Texto de Estudo

Apocalipse 1:12-13:

12 E virei-me para ver quem falava comigo. E, virando-me, vi sete castiçais de ouro; 13 E no meio dos sete castiçais um semelhante ao Filho do homem, vestido até aos pés de uma roupa comprida, e cingido pelos peitos com um cinto de ouro.

INTRODUÇÃO

Na lição anterior, vimos que tradicionalmente o livro de Apocalipse é atribuído ao apóstolo João. A saudação indica que a carta foi circular, enviada a sete igrejas da província da Ásia Menor. O apóstolo usa o gênero literário conhecido como apocalíptico e refere-se ao livro como “profecia”. Seu objetivo é chamar a atenção para as tribulações que estavam por vir e fortalecer os que estavam sofrendo.

Após a saudação inicial, começa o Apocalipse propriamente dito. O livro todo é uma palavra à Igreja sobre o que João viu e deve escrever (22:16). É uma palavra digna de fé e verdadeira, pois vem de Cristo, fiel e verdadeiro (1:5; 3:7), que foi quem o mandou registrá-la por escrito (1:11). A primeira visão é a chave para todo o livro de Apocalipse. Conta com três situações bem determinadas: a apresentação do autor (1:9,10); a apresentação de Jesus Cristo (1:11-18); e a determinação para escrever o que viu (1:19-20). 

Vejamos separadamente cada uma dessas situações. 

 

APRESENTAÇÃO DO AUTOR

João se apresenta como um homem que tem comunhão e intimidade com os fiéis da província romana da Ásia Menor. Ele se autodenomina “irmão e companheiro” (1:9). João não é apenas um profeta. Ele também é um sofredor por causa do testemunho de Jesus. É um irmão e companheiro da “tribulação, no reino e na perseverança em Jesus” (1:9).

Em seu relato, João diz que fora banido para “a ilha de Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus” (1:9). Patmos era uma ilha rochosa próxima da cidade portuária de Éfeso. O exílio fora provocado pela recusa de prestar culto ao imperador romano. O culto imperial incluía a adoração a Roma e ao imperador como sinal de lealdade, principalmente pelos habitantes das províncias. Essa adoração era mais política do que religiosa, mas acabou sendo incorporada à religião. O imperador Domiciano (81-96 d.C.) foi o primeiro a exigir a adoração de sua pessoa como sinal de lealdade e isto custou um alto preço para os primeiros cristãos, que se recusaram a tanto, desencadeando uma série de cruéis perseguições em todo o império. 

Apesar de estar fisicamente preso em Patmos, naquele dia, João achou-se também “em espírito” (1:10). Isso significa dizer que ele caiu em estado de êxtase (cf. 4:2; 17:3; 21:10).  A ilha do exílio havia se transformado na porta do céu. Em Patmos, ele enfrentou a dor do sofrimento e do exílio, mas, em espírito, ele entrou na sala do trono do Soberano do universo. O local do exílio tornou-se a antessala da glória.  Há aqui um interessante jogo de palavras: “Em Patmos nós sofremos; mas em espírito nós reinamos”.  Não importa o lugar onde você esteja ou as circunstâncias que enfrenta, nosso Senhor pode tocá-lo e levá-lo ao trono da glória.

João diz que a visão ocorreu no “dia do Senhor” (1:10). Era o dia dedicado ao Senhor. No Antigo Testamento, a expressão “dia do Senhor” ocorre 18 vezes na literatura profética, na maioria dos casos nos livros de Joel e Sofonias. Não é encontrada em Daniel. Uma expressão similar que chega mais próximo a ela é “naquele dia”, que ocorre 208 vezes no Antigo Testamento, cuja metade das ocorrências está nos profetas. Em o Novo Testamento, as expressões equivalentes, como “Dia de Jesus Cristo”, são encontradas em 1 Coríntios 1:8 2 Coríntios 1:14 Filipenses 1:6 10 e 2 Pedro 3:10 12. “Dia do Senhor” aparece em 2 Tessalonicenses 2:2.  

João estava adorando, quando subitamente ouviu uma forte voz atrás de si. Era uma voz que soava como um toque de trombeta (1:10; cf. Ezequiel 3:12). “A grande voz, como de trombeta” faz alusão ao evento registrado em Êxodo 19:16-19 e 20:18, quando Deus revelou os Dez Mandamentos ao seu povo. A intensidade da voz demanda prontidão e obediência.  Na solidão de Patmos, João ouve a voz de Deus. Roma pôde até proibir o apóstolo de ter contato com seus irmãos, mãos não foi capaz de coibir o contato dele com os céus, de entrar na presença de Deus. O mundo não pode proibir o nosso contato com o céu! 

A voz divina ordena: “O que vês escreve em livro e manda às sete igrejas” (1:11). As sete igrejas nomeadas localizavam-se na província romana da Ásia Menor (atual Turquia). As igrejas eram congregações históricas reais. A trajetória das sete cidades é oval e pode ter sido uma rota postal.  Como já mencionado, João inicialmente escolheu estas sete igrejas para que servissem de representantes das igrejas existentes na época. Entretanto, a mensagem aplica-se para toda a Igreja, em todos os lugares e em todas as épocas.

 

JESUS SE APRESENTA À IGREJA

Quando se vira para identificar a pessoa que lhe falava, João tem uma visão da Igreja. Antes de ver alguém, ele vê “sete candelabros de ouro” (1:12, NVI), que, no verso 20, são identificados com as sete igrejas às quais serão enviadas as cartas (cf. Êx 25:31-40; 37:17; Zacarias 4:2). E, em seguida, o dado mais importante da visão: no meio dos candelabros, João vê “um semelhante a filho do homem”, que é identificado com Jesus Cristo (1:12,13).

Antes de o apóstolo ter a visão do Cristo exaltado, ele teve uma deslumbrante visão da Igreja de Cristo. O mundo vê Cristo através da Igreja e no meio da Igreja. Isso significa que ninguém verá Jesus em glória senão por meio da sua Igreja aqui na terra.  

A descrição de Cristo nos versículos 12 a 16 nos remetem às imagens apocalípticas bastante conhecidas no livro de Daniel 7:9-14 e 10:5-6. Mas, ao mesmo tempo, completa a visão mediante outras referências a textos do Antigo Testamento, mais especialmente no livro de Ezequiel 1:25-28.

O apóstolo João vê dez características distintas de Cristo em sua glória e majestade. Suas vestes são como as que usavam tanto reis como sacerdotes (cf. Êx 28:4-5; 29:5; 39:27-29; Levíticos 16:4). Assim, as vestes talares e a cinta de ouro sugerem que o Filho do Homem serve como sacerdote e rei (1:13). Jesus nos conduz a Deus e reina sobre nós. O vocabulário de João descreve a dignidade e a elevada posição do Filho do Homem. 

Seu visual evoca a sabedoria e a penetração do seu juízo (1:14). A cabeça alva era um símbolo de honra e transmitia a ideia de sabedoria e dignidade.  Seus olhos descritos como chama de fogo falam da sua onisciência que tudo vê e perscruta (1:14). Ele é o juiz diante de quem a tudo se desnuda. Seus pés semelhantes ao bronze polido, referência clara à visão de Daniel 10:6 fala da sua onipotência para julgar os seus inimigos (1:15). O bronze reluzente transmitia a ideia de força, solidez, resistência e estabilidade. Paulo diz que “convém que ele reine até que haja posto todos os seus inimigos debaixo dos pés” (1 Coríntios 15:25). Sua voz, “como voz de muitas águas” (1:15), fala do poder irresistível da sua Palavra, do seu julgamento. No seu juízo, desfalecem palavras humanas. A voz de Cristo detém a última palavra e é a única a ter razão. A expressão “voz de muitas águas” é derivada de Ezequiel 1:24 e se conecta com a glória do Deus de Israel. A descrição de Cristo nos versos 14 e 15 é reminiscência da passagem de Daniel 7:9-10.

Completando sua visão, João diz que o Filho do Homem “tinha na mão direita sete estrelas” (1:16), interpretadas no verso 20 como “os anjos das sete igrejas”. A mão direita é a mão de ação, com a qual age e governa. Isso mostra o seu cuidado pelas igrejas. E da sua boca “saía-lhe uma afiada espada de dois gumes” (1:16). Essa espada não é a Palavra de Deus (Hebreus 4:12), mas a Palavra do Juízo (2:12,16). A única arma de guerra usada pelo Cristo conquistador, no capítulo 19, é a espada que saía da sua boca (19:5). Essa é a cena do tribunal, onde é proferida a sentença judicial, e precisamente sem contestação.  João diz que “o seu rosto brilhava como o sol na sua força” (1:16). A visão agora não é mais a de um Cristo servo, perseguido, preso, esbofeteado, com o rosto cuspido, mas do Cristo exaltado e cheio de glória, cujo rosto brilha como a luz do sol do meio-dia.

