Texto de Estudo:

Gênesis 1:26-27

INTRODUÇÃO

“Que é o homem?” perguntou o salmista séculos atrás (Salmos 8:4). Esta pergunta nos confronta hoje com nova premência e com menos perspectiva de uma resposta definida do que em qualquer outra época da história. Cremos que o homem é um ser criado por Deus (cf. Mateus 19:4; Romanos 5:12-19; 1 Coríntios 15:45-49; 1 Timóteo 2:13), e não existe verdade mais estupenda do que esta. Somente Deus seria a causa suficiente e razoável para explicar a complexidade da vida humana. Entretanto, vivemos numa época em que muitas teorias são propostas visando a explicar a origem e a natureza do homem. É importante que se conheça o ensino da Bíblia a respeito do ser humano. Por meio da Bíblia, encontramos a resposta e a orientação do próprio Deus sobre a origem, natureza e finalidade da existência do homem, sobre a face da terra, respondendo, assim, a quatro perguntas fundamentais: De onde vim? O que sou? Por que vim? Para onde vou? 

A NATUREZA ORIGINAL DO HOMEM

A Bíblia ensina claramente a doutrina de uma criação especial, que significa dizer que Deus fez cada criatura “segundo a sua espécie” (Gênesis 1:21-24,25). Assim, cada categoria de animal foi criada em conformidade com sua própria espécie, e o mesmo se aplica a sua reprodução. Segue-se que não se pode afirmar a partir do relato bíblico que houve, em algum momento da criação, um processo evolutivo, mas sim que cada animal foi criado segundo a sua espécie. Deus criou as várias espécies e então as deixou para que se desenvolvessem e progredissem segundo as leis do seu ser.39 O fato de que o homem não pertence à categoria dos animais pode ser percebido em função da criação distinta da dos outros seres vivos, do fato de constituir uma espécie distinta de ser vivo e da posição distinta que tem em relação às demais criaturas. Essa distinção entre o homem e as criaturas inferiores está no fato de que o homem foi criado à “imagem e semelhança de Deus” (Gênesis 1:26-27; 5:1; 9:6). Mas em que esta “imagem e semelhança” consiste?  Do ponto de vista da linguística hebraica, não há qualquer diferença significativa entre as palavras hebraicas para “imagem” e “semelhança”, pois as duas significam praticamente a mesma coisa. A palavra hebraica para imagem (tselem) é derivada da raiz que significa “esculpir” ou “cortar”. Por sua vez, a palavra hebraica para semelhança (demuth) vem de uma raiz que significa “ser igual”. Tselem significa imagem moldada, uma figura moldada, imagem no sentido concreto da palavra (2 Reis 11:18; Ezequiel 23:14; Amós 5:26). Já demuth também se refere à ideia de similaridade, mas num aspecto mais abstrato ou idealístico.40 Poder-se-ia dizer, então, que a palavra imagem é também uma semelhança. Por outro lado, é bom que se diga que as palavras hebraicas que exprimem “imagem” e “semelhança” referem-se a algo similar, mas não idêntico àquilo que representam. Charles Hodge definiu bem quando disse que “imagem e semelhança significam uma imagem que se assemelha”.41 Deus é espírito e não tem corpo como um ser humano, pois se tivesse  um corpo físico ele estaria limitado a este corpo e não seria onipresente. No entanto, Deus é um ser pessoal e os atributos essenciais de uma pessoa são razão, consciência e vontade. Portanto, ao criar o homem à sua própria imagem, Deus o dotou com aqueles atributos que pertencem à sua própria natureza.42 Quatro aspectos podem ser mostrados aqui. Em primeiro lugar, somente o homem recebeu o “sopro divino” (Gênesis 2:7). Em segundo lugar, somente o homem é um ser moral, diferente do resto da criação. Não precisa obedecer a seus instintos. Em terceiro lugar, somente o homem é um ser racional, com capacidade de pensamento abstrato e de produzir ideias. E por último, em quarto lugar, somente o homem recebeu domínio sobre a natureza e os seres vivos. Ele é o representante de Deus no mundo, investido de autoridade e domínio. Ele é divinamente comissionado para sujeitar a terra. O hebraico é kibeshedah e significa literalmente “pisar sobre”. Ele é o administrador de Deus na terra.43 Os dois primeiros capítulos de Gênesis fornecem a descrição bíblica no tocante à criação do homem. Em cada capítulo há uma narrativa (Gênesis 1:26-27; 2:7, 21-23). A primeira é de natureza geral. A segunda fornece alguns detalhes a mais. É como se fosse um complemento da primeira narrativa. Das duas narrativas, podemos notar o seguinte:

