Texto de Estudo

Romanos 6:23

INTRODUÇÃO

A doutrina do pecado se reveste de importância basilar em nosso estudo. Uma das razões para isso é que o conceito de pecado está muito diluído em nossa cultura. Para certas correntes da Psicologia, o homem não pode ser responsabilizado por seus atos por ser produto do ambiente. Então, segundo esse pensamento, não existe uma coisa chamada “pecado”. Para outras, alguns de seus atos são mais uma questão de genética do que de opção. Neste sentido, não existe algo como “pecado”, mas apenas desajustes, produto de criação errada e de uma sociedade corrompedora. Para outros, bafejados pelo existencialismo e pelo relativismo moral de nosso tempo, não se pode falar de pecado, pois não há padrões objetivos. Tudo é subjetivo, tudo é relativo. Não existe certo e errado, pois o que é verdade para um pode não ser para outro.

Pecado é um conceito religioso. E a Bíblia esboça a origem do pecado e sua relação com Satanás, revelando- nos como o pecado entrou no mundo. Também nos revela as consequências desastrosas do pecado na história humana e como foi necessário Jesus Cristo morrer na cruz para libertar-nos do seu poder. No estudo de hoje, vamos examinar o pecado por uma ótica bíblica que seja relevante para o mundo moderno.

A ORIGEM DO PECADO

De onde o pecado veio? Como ele entrou no universo? Uma vez que o pecado está em oposição total a Deus, ele não pode pecar, e nós nunca deveríamos culpá-lo pelo pecado ou pensar que ele carrega a responsabilidade pelo pecado. A Bíblia revela que “suas obras são perfeitas, e todos os seus caminhos são justos. Deus é fiel, e nele não há pecado; ele é justo e reto” (Deuteronômio 32:4).

Mesmo antes da desobediência de Adão e Eva, o pecado estava presente no mundo angelical com a queda de Satanás e seus demônios (Ezequiel 28:15; 1 João 3:8).

A narrativa bíblica de Gênesis 3:1-7 descreve o primeiro pecado da raça humana. Ali se encontra o relato de como Satanás tentou Eva, a primeira mulher, induzindo-a a desobedecer ao que Deus estabelecera (Gn2:15-17). Fica bem clara, no episódio bíblico, a sua essência: pecado é uma deliberada transgressão da vontade divina.

Observe como Satanás é sutil em sua maneira de agir. Com grande astúcia, ele oferece sugestões que, ao serem abraçadas, abrem caminhos a desejos e atos pecaminosos (Tiago 1:14-15). Compare a ordem de Deus com a interpretação dada pela serpente a Eva (Gênesis 2:16-17; 3:1-6). Por meio de sua argumentação, Satanás lança uma tríplice dúvida acerca de Deus: 1) Dúvida sobre a bondade de Deus. Ela diz, com efeito: “Deus está retendo alguma bênção de ti”; 2) Dúvida sobre a retidão de Deus, introduzindo assim a descrença quanto à Palavra de Deus. A serpente disse: “Certamente não morrereis”, isto é, “Deus não pretendia dizer o que disse”; 3) Dúvida sobre a santidade de Deus. No versículo cinco a serpente diz, com efeito: “Deus vos proibiu comer da árvore porque tem inveja de vos. Não quer que chegueis a ser sábios tanto quanto ele, de modo que vos mantém em ignorância. Não é porque ele se interesse por vós, para salvar-vos da morte, e sim por interesse dele, para impedir que chegueis a ser semelhantes a ele”.

Além do mais, Satanás despertou a vaidade na mulher, realçando o aspecto formoso do fruto da árvore proibida e fazendo-lhe desejar ser igual a Deus. O desejo da independência e a busca de poder supremo domina o homem  (1 João 2:15-16). A dúvida é a arma que Satanás utiliza com eficácia na disseminação do pecado na face da terra. 

 

A NATUREZA DO PECADO

O pecado é tanto um ato como um estado. Como rebelião contra a Lei de Deus, é um ato da vontade do homem; como separação de Deus, vem a ser um estado pecaminoso.

A Bíblia, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento, faz uso de diversos termos para referir-se ao pecado. Existem pelo menos oito palavras básicas para falar de pecado no Antigo Testamento e cerca de 12 em o Novo Testamento. Cada uma delas descreve aspectos diferentes do pecado na vida do indivíduo e na sociedade. E, juntas, apresentam os conceitos básicos envolvidos nessa doutrina.

