Texto de Estudo
Apocalipse 3:1:
1 E AO anjo da igreja que está em Sardes escreve: Isto diz o que tem os sete espíritos de Deus, e as sete estrelas: Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives, e estás morto.
INTRODUÇÃO
Há um conhecido adágio popular que diz: “As aparências enganam”. No caso da Igreja de Sardes, poderíamos parafrasear este adágio da seguinte forma: “As aparências matam”. As aparências até podem dizer alguma coisa para o mundo, todavia não significam nada para Deus. Somos informados pelas Escrituras que Deus não julga pela aparência, mas pelo coração.
A carta à Igreja de Sardes apresenta uma das mais severas condenações dirigidas às sete igrejas. Por ocasião desta carta, Sardes estava vivendo um tempo de decadência espiritual e moral. Na verdade, a Igreja de Sardes estava à beira da extinção. No estudo de hoje, veremos que nem sempre as perseguições e falsas doutrinas são os maiores problemas de uma Igreja. Mas, a acomodação sonolenta ao mundanismo também se mostra um perigo trágico.
A IGREJA EM SEU CONTEXTO
A história da Igreja de Sardes tem muito a ver com a história da cidade de Sardes. A glória de Sardes estava no seu passado.
Sardes fora no passado capital da Lídia (séc. VII a.C.). Era uma cidade famosa, e sua fama advinha tanto da sua riqueza como de sua localização geográfica. A riqueza era um presente do rio Pactolos, que fluía pela cidade. No fundo do rio havia ouro em abundância. Juntamente a esse presente natural, destacava-se também a competência de Creso, o rei mais famoso que a antiga cidade já teve. Foi sob seu comando que a antiga Sardes acabou se tornando próspera.
Quanto à geografia, Sardes era uma cidade assentada no cimo do monte Hermo e cercada de penhascos. Estando situada no alto de uma colina, amuralhada e fortificada, sentia-se imbatível e inexpugnável. Seus soldados e habitantes pensavam que jamais cairiam nas mãos dos inimigos. De fato, a cidade jamais fora derrotada por um confronto direto. Seus habitantes eram orgulhosos, arrogantes e autoconfiantes.
A soma destes fatores acabou contribuindo para certo espírito de não vigilância ou descanso por parte de seu rei e de seus moradores. A confiança cega em tanta fama e poder impediu Creso de ver o perigo que se aproximava. E o perigo veio. O rei Ciro da Pérsia cercou a cidade e a conquistou em 529 a.C. A tática se deu mediante a escalada do penhasco por uma área sem vigia. O descuido de Sardes continuou, pois não aprendeu com os erros do passado. Em 218 a.C., a cidade foi novamente capturada, desta vez por Antíoco Epifâneo, que usou a mesma estratégia. E isso por causa da autoconfiança e falta de vigilância dos seus habitantes. Os membros dessa Igreja entenderam claramente o que Jesus estava dizendo, quando afirmou: “Se não vigiares, virei a ti como ladrão” (3:3).
Depois destas quedas, Sardes nunca mais voltou a seu esplendor. O espírito de coragem, que antes havia em seus guerreiros na época do rei Creso, deu espaço para uma vida apática e mortífera ao mesmo tempo. Talvez, seja daí a ideia que Jesus aplica à Igreja quando diz: “Tens nome de que vives e estás morto” (3:1).
A cidade de Sardes, não importasse a época, sempre viveu num espírito de entrega a uma tranquilidade. Ela via sua própria decadência e com ela se contentava. Acabou se rendendo a um estilo de vida fácil, sem ter de oferecer resistência a ninguém.
No ano 17 d.C., Sardes foi parcialmente destruída por um terremoto e reconstruída pelo imperador Tibério. A cidade tornou-se famosa pelo alto grau de imoralidade que a invadiu e pela decadência que a dominou. Quando João escreveu esta carta, Sardes era uma cidade rica, mas totalmente degenerada. Sua glória estava no passado e seus habitantes entregavam-se agora aos encantos de uma vida de luxúria e prazer. A Igreja ficou como a cidade. Em vez de influenciar, foi influenciada. Era como sal sem sabor ou uma candeia escondida.
É nesse contexto que vemos Jesus enviando esta carta à Igreja. A Igreja de Sardes era poderosa, dona de um grande nome. Tinha nome e fama, mas não tinha vida. Tinha performance, mas não integridade. Tinha obras, mas não dignidade.
