Texto de Estudo

Efésios 4:4:

4 Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação;

 

INTRODUÇÃO

O Novo Testamento refere-se à Igreja como sendo o corpo de Cristo. Já vimos que Deus designou a Igreja para ser uma mistura de pessoas de todos os estilos de vida, as quais se dedicam umas às outras, servem umas às outras, perdoam-se e animam-se mutuamente e são bondosas e unidas entre si. Paulo escreveu aos efésios sobre esse tipo de unidade.

Paulo faz algumas exortações práticas aos efésios com relação à obra do Espirito Santo na igreja. Ele diz que é o Espírito que concede a paz que mantém os cristãos unidos, e que eles devem fazer o melhor para preservá-la, conforme vimos na semana passada. A igreja de Cristo, como o corpo humano, tem muitos e diferentes membros, porém todos unidos pelo mesmo Espírito em que foram selados. É esse fato que faz com que haja unidade na igreja. 

 

PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO

Em Efésios 4:3 Paulo rogou aos cristãos que se esforçassem “diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz”. Algo que precisa ser esclarecido é que unidade não é uniformidade. A unidade é de origem interior e constitui uma graça espiritual, enquanto a uniformidade é resultante de pressão exterior.  Uniformidade é do homem. Unidade é de Deus. Uniformidade é ter a mesma forma, isