Texto de Estudo

Apocalipse 1:1:

1 REVELAÇÃO de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo seu anjo as enviou, e as notificou a João seu servo;

INTRODUÇÃO

Apocalipse é, sem dúvida, o livro mais enigmático do Novo Testamento. Sua interpretação é tão difícil para a maioria dos leitores modernos, que eles acabam por negligenciá-lo completamente. Porém, outros fazem algo ainda pior: usam-no mal, fazendo interpretações absurdas baseadas em um exagero de minúcias sem importância. Outras vezes, contudo, a mensagem central é obscurecida ou passada de forma superficial. Aqueles que se aproximam desse livro com uma obsessão escatológica perdem a sua mensagem. Os estudantes da Bíblia não devem permitir que tal negligência ou abuso deste livro os desencoraje. 

No estudo de hoje, como introdução aos próximos estudos, trataremos, principalmente, dos aspectos estruturais e literários, de modo que se transmita uma visão geral do livro.

 

AUTORIA DO LIVRO

O ponto de vista tradicional tem sido o de que o apóstolo João escreveu não apenas o Apocalipse, mas também o Evangelho e as três epístolas joaninas.

As evidências internas são limitadas. O autor diz ser João (1:1,4,9; 22:8), um irmão, um servo e uma testemunha de Jesus Cristo, que havia sido exilado na ilha de Patmos. Nada mais que isto!

A evidência externa é fortemente em favor do apóstolo João, filho de Zebedeu. Justino Mártir (cerca de 155 d.C.), em seu “Diálogo com Trifão”, diz, a respeito do Apocalipse, que “houve entre nós um homem chamado João, um dos apóstolos de Cristo”, que recebeu a revelação sobre um reinado de mil anos. Irineu de Lion (cerca de 185 d.C.), em sua obra Contra as Heresias, escreveu que o Apocalipse foi escrito por “João, o discípulo do Senhor”, evidentemente referindo-se ao apóstolo. Clemente de Alexandria (cerca de 215 d.C.), em sua obra Miscelânias, escreveu sobre o apóstolo João em exílio na ilha de Patmos. Tertuliano (cerca de 200 d.C.), em sua obra Contra Marcião, concordou com estas autoridades anteriores, sobre João, o Apóstolo. Eusébio de Cesaréia, em sua obra História Eclesiástica, muito embora discorde da autoria joanina, cita, contudo, Orígenes (cerca de 220-225 d.C.) como tendo escrito que João, o discípulo que havia se reclinado sobre o peito de Jesus, escrevera tanto o Evangelho como o Apocalipse.

Não obstante, há conjecturas em favor de outro autor. Evidências literárias primitivas sugerem que o livro de Apocalipse foi escrito por um homem de Éfeso conhecido como João, o Ancião ou Presbítero. Dionísio de Alexandria (cerca de 265 d.C.) foi, ao que sabemos, o primeiro a rejeitar a autoria apostólica, por causa das grandes diferenças entre as obras joaninas. Papias (70-140 d.C.), citado por Eusébio, é outra autoridade cujos comentários apontam para o presbítero João.

Seja como for, o nosso autor foi um profeta cristão chamado João, cujo ministério, na província da Ásia, foi suficientemente proeminente para que ele não necessitasse de maior identificação do que o seu nome, quando escreveu o livro de Apocalipse, na última década do primeiro século.

 

DATA DA COMPOSIÇÃO

Os eruditos são quase unânimes em datar o livro de Apocalipse como sendo de cerca de 95 d.C., durante o reinado de Domiciano, sendo este o último livro composto dentre aqueles que formam o cânon das Escrituras.

Domiciano foi imperador de Roma de 81 a 96 d.C. O apóstolo João, por ter dado testemunho do verbo de Deus, foi desterrado por ele para a ilha de Patmos, a colônia penal da costa da Ásia Menor, retornando a Éfeso somente depois da morte do imperador romano. 

Apesar de algumas visões de João parecerem sugerir a época de Nero, as evidências internas colocam o livro no reinado de Domiciano, posto que algumas das sete igrejas não existiam antes da década de 60. Policarpo indicou que a igreja de Esmirna foi fundada depois de 64 d.C. As Igrejas do Apocalipse já existiam por tempo suficientemente longo para que tivessem sofrido a perda do seu “primeiro amor”. E também diversas heresias já haviam se infiltrado no seio das sete igrejas citadas no livro, o que excluiria uma data no decorrer do reinado de Nero. 