O termo mais comum no Antigo Testamento é chata. Em todas as suas formas, essa palavra usada para indicar pecado aparece cerca de 522 vezes no Antigo Testamento e expressa a ideia de “errar o alvo” ou falhar (Cf.Êx 20:20; 32:20). Outra palavra hebraica para pecado é pesha, que tem o sentido de rebelião ativa, uma transgressão da vontade de Deus (Salmos 51:13; Provérbios 28:13; Isaías 1:2). Shagah dá a ideia de errar, desviar-se ou extraviar-se, como uma ovelha ou bêbado. É o que denominamos de “pecado por ignorância” (Levíticos 4:2-13; Números 15:22; Isaías 28:7). A palavra hebraica Awon está associada a uma forma verbal que significa torcer e refere-se à culpa produzida pelo pecado (1 Samuel 3:13; 1 Reis 17:18).

A principal palavra para pecado em o Novo Testamento é hamartia, ocorrendo em suas várias formas cerca de 227 vezes e podendo ser traduzida por errar o alvo, falhar, desviar-se de um curso reto ou errar devido à ignorância. Também abrange o sentido de fracasso, falta e delito concreto (Mateus 1:21; João 1:29. Atos dos Apóstolos 2:38). Adikia exprime a ideia de falta de retidão ou injustiça. Em sentido amplo, esse termo refere-se a qualquer conduta errada (Lucas 16:9; Romanos 1:18; 1 Coríntios 6:8; 2 Tessalonicenses 2:10). Parabasis traz o significado de “transgressor”. Essa palavra normalmente refere-se à quebra específica da Lei (Romanos 2:23; 4:15; 5:14; Gálatas 3:19). A palavra grega anomia é frequentemente traduzida como “transgressão” ou “iniquidade”. Essa palavra significa literalmente “sem Lei”. Expressa igualmente ilegalidade (Mateus 13:41; 1 Timóteo 1:9; 1Jo   3:4). Asebeia reflete fortemente a impiedade (Romanos 4:5; Tito 2:12), enquanto ptaio representa mais o tropeço moral (Tiago 2:10).

Todas as palavras traduzidas como “pecado” procedem de uma mesma atitude básica: a rejeição da vontade de Deus em favor da vontade do próprio indivíduo. Pecado é, pois, desobediência. É possível notar, ainda, que todos os verbos da língua hebraica para “pecado” trazem a ideia de uma atitude consciente, deliberada. Mesmo o chamado pecado de “ignorância” deve ser bem entendido: não é pecado cometido inocentemente, mas pecado por ignorar a Lei. Não é que a pessoa seja ignorante, mas ela ignora a Lei.

O pecado pode ser definido de maneira apropriada se fizermos uso dessas palavras descritivas, pois suas várias formas são registradas no Antigo e no Novo Testamento. Em sua definição, Waine Grudem diz que “pecado é deixar de se conformar à Lei moral de Deus, seja em ato, seja em atitude, seja em natureza”. De maneira mais sucinta, pecado é geralmente definido como transgressão à Lei de Deus (1 João 3:4).

 

A UNIVERSALIDADE DO PECADO

É importante que compreendamos a universalidade do pecado, no sentido de que a extensão do pecado é total na vida do ser humano. O pecado não atinge apenas a determinados indivíduos, “pois não há homem que nãopeque” (1 Reis 8:46). O apóstolo Paulo, citando o Antigo Testamento, diz que “não há justo, nem sequer um, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Romanos 3:10-12).

Após sua queda, Eva deu o fruto ao seu marido, que, ao comer, também transgrediu a ordem divina. Com sua transgressão, toda a raça humana ficou contaminada. Portanto, conclui Paulo, “assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Romanos 5:12).

1. O pecado atingiu toda a raça humana existente (Romanos 3:23). As Escrituras ensinam que o pecado é universal, atingindo a todos os homens (1 Reis 8:46; 1 João 1:10). Com a expulsão de Adão e Eva do jardim do Éden, toda a     humanidade nasceu fora do paraíso e em pecado. Por isso, a universalidade do pecado alcança a todos os homens (Romanos 3:10-18; Salmos 14:1). É curiosa a declaração de que Adão “gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem” (Gênesis 5:3). Ele é pecador e gera filhos semelhantes a ele, também pecadores. É por isso que toda a sua descendência é pecadora (Romanos 5:12).

