível, com as minhas inclinações para a ira e dissensões? De mim mesmo eu não posso. Mas quando deixamos que a Palavra de Deus seja guardada dentro de nós e que brote do nosso íntimo, então nosso caráter muda. Uma das oportunas lições de Tiago é que a Palavra de Deus, aplicada em nossa vida, há de mudar nossa maneira de ser.  Portanto, o segredo para vencer a ira e o mau temperamento está aqui: ter a Palavra de Deus enxertada no coração. Devemos fazer como o salmista: “Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti” (Sl. 119:11).

 

CONCLUSÃO

Em geral, a ira humana é desgovernada, destruidora e pecaminosa. É obra da carne e não opera a justiça de Deus. Há dois perigos em relação à ira: a ventilação e a interiorização dela - a explosão e a implosão. Uns atacam e quebram tudo à sua volta, quando estão irados. Outros guardam a ira, levam-na para seu interior. Mas a ira guardada destrói tudo por dentro – a saúde, a paz e a comunhão com Deus e com o próximo. Um indivíduo temperamental provoca grandes transtornos na família, no trabalho, na igreja e na sociedade. O problema é que, na explosão da ira, as pessoas jogam estilhaços para todos os lados. Alguém que não tem domínio próprio fere e machuca quem está ao seu redor. Por outro lado, o congelamento da ira é um mal terrível. Há muitos que ficam como um vulcão em efervescência. Estão em aparente calma, mas as lavas incandescentes lhe queimam por dentro.

Para alcançar equilíbrio na vida, precisamos aprender a lidar com nossos sentimentos. Aplique esses princípios à sua vida, à sua família, à sua igreja. Eles podem produzir verdadeiros milagres. Dessa maneira, certamente teremos relacionamentos felizes!