 

1. O homem é a mais elevada de todas as criaturas de Deus (Gênesis 1:26-28). O relato bíblico dá valor ao homem. Diferentemente dos relatos das religiões orientais, o homem é distinto da criação. De fato, no relato bíblico, o homem é elevado sobre a criação. Na Bíblia, ele é o ápice de um processo criativo. Sua singularidade reside no fato de ser ele o único que foi criado à imagem e semelhança de Deus, e é também o único que pode relacionar-se com Deus. Ele é o único ser a ter a noção de eternidade: “Tudo fez formoso em seu tempo; também pôs na mente do homem a idéia da eternidade” (Eclesiastes 3:11). O homem é chamado “coroa da criação divina”, não apenas por ter sido o último a ser criado, mas pela sua própria natureza. Ele di fere de todos os outros seres criados neste mundo e está imensuravelmente acima deles. O ser humano é inferior somente a Deus (Salmos 8:4-8). Ele possui qualidades que somente Deus possui. Esse fator explica porque o homem pode manter comunhão com Deus, o seu Criador. Essa conformidade de natureza  entre o homem e Deus é a condição necessária para nossa capacidade de conhecer Deus e, portanto, o fundamento de nossa natureza religiosa. Se não fôssemos semelhantes a Deus não poderíamos conhecê-lo.44 

 

2. O homem, como ser criado por Deus, era bom e reto (Gênesis 1:31). Depois de realizar a criação de todas as coisas, inclusive a do homem, “viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”. Salomão, depois de muito meditar sobre os caminhos do homem em relação ao “ato criativo” de Deus, disse: “Eis que tão-somente achei: Que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias” (Eclesiastes 7:29). No seu estado original, o homem era semelhante ao seu Criador em justiça e santidade. Foi pela sua transgressão que caiu em pecado e ficou separado de Deus. O resultado é que dentro do homem “não habita bem nenhum” (Romanos 7:18). Ele é incapaz por si mesmo de retornar à sua condição anterior de santidade, pois tem até a mente e a consciência corrompidas (Romanos 7:8; Tito 1:15; Colossenses 3:10; Mateus 19:4).Sua imagem foi desfigurada pelo pecado, mas pode ser reabilitada pela regeneração e conversão ao Senhor Jesus Cristo (Efésios 4:24; Colossenses 3:10).

 

3. O homem foi criado como um ser inteligente (Gênesis 2:15-20). O homem se assemelha a Deus na capacidade de exercer domínio sobre ordens inferiores. O progresso humano nada mais é que esta capacidade exercida e ampliada de domínio sobre as ordens inferiores,inclusive domínio sobre a natureza. A capacidade de grandes faculdades intelectuais do homem está subentendida na ordem para “cultivar” o jardim e o “guardar”, na possibilidade de exercer domínio sobre a terra e todas as criaturas da terra, e nas declarações de que ele dê nomes a todos os animais da terra. 

 

4. O homem é um ser moral (Gênesis 2:15-17; 3:1-15). O homem é um ser moral porque é um ser de consciência que tem condições de avaliar a sua conduta a partir de valores morais. Deus o fez como ser responsável, com liberdade de escolha. Ele é livre para aceitar ou recusar. Isso é o que se pode notar da leitura de Gênesis 2:15-17 e 3:1-15. Nessas duas passagens, encontram-se retratadas a glória e a tragédia do gênero humano. Criado para a comunhão com Deus, o homem afastou-se, pelo mau uso de sua liberdade, do caminho que o Criador lhe traçara, visando a sua felicidade. 

 

A CONSTITUIÇÃO DO HOMEM

 