2. O pecado atingiu todo o homem como ser (Romanos 7:14-24). A extensão do pecado é total, não simplesmente num sentido geográfico, mas também existencial. O pecado afeta o ser humano por inteiro: a vontade (João 8:34; Romanos 7:14-24; Efésios 2:1-3; 2Pd 2:19), a mente e o entendimento (Gênesis 6:5; 1 Coríntios 1:20-24; Efésios 4:17), as afeições e emoções (Romanos 1:24-27; 1 Timóteo 6:10; 2 Timóteo 3:4), assim como nossas palavras e comportamento (Gálatas 5:19-21; Tiago 3:5-9). Isto tem sido expresso tradicionalmente como “depravação total”. Isso significa que nenhum aspecto de nossa natureza foi deixado intacto pelo pecado. Não existe dentro da personalidade humana uma parte em que o “estado original” do homem  tenha sido preservado intacto. A queda teve o poder de afetar toda a vida do homem, em todos os níveis, sem exceção. Estamos totalmente decaídos e, portanto, totalmente necessitados de redenção (Efésios 2:1-5).

3. O pecado atingiu toda a criação de Deus na Terra (Gênesis 3:17-19). O pecado não tem dimensões apenas individuais. Tem, também, uma dimensão cósmica, como lemos na maldição sobre a Terra, quando da queda da humanidade: “Maldita é a terra por tua causa” (Gênesis 3:17). Assim, a criação animal e, até mesmo, a natureza inanimada sofreu a maldição como resultado do pecado do homem. Em vista disto, a Escritura nos diz que está chegando a hora em que “a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção” (Romanos 8:21-22). A redenção de Cristo não é apenas a salvação dos homens, mas a reconstrução da criação. O sacrifício de Jesus abrange também a restauração da própria natureza (Apocalipse 22:5). 

 

AS CONSEQUÊNCIA DO PECADO

Devido à queda, o pecado dá início a uma série de consequências maléficas. O pecado de Adão não apenas resulta na morte para ele mesmo e para todos os homens (Gênesis 3:19), mas inicia uma série de outros pecados: o assassinato de Abel por Caim (Gênesis 4:1-16), a maldade humana em geral resultando no dilúvio (Gênesis 6:1-7,24), e a arrogância demonstrada na construção da Torre de Babel (Gênesis 11:1-9).

A palavra que melhor define as consequências do pecado é “morte”, pois pecado é a transgressão da Lei de Deus. E, na Lei, Deus estabeleceu como castigo a morte (Romanos 6:21-23; Ezequiel 18:20). O homem foi criado para ser capaz de viver eternamente; isto é, não morreria se obedecesse à Lei de Deus (Gênesis 2:17). Desse modo, a vida estava condicionada à obediência: enquanto Adão observasse a Lei da vida teria direito à árvore da vida. Mas desobedeceu, quebrou o pacto de vida e ficou separado de Deus, a fonte da vida. Assim, a limitação da vida humana é uma parte do castigo pelo pecado. Paulo foi enfático ao afirmar que “o salário do pecado é a morte”. Então, desde Adão e Eva, todos os seres humanos estão destinados a experimentar a morte física (Hebreus 9:27).

Ao nos dar suas leis, desejou Deus ajudar-nos a ficarmos livres do pecado (João 8:34). Quando deixamos de cumpri-las, sofremos as consequências da nossa desobediência, tais como o sofrimento, a dor, doenças e morte. Assim, podemos dizer que o pecado produz resultados desastrosos para o presente e para o futuro. Vemos, então, que a morte física veio ao mundo como castigo, e, nas Escrituras, sempre que o homem é ameaçado com a morte como castigo pelo pecado, significa primeiramente a perda do favor de Deus.

Mas notamos que o castigo incluía mais do que uma morte física; o homem também experimentaria a morte espiritual, como consequência do pecado. A morte espiritual equivale à separação eterna de Deus. O homem sem Deus está morto, como afirma o apóstolo Paulo, ao dizer aos irmãos que “antigamente vocês estavam espiritualmente mortos por causa da sua desobediência a Deus e por causa dos seus pecados”  (f 2:1, NTLH). Mas nem todas as pessoas têm que continuar vivendo neste estado espiritual. Ao aceitar a Jesus Cristo como seu Salvador pessoal, o indivíduo recebe o perdão de Deus para os seus pecados, é purificado de toda injustiça e torna-se participante do novo nascimento em Jesus Cristo, cujo princípio operante é a vida abundante, e não mais a morte (1 João 1:9; 2 Coríntios 5:17).