JESUS SE APRESENTA À IGREJA DE PÉRGAMO
Ao anjo da Igreja que estava em Pérgamo, Jesus se apresenta como “aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas” (3:1).
Em primeiro lugar, o Senhor Jesus se apresenta à Igreja de Sardes como aquele que é onisciente e a cujo conhecimento nada escapa. Jesus é aquele que tem “os sete espíritos de Deus” (cf. 1:4; 4:5).
O que significa isso? A interpretação corrente, e mais disseminada, é a de que se trata dos “sete espíritos” mencionados em Isaías 11:2. Entretanto, fica evidente que este versículo faz referência a somente seis atributos do Espírito do Senhor. O erro, ao se fazer uma associação com os sete Espíritos de Deus, está em incluir o próprio Espírito do Senhor como um sétimo atributo. E isto sem falar do erro de concordância gramatical ao fazer-se tal enumeração.
A expressão “os sete espíritos” pode parecer-nos estranha, mas dada a aproximação de Deus Pai e Deus Filho, nesta expressão, é lógico pressupor a referência ao Espírito Santo.
Somente o livro do Apocalipse faz referência direta aos sete Espíritos de Deus. Todavia, João toma por empréstimo as simbologias proféticas já empregadas nos livros do profeta Daniel, Isaías e Zacarias. Em outro texto, João diz que viu um Cordeiro que “tinha sete chifres, bem como sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra” (5:6). O livro de Zacarias menciona uma pedra que será esculpida por Deus para tirar a iniquidade da terra e sobre a qual estão sete olhos (Zacarias 3:9). E, no capítulo seguinte, os sete olhos do Senhor percorrem toda a terra (Zacarias 4:10). Em Zacarias, portanto, a imagem descreve a onisciência de Deus. Assim, João associa-os diretamente com os sete Espíritos de Deus enviados a toda a terra, e que são também os sete chifres e os sete olhos do Cordeiro (5:6). Jesus tem esse mesmo atributo e nada lhe é oculto, nem mesmo as falsas aparências. O Cordeiro possui, portanto, a plenitude do Espírito de Deus.
A Bíblia contém vários simbolismos envolvendo os números. Biblicamente, o número sete está ligado à ideia de perfeição e plenitude. Portanto, não significa que existem sete Espíritos diferentes. Só existe um. E como as cartas foram enviadas para sete Igrejas, talvez fosse essa a ideia que Jesus estava querendo transmitir, ou seja, que o Espírito Santo estava atuante em sua integralidade nas sete Igrejas.
Em segundo lugar, Jesus se apresenta à Igreja de Sardes como o único que possui autoridade diante de toda a Igreja. Ele é aquele que tem “as sete estrelas” (3:1). As sete estrelas são os anjos das sete Igrejas (1:20), isto é, os pastores. João viu que as estrelas estão nas mãos de Jesus (1:16; 2:1). A imagem das sete estrelas na mão direita do Senhor Jesus simboliza o senhorio universal de Cristo. A Igreja pertence a Jesus. Ele controla a Igreja e tem todo o poder sobre ela.
JESUS DEMONSTRA A SUA REPROVAÇÃO PARA A IGREJA
Aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas diz para a Igreja de Sardes: “Conheço as suas obras; você tem fama de estar vivo, mas está morto” (3:1, NVI). Jesus conhece as obras da Igreja. Ele conhece a nossa vida, nosso passado, nossos atos, nossas motivações. Seus olhos são como chamas de fogo. Ele tudo vê e tudo sonda.
O problema da Igreja de Sardes é que ela tinha nome de que estava viva, mas estava morta. A Igreja de Sardes vivia de aparências. A Igreja tinha adquirido um nome. A sua fama era notável. Ela gozava de grande reputação na cidade. Aos olhos dos observadores parecia ser uma Igreja viva e dinâmica. Tudo nela sugeria vida e vigor, mas ela estava morta. A Igreja parecia viva, mas esta aparência escondia uma morte efetiva. O problema da Igreja de Sardes era morte espiritual. Era uma Igreja apenas de rótulo, de aparência. A maioria dos seus membros ainda não eram convertidos. Todos a reputavam como Igreja viva, florescente; todos, com exceção de Cristo. Tinha um nome respeitável, mas era só fachada. O diabo não precisou perseguir essa Igreja de fora para dentro, ela já estava sendo derrotada pelos seus próprios pecados.