As evidências externas favorecem fortemente uma data durante o reinado de Domiciano. Irineu (180-190 d.C.), em sua obra Contra as Heresias, escreveu que João, o evangelista e apóstolo, exilado em Patmos, havia escrito a sua revelação “mais ou menos no fim do reinado de Domiciano”. Eusébio de Cesaréia repetiu as evidências fornecidas por Irineu, que também foram aceitas por Clemente de Alexandria, Orígenes e Jerônimo.

 

O TÍTULO DO LIVRO

João inicia a sua obra com as seguintes palavras: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu…” (1:1). O título “Revelação”, que é a tradução da palavra grega apocalupsis, transliterada como apocalipse, é uma referência ao livro todo. Quanto à origem dessa revelação, João afirma que ela lhe foi dada por Jesus, “por intermédio do seu anjo”, e que o conteúdo desta revelação diz respeito “às coisas que em breve devem acontecer” (1:1). Esta expressão sugere, na palavra “devem”, certa urgência ou necessidade, e não um simples futurismo. Desta forma, qualquer interpretação do livro de Apocalipse deve levar em conta o fato de que João pretendia inicialmente transmitir essa mensagem à sua geração.

Uma revelação é um desvendamento de algo que estivera oculto. Paulo refere-se à revelação do “mistério que esteve oculto desde todos os séculos, e em todas as gerações, e que agora foi manifesto aos seus santos” (Colossenses 1:26 ARC). O Apocalipse é revelação de Deus e não especulação humana; é a Palavra de Deus e o testemunho fiel de Jesus Cristo (1:2). É fundamentalmente a revelação de Jesus Cristo, e não apenas de eventos futuros. É um livro prático, pois foi dado para ajudar o povo de Deus no momento em que estavam sendo perseguidos até à morte pelo império romano. 

Para muitas pessoas, o livro de Apocalipse é um livro fechado, literalmente. Elas nunca o leem. Ou têm medo ou pensam que não conseguirão entendê-lo. Carregam consigo a ideia de que ele é um livro selado, que trata de coisas encobertas. Na verdade, o livro de Apocalipse é o oposto disto. Ele é um livro aberto, no qual Deus revela seus planos e propósitos à sua Igreja. A ordem de Deus é: “Não seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está próximo” (22:10).

 

OS DESTINATÁRIOS DO LIVRO

O autor começa com uma mensagem a um grupo específico de pessoas: “João, às sete igrejas que se encontram na Ásia” (1:4). As sete igrejas ficavam na província romana onde hoje é a Turquia, mais conhecida como Ásia Menor. A mensagem de João não é para os curiosos, mas para os dedicados: “os seus servos” (1:1).

O livro de Apocalipse foi inicialmente endereçado aos cristãos que estavam suportando o martírio na época do apóstolo João. Houve pelo menos 10 grandes perseguições nos primeiros séculos contra a Igreja. Os imperadores romanos que perseguiram cruelmente a Igreja foram: Nero (64 d.C.), Domiciano (95 d.C.), Trajano (112 d.C.), Marco Aurélio (117 d.C.), Sétimo Severo (fim do segundo século); Décio (250 d.C.), Valeriano (257 d.C.), Aureliano e Diocleciano (303 d.C.). 

Entretanto, este livro não foi destinado apenas aos seus primeiros leitores, mas a todos os cristãos que viveram entre a primeira e segunda vinda de Cristo.

 

OCASIÃO E PROPÓSITO

No livro de Apocalipse, João diz que uma grande perseguição estava para começar. A exigência de que os cristãos adorassem o imperador foi a ocasião para a perseguição. Foi proposta uma ameaça dupla: se os cristãos se recusassem a adorar o imperador, seriam condenados à morte; se cedessem, abandonariam a Cristo. 

João estava escrevendo do exílio na ilha de Patmos (1:9), e pelo menos um líder cristão já havia experimentado a morte de mártir em Pérgamo (2:13). João adverte os irmãos de Esmirna a respeito do sofrimento iminente, que incluiria prisão e tribulação (2:10). Ele advertiu os filadelfianos acerca de uma hora de provações que estava para vir sobre todo o mundo (3:10). Em uma visão, ele observara, sob o altar celestial, os que haviam sido mortos pela palavra (6:9). A meretriz Roma estava bêbada com o sangue dos mártires de Jesus (17:6). A grande cidade havia caído, em parte, por causa do sangue dos profetas e dos santos, que havia sido encontrado dentro dela (18:24). O juízo de Deus contra a meretriz vingava “o sangue dos seus servos” (19:2). Na ressurreição, os que haviam sido “decapitados por causa do (seu) testemunho de Jesus e da Palavra de Deus” iriam reinar com Cristo (20:4, NVI). 