A visão era tão poderosa que João caiu “a seus pés como morto” (1:17), a mesma reação à manifestação da glória divina experimentada por Daniel em 10:8,9. Então, João diz que o Senhor colocou a sua mão direita sobre ele e lhe disse: “Não tenha medo. Eu sou o primeiro e o último. Sou aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para todo o sempre! E tenho as chaves da morte e do Hades” (1:17,18, NVI). “Eu sou” é eco da presença protetora de Deus, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Inspirando-se em Isaías 44:6 e 48:12, o atributo “o primeiro e o último”, de início aplicado a Deus, foi transferido para Cristo (2:8; 22:13).  João estava na presença daquele que participou do destino da humanidade, que por amor a ela morreu, mas que agora vive para todo o sempre. Este último predicado é atribuído ao Pai no livro de Apocalipse (4:9-10; 10:6; cf. Josué 3:10; Salmos 42:3).

João está diante do Cristo da cruz, que venceu a morte. Ele não apenas está vivo, mas está vivo para sempre. Ele não só ressuscitou, mas venceu a morte e tem as chaves da morte e do Hades. A posse das chaves da morte e do Hades foi adquirida pela sua ressurreição e significa a conquista da morte (2 Timóteo 1:10). 

 

A ORDEM DE CRISTO

A ordem que tinha sido dada a João é repetida: “Escreve, pois, as coisas que viste, e as que são, e as que hão de acontecer depois destas” (1:19). João nos apresenta uma tríplice divisão do livro do Apocalipse. “As coisas que viste” constituem a visão dada naquele instante: a visão de Cristo glorificado. “As que são” referem-se à mensagem às sete igrejas e à sua condição espiritual. E, finalmente, “as que hão de acontecer depois destas” referem-se ao período de tempo de João à segunda vinda de Cristo.

A primeira visão termina com uma explicação pelo próprio Senhor Jesus acerca do “mistério das sete estrelas que viste na minha mão direita” e dos “sete castiçais de ouro” (1:20). As sete estrelas são “os anjos das sete igrejas” (1:20). A palavra grega para anjo é aggelos e significa mensageiro. Tradicionalmente, tem sido interpretado que os sete anjos são os mensageiros das sete igrejas, ou seja, seus pastores. Os “sete candeeiros são as sete igrejas” (1:20). Como vimos anteriormente, as sete igrejas representam a totalidade da Igreja de Cristo através da história. 

Em suma, a mensagem de Cristo às sete igrejas nos alcança também. As condições discutidas nessas cartas eram condições que caracterizavam e caracterizam, ainda hoje, muitas igrejas. Uma das maravilhas deste livro está no fato de vermos que as condições das igrejas de cada século, inclusive as do século XXI, estão nele ilustradas pelas condições das sete igrejas. Assim, a mensagem tem aplicação universal.

Candelabros e estrelas são imagens de luz, talvez sugeridas por Zacarias 4:2-4, mas adaptadas por João para referir-se à comunidade cristã. Por isso, tanto os candeeiros como as estrelas falam da Igreja como luz de Deus no mundo. Cristo está não apenas entre a Igreja, mas a tem em suas próprias mãos. Essas duas figuras, portanto, são um símbolo incomum para representar o caráter celestial e sobrenatural da Igreja, seja por meio de seus membros, seja por meio de seus líderes. 

 

CONCLUSÃO

O livro de Apocalipse foi escrito por João, sendo uma revelação de Deus para uma Igreja em perseguição. Por isso alguns chamam este livro de “o guia dos mártires”. Sua mensagem é bem determinada: visa animar os cristãos perseguidos e martirizados por causa de sua fé. É uma mensagem de esperança para os fieis. Nossa fé deve ser fundamentada em Jesus Cristo, ressuscitado, o único Senhor e Vencedor de todas as forças do mal.

Cristo está no meio da Igreja (1:13). Ele sonda a Igreja, pois seus olhos são como chama de fogo (1:14). Cristo valoriza tanto a sua Igreja que ele se dá a conhecer no meio dela e não à parte dela. Hoje, muitas pessoas querem Cristo, mas não a sua Igreja. Isso é impossível! A atenção de Cristo está voltada para a sua noiva. Ele ocupa o centro da sua atenção.