Esta Igreja não compartilhava dos mesmos problemas das outras Igrejas da Ásia. Ao se dirigir à Igreja de Sardes, Jesus não faz menção alguma sobre falsas doutrinas, líderes pervertidos que incitavam o povo a se desviar do Caminho. Nenhuma influência dos nicolaítas, baalitas ou dos falsos ensinos de Jezabel. Aparentemente a Igreja não estava sofrendo por uma forte perseguição. Parecia que ela estava tranquila quanto aos seus vizinhos. Parecia que ela havia caído nas graças e na aceitação da própria população. Nenhum incômodo externo! Se este era o caso, então por que Jesus redarguiria uma Igreja como esta? Porque sua morte e convalescência espiritual não eram perceptíveis aos olhos dela mesma!
O pior é que, na Igreja, havia crentes em estado terminal. Além dos que já estavam mortos, Jesus alertou para a astenia do restante da congregação que “estava para morrer” (3:2). A maioria dos crentes apenas tinha seus nomes no rol da Igreja, mas não no Livro da Vida. Havia também fiéis doentes, fracos, em fase terminal. O mundanismo adoece a Igreja. O pecado mata a vontade de buscar as coisas de Deus. O pecado mata os sentimentos mais elevados e petrifica o coração.
Que calamidade na Igreja de Sardes! Eram verdadeiros mortos-vivos. Apesar de não sabermos exatamente o que eles estavam fazendo para ficar neste estado, o fato é que Jesus detectou que as obras daqueles irmãos não eram íntegras diante de Deus (3:2). Não ser íntegro é ser parcial. Quando o assunto é compromisso com Deus, não dá para transitar no asfalto da parcialidade. É como coxear entre dois pensamentos. A Igreja precisa decidir se quer seguir a Cristo sem mundo, ou seguir o mundo sem Cristo!
Jesus diz que na Igreja de Sardes havia crentes que não se contaminaram abertamente com o mundanismo: “Tens, contudo, em Sardes, umas poucas pessoas que não contaminaram as suas vestes” (3:4). Jesus diz que naquela Igreja havia algumas poucas pessoas que não haviam sujado as suas vestes. O que significa estas vestes? É evidente que as vestes brancas simbolizam a pureza, a santidade, a salvação, a justiça. Representa as nossas atitudes, nossa conduta. Do mesmo modo, as vestes sujas falam de pecado, de impureza, de mundanismo. Obras sem integridade falam de caráter distorcido, de motivações erradas, de ausência de santidade.
JESUS CONVOCA A SUA IGREJA AO ARREPENDIMENTO
Para reverter este quando sombrio e fúnebre, Jesus oferece três conselhos à Igreja de Sardes:
Primeiro, “sê vigilante e consolida o resto que estava para morrer” (3:2). O histórico da cidade de Sardes, quanto à vigilância, não era bom. Vimos nos dados históricos da cidade que, das duas vezes em que caiu na mão de seus conquistadores, ambas as derrocadas se deram pela falta de vigilância.
A sonolência ou a apatia espiritual é algo que todas as Igrejas em todos os lugares e em todas as épocas estarão sujeitas. Nada mais relevante do que o alerta: “Se não vigiares, virei como ladrão, e não conhecerás de modo algum em que hora virei contra ti” (3:3). Jesus alerta a Igreja, afirmando que se ela não vigiar, se ela não acordar, ele virá a ela como o ladrão de noite, inesperadamente.
Juntamente com a exortação para ser vigilante, Jesus cobra outro compromisso daquela Igreja. Os membros deveriam não apenas cuidar de si mesmos, mas cuidar para que o restante não viesse a sucumbir também. Eles deveriam fortalecer e dar assistência espiritual aos demais.
O segundo conselho exortativo de Jesus foi: “Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, guarda-o e arrepende-te” (3:3). Temos uma memória muito frágil e dispersa. A Igreja de Sardes teve o privilégio de ter recebido e ouvido coisas boas. O que foi que eles ouviram e deviam lembrar, guardar e voltar? A junção destes verbos nos ajuda a deduzir que se referia aos ensinamentos da fé cristã. Em suma, uma base doutrinária.
Aquela Igreja fora uma boa ouvinte. Quando o Evangelho chegou lá, todos o aceitaram. O apelo do que tem os sete Espíritos de Deus é que eles se lembrassem do que haviam aprendido. O objetivo era que, depois de uma reflexão sobre o que haviam aprendido, eles deveriam se arrepender.