Portanto, o tema do Apocalipse é a promessa de vitória para aqueles que são fiéis até a morte. Seu propósito principal é confortar a Igreja em seu conflito contra as forças do mal mediante a promessa da vitória de Cristo e de sua Igreja sobre Satanás e seus seguidores (17:14).

O propósito ao estudarmos o livro de Apocalipse não é para nos aproximarmos dele com curiosidade frívola, como se estivéssemos com um mapa profético nas mãos, tampouco para investigarmos fatos históricos ou para sabermos os tempos no relógio profético. Ao contrário, esse livro nos foi dado com propósitos morais e espirituais. Aqueles que se aproximam desse livro com uma obsessão escatológica perdem a sua mensagem. O estudo do Apocalipse deve nos incentivar à santidade, ao encorajamento no sofrimento, a adorar àquele que está no trono (4:10,11).

O Apocalipse é um livro prático e não visa apenas transmitir informações sobre o futuro. Ele foi dado para ajudar o povo de Deus no presente. Ele contém muitas exortações à fé, paciência, obediência, oração e vigilância.  Por isso são “bem-aventurados aqueles que leem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo” (1:3).

 

A SAUDAÇÃO DE JOÃO

Diferentemente da literatura apocalíptica da época, o livro traz uma saudação usual no mundo antigo para as cartas. A saudação identifica o autor como João, tão conhecido na Ásia que não precisa de qualquer identificação adicional (1:4).

Os destinatários da carta são as “sete igrejas” que historicamente existiram na província romana da Ásia Menor. Porém, havia mais de sete igrejas na província romana da Ásia Menor. Por que, então, foram escolhidas apenas sete para receberem o Apocalipse? Será que os ensinos deste livro somente são dedicados a este grupo? E as demais igrejas da época e as igrejas futuras? Certamente João deve ter conhecido outras igrejas, como por exemplo: Colossos (Colossenses 1:2; 2:1), Hierápolis (Colossenses 4:13) e Trôade (Atos dos Apóstolos 20:5). Pouco depois desta época, Inácio, o bispo de Antioquia, escreveu cartas às igrejas de Magnésio e Trales.

Não há qualquer indicação no livro de que as sete igrejas representam sete dispensações ou períodos sucessivos na história da Igreja Cristã. Sete era um dos números favoritos de João. Ele aparece nada menos que 54 vezes neste livro e parece ter sido o símbolo de plenitude, totalidade, completude. Portanto, João escolheu estas sete igrejas que ele conhecia muito bem para que servissem de representantes da Igreja toda. Desta forma, apesar de João tê-lo endereçado às sete igrejas conhecidas dele, o Apocalipse foi escrito para toda a Igreja, em todos os lugares e em todos os tempos. 

A estas sete igrejas, João deseja a “graça e paz”, uma saudação cristã costumeira, em contradição nas epístolas do Novo Testamento. É uma espécie de bênção que vem “da parte daquele que é, que era e que há de vir” (1:4). A repetição da fórmula no verso 8 identifica precisamente o Senhor Deus. A frase, que faz eco à forma grega de Êxodo 3:14, denota a eternidade de Deus que também age no palco da história humana.

Os “sete espíritos que estão diante do seu trono” (1:4) são entendidos como uma referência ao Espírito Santo (cf. Isaías 11:2). A expressão em tela não aparece em qualquer outro livro da Bíblia, e em cada caso relaciona os sete espíritos intimamente com Cristo, de forma que não se permita confusão com outros seres. Esses espíritos não são anjos nem estrelas (3:1), mas são as sete lâmpadas de fogo (4:5), são os olhos do Senhor que percorrem por toda a terra (5:6).  A origem da imagem está no livro do profeta Zacarias: “Então ele me disse: Estas sete lâmpadas são os olhos do Senhor, que sondam toda a terra” (Zacarias 4:10).