A quebra de nossa relação com Deus também afetou diretamente nosso relacionamento com nossos semelhantes. Adão voltou-se contra Eva e culpou-a por sua própria insensatez. Em seguida, temos a história do assassinato de Abel. O homem inimigo de Deus é também inimigo de seu semelhante; é um estranho, um inimigo, uma ameaça social. O pecado traz conflitos e produz grandes divisões na humanidade. Provoca preconceito racial e antagonismos. Dá lugar às divisões sociais, contribuindo com as explorações para com os menos favorecidos. Traz discórdia para o seio de todos os grupos humanos, sejam educativos, comunitários, sociais, recreativos ou   religiosos. Divide as famílias e as igrejas.

Na verdade, nosso afastamento do próximo também se expressa como “medo” de sermos vistos como somos, em nossa fraqueza, culpa e autodepreciação. Tentamos, portanto, ocultar-nos dele, de um lado, projetando uma imagem inverídica de nossa pessoa e, de outro, procurando extinguir sua ameaça por meio de nosso afastamento. 

 

O TRIUNFO SOBRE O PECADO

A nossa única esperança para vencer o pecado está depositada em Cristo. Ele é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (João 1:29). Ele é aquele que fora prometido para esmagar a cabeça da serpente e derrotar o poder de Satanás (Gênesis 3:15).

Deus não poderia simplesmente perdoar o pecado com base no arrependimento do pecador. Havia um preço a ser pago (Hebreus 9:22). Para que Deus pudesse perdoar ao pecador e permanecer justo ao mesmo tempo, Jesus Cristo teve que pagar a pena do pecador (cf. João 19:30 1 Pedro 1:18-20). Ele tinha que morrer para Deus justificar os ímpios (Romanos 3:24-26). O profeta Isaías nos dá a verdade central sobre o significado da morte de Cristo quando declara que “Deus fará de sua alma (de Cristo) uma oferta pelo pecado” (Isaías 53:10). Compreender o que essa declaração significa é compreender a expiação. Examinemos melhor os detalhes envolvidos nesta declaração:

1. A morte de Cristo é vicária (Isaías 53:5-6; 1 Coríntios 15:3; 2 Coríntios 5:21). A morte de Cristo foi tratada como oferta pelo pecado. Sua morte fora um sacrifício vicário (1 Pedro 3:18; 1 Coríntios 15:3; Romanos 4:25). Sofrimento vicário é o sofrimento pelo qual passa uma pessoa em vez de outra, isto é, em seu lugar. Supõe necessariamente a isenção da parte em cujo lugar o sofrimento é suportado. É evidente que Cristo não morreu por seu próprio pecado, pois não tinha pecado (João 8:46; Hebreus 4:15). Antes, lemos na Palavra que “Cristo morreu pelos nossos pecados” (Romanos 5:8; 1Pd 2:22,24; 3:18).

2. A morte de Cristo é a expiação dos nossos pecados (Levíticos 4:13-20; 6:2-7; Hebreus 2:17-18). A morte de Cristo é tanto uma expiação como uma propiciação (sacrifício) pelos nossos pecados. Por estas passagens fica claro que o novilho ou carneiro tinha que morrer e que o perdão só era possível apenas por meio da morte de um substituto (1 Tessalonicenses 5:9-10; 1 João 4:10). Ligada à ideia de propiciação está a ideia de reconciliação. As duas ideias parecem estar intimamente ligadas uma à outra como causa e efeito (Romanos 5:10; Efésios 2:13-16).

3. A morte de Cristo é um resgate (Marcos 10:45; Hebreus 9:12). A morte de Cristo é mostrada como tendo o pagamento de um preço ou resgate. Jesus mesmo é quem diz que ele veio para dar a sua vida em resgate de muitos, e fala-se da obra de Cristo como sendo a de redenção (Lucas 1:68; 2:38). A palavra “redenção” vem do grego lutron e significa o pagamento de um preço para livrar alguém que esteja aprisionado. Agora, podemos dizer como Paulo a Tito: “Aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tito 2:14).