O ser humano é uma unidade dinâmica e não podemos separá-lo em compartimentos estanques. O fato de Paulo ter mencionado “espírito, alma e corpo” (1 Tessalonicenses 5:23) como elementos constituintes do ser humano, não significa, necessariamente, que cada um desses elementos tenha existência própria, independente um do outro. Tais palavras denotam apenas aspectos diferentes da natureza humana, mas são partes integrantes do homem como um todo. Depois da criação do universo, da terra, da natureza, dos animais aquáticos e terrestres, Deus passou a criar o homem que viria a constituir a parte mais importante da criação divina. Um relato mais detalhado encontra-se no segundo capítulo do livro de Gênesis: “Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gênesis 2:7). A palavra “pó” vem do hebraico afar, a parte mais frágil da terra. O homem foi tirado dela e é destinado a ela depois que morrer (Gênesis 3:19; Eclesiastes 3:20). Mas não é evolução natural da terra.  Foi “plasmado” (que traduz melhor que “formado”) por Deus. A forma verbal “formou” é a tradução do hebraico iitser, verbo para o trabalho típico do oleiro ou do artista plástico (cf. Isaías 64:8).45 O fato de o homem ser formado do pó da terra, por Deus, caracteriza bem a sua existência como criatura e, ao mesmo tempo, adverte-o quanto à fraqueza e mortalidade do ser humano. Como criatura, o homem é dependente do seu Criador. Uma vez que o corpo humano foi feito do pó da terra, recebe agora o “fôlego de vida” em suas narinas. Esta expressão é a tradução do hebraico nishemathrayym, que significa “sopro que faz viver, que dá respiração”. Recebendo o fôlego de vida em suas narinas, o homem tornou-se “alma vivente”. Isto é, passou a ter vida própria, tornou-se uma pessoa, passou a ter personalidade. 46 O relato bíblico não diz que Deus implantou uma alma imortal ou uma entidade espiritual no homem. Diz que quando o poder de Deus energizou o corpo de Adão, este “veio a ser alma vivente”. Portanto, o homem é uma alma, ou seja, um ser vivente. Ele não tem uma alma, como ensinam alguns. Veja o mesmo texto na versão bíblica Nova Tradução na Linguagem de Hoje: “Então, do pó da terra, o SENHOR formou o ser humano. O SENHOR soprou no nariz dele uma respiração de vida, e assim ele se tornou um ser vivo”. A alma, em sentido geral, é a origem e causa da vida. Por isto, as nações antigas acreditaram durante muito tempo que tudo morria ao morrer o corpo. 

 

A RELAÇÃO DO HOMEM COM DEUS

O pecado sempre causa separação de Deus (Isaías 59:2). Desde a queda, nenhum ser humano pôde ver a face de Deus e continuar vivo (Êx 33:20), porque a presença de Deus é fogo consumidor para seres pecaminosos. Visto que Deus concedeu ao homem a faculdade de escolha, Adão e Eva podiam ter decidido continuar servindo a Deus ou desobedecer-lhe. Como resolveram desobedecer-lhe, perderam o estado de perfeição original (Gênesis 3:1-20). Consequentemente, seus filhos nasceram com natureza decaída e propensa para o mal (Romanos 3:23; 5:12). Degenerescência física e mental e também a morte sobrevieram a todos os seres humanos porque Adão e Eva pecaram (Romanos 5:14). O homem, por ser criatura, depende de Deus (Mateus 6:26 30; Atos dos Apóstolos 17:24-30). O homem, como um todo, pertence a Deus. Sua existência, como ser livre, inteligente, responsável, deve-se única e exclusivamente a Deus. Porém, o homem natural está perdido (Lucas 19:10). Quando a Bíblia fala em homem natural, significa o homem afastado de Deus e dominado pelo pecado. A necessidade de conversão se explica pelo fato de o homem se encontrar perdido (Efésios 2:1-3). Entretanto, o homem natural se recusa a reconhecer que sua relação com Deus foi quebrada (Rm  1:18-32). De acordo com sua própria natureza, o homem sente necessidade de filiação com Deus e comunhão com seu próximo, mas não consegue alcançar essa finalidade por si mesmo, devido à operação do pecado que perverte a sua natureza. Por meio de Jesus Cristo, o homem natural pode tornar- se parte integrante de uma nova criação. Jesus veio para salvar e reconciliar o homem perdido com Deus (Romanos 5:10-11). Reconciliar significa remover barreiras, aproximar novamente. Jesus nos aproxima novamente de Deus. Por meio dele, somos feitos membros da família de Deus (Efésios 2:14-19), na categoria de filhos (João 1:12). O plano do Senhor é que a velha vida de pecado seja substituída por uma vida dedicada à sua justiça. Isto só poderá acontecer se a mente e o coração do indivíduo forem purificados. Somente Cristo pode efetuar essa purificação. Então serão abandonados  os hábitos e costumes que fazem parte de vida individual, mas que não estão de acordo com a vontade de Cristo. 

 

NATUREZA HUMANA GLORIFICADA 

Os efeitos do pecado só serão removidos completamente de nosso corpo e mente quando Jesus vier. Vitória sobre o pecado é o ideal e é a expectativa de Deus para Seus filhos agora (Apocalipse 2:7-17,26; 3:21). Mas a libertação das desvantagens da humanidade decaída e das tentações para pecar só será uma realidade por ocasião da volta de Jesus, quando “isto que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir de imortalidade” (1 Coríntios 15:51-54).