A saudação é também “da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra” (1:5). Temos aqui uma descrição tríplice de Jesus. Testemunha é a palavra “mártir”, no sentido de que Jesus foi fiel durante todo o seu ministério até a morte (Filipenses 2:8). O termo “primogênito” é a tradução do grego prototokos. Esta palavra pode ter dois significados. Pode significar literalmente “o primeiro”, no sentido cronológico, mas também significa “aquele que tem honra ou poder” ou “aquele que ocupa o primeiro lugar”, no sentido de soberania. Portanto, Jesus é o primogênito dos mortos porque ele foi o primeiro a ressurgir dentre os mortos, no sentido redentivo, “sendo ele as primícias dos que dormem” (1 Coríntios 15:20. Colossenses 1:18). Jesus é, também, o “Soberano dos reis da terra”. Esta é uma citação ou reminiscência do Salmos 89:27: “Fá-lo-ei, por isso, meu primogênito, o mais elevado entre os reis da terra”. Para os eruditos judeus esta era uma descrição do futuro Messias; portanto, ao qualificar Jesus de Rei dos reis, afirma-se que ele é o Messias prometido por Deus. 

 

DOXOLOGIA A CRISTO

Quando João vê a glória do Senhor, ele prorrompe numa doxologia suprema, diante da suprema glória de Cristo, dizendo: “Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!” (1:5,6). Jesus nos ama (o verbo está no presente) e a prova desse amor está no fato de que ele nos libertou de nossos pecados pelo preço de seu próprio sangue (cf. 1Pd 1:18,19). Isto é exatamente o mesmo que dirá mais adiante quando falará dos que foram redimidos para Deus pelo sangue do Cordeiro (5:9).

João também diz que ele “nos constituiu [para sermos] reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai” (1:6). Neste versículo, fica clara a conexão com a libertação de Israel da escravidão no Egito, quando, antes de dar a Lei no monte Sinai, Deus dera a Israel a missão de ser “reino de sacerdotes e nação santa” (Êx 19:6). Mais adiante, João vai reafirmar que Cristo constituiu os homens “reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra” (5:10, NVI). O povo de Deus é reino não somente porque é formado de pessoas sobre as quais Deus reina, mas porque deve participar do reino messiânico de Cristo. 

 

O TEMA DO LIVRO

O grande tema do livro de Apocalipse é a gloriosa vitória de Cristo, em sua segunda vinda, e os acontecimentos que culminarão no grande fim e que o acompanharão. Esta verdade é apresentada nas sete seções paralelas. Cristo vem para estabelecer o juízo e triunfar sobre seus inimigos.

Na primeira vinda, a glória de Cristo e o fato de que ele era o Messias não era auto-evidente, mas na segunda vinda será, pois ele virá “com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele” (1:7). Este versículo é a fusão de Daniel 7:13 e Zacarias 12:10 e 12, combinação que aparece também em Mateus 24:30. João mostra aqui ser um verdadeiro profeta, lendo a Escritura à luz de Cristo.

A volta do Senhor Jesus será um acontecimento público e visível, poderoso, vitorioso e irresistível. A Bíblia desconhece uma segunda vinda invisível ou secreta. Quando Cristo voltar, todo olho o verá.

O versículo 8 é o desenvolvimento do versículo 4, e é o próprio Deus quem fala: “Eu sou o Alfa e Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso”. Uma vez que é o “Alfa e Ômega” (a primeira e a última letra do alfabeto grego), é também a quem se reserva a última palavra sobre a história e sobre os poderes que nela interagem. Deus é o começo e o fim de todas as coisas. Ele é o Deus todo-poderoso, que tudo pode. No Apocalipse, esse atributo é aplicado nove vezes a Deus e expressa poder absoluto. Portanto, ele é o Senhor absoluto de todas as coisas e, por isso mesmo, Senhor absoluto de tudo o que acontece na história humana. 

 

CONCLUSÃO

Em meio a um mundo que adorava o imperador romano como seu único salvador e deus, o livro de Apocalipse, já em seu início, é uma palavra profética, valorosa e cheia de esperança libertadora. Por isso, o tema predominante do Livro de Apocalipse é a volta de Jesus Cristo para derrotar todo o mal e estabelecer o seu reino. É, sem dúvida alguma, um livro de vitória, e os cristãos são considerados mais do que vencedores em Cristo Jesus. O poder terreno passa, mas o poder perene é do Senhor Jesus Cristo. Amém!