Podemos extrair duas lições daqui. Primeira, o esfriamento espiritual está diretamente ligado ao esquecimento das doutrinas fundamentais da fé. Segunda, para que uma Igreja morta volte à vida não é preciso inovação, planos mirabolantes voltados para o sensacionalismo ou a vontade volúvel da audiência da Igreja. Depende unicamente de um retorno às Escrituras! Não um retorno à leitura fria e superficial. E sim um retorno auxiliado pelo Espírito Santo, que quebra nosso orgulho e marasmo. Este mesmo Espírito ateará fogo ao nosso coração. Mesmo que nele haja apenas lenha verde e congelada.
JESUS FAZ GLORIOSAS PROMESSAS AOS VENCEDORES
Assim como na igreja de Tiatira, havia também em Sardes um grupo de irmãos que não havia caído no processo de mortificação espiritual. Sustentados por aquilo que haviam recebido, ouvido e guardado, aqueles irmãos mantiveram-se vivos e acordados. Isso foi o que protegeu estes remanescentes do mal que contaminou todos os demais. E para estes o Senhor Jesus reservou uma bela promessa: “O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida; pelo contrário, confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos” (3:5).
Nestas objetivas palavras podemos encontrar o retrato da vida pura. As vestes brancas constituem um símbolo de pureza moral e espiritual. Vestes brancas também representavam a participação na vitória de Cristo (7:9-17). Isso era o reflexo do estilo de vida que eles teriam antes da consumação de todas as coisas. Como recompensa, não serão mais oprimidos ou rodeados pelo pecado que tenazmente os assediava.
Nas palavras de Jesus, eles também encontrarão segurança e nova cidadania. A ideia de nomes escritos em um livro já era bem conhecida por estes irmãos (cf. Gênesis 32:32-33; Salmos 69:28; Daniel 12:1). Aquele pequeno grupo sabia que somente aqueles que estivessem escritos no Livro da Vida é que entrariam na tão sonhada bem-aventurança trazida pela era messiânica. Só os eleitos fiéis gozarão do ”registro” referente à cidadania celestial.
Por fim, dentro daquela promessa de Jesus, eles encontrariam o reconhecimento divino. Jesus promete confessar o nome de seus fiéis eleitos diante do Pai e dos anjos (cf. Mateus 10:32-33). Que maior honra poderíamos ter? Depois de termos sido desprezados ou desdenhados por nossa fé, teremos um reconhecimento honroso. Todas as honras prestadas neste mundo ficarão ofuscadas pelo honra prestada aos vencedores filhos de Deus! Da humilhação para a exaltação. Essa é a promessa para os que permanecerem até o fim.
CONCLUSÃO
Não restam dúvidas de que a Igreja do Senhor tem flertado com o mundo. Assim como a atração pelos povos vizinhos foi irresistível para Israel, o mesmo pode ser dito da Igreja do século XXI. As Igrejas não só tem permitido a entrada do mundanismo, mas o está acomodando em um lugar de honra. O sucesso, o dinheiro, o sexualismo desenfreado, a projeção pessoal, a hipocrisia, a falta de amor, a paixão pelo novo sem uma análise crítica, a paixão pelo superficial, a busca por experiências que tragam uma sensação de bem-estar de maneira mais rápida possível e o relativismo são algumas das facetas do mundanismo. Estas facetas não são apenas ideologias. Elas vestem roupas e encontram lugar na vida das pessoas.
Por mais absurdo que possa parecer, cada elemento citado está presente nos púlpitos, na música e na doutrina das Igrejas. Quando nossos inimigos passam a ser tratados como amigos, não há mais necessidade de um espírito ou senso de vigilância. E se o nosso senso de vigilância estiver desativado, o que sobrará da Igreja de Cristo aqui na terra? Os mais sórdidos e sorrateiros truques de satanás encontrarão fluxo livre no arraial do Senhor.
Mas não há motivo para o desespero total. Sem sombra de dúvidas, o Senhor vem mantendo, pelas suas infinitas misericórdias, um grupo que não tem manchado suas vestimentas. Um grupo que não negocia sua fé nem a entrega aos verdugos. Um grupo que não adota a política da tolerância tão amplamente divulgada e eivada de princípios não bíblicos. Um grupo que ainda tem senso crítico e que luta não apenas porque quer ser diferente, mas porque quer ser igual a Jesus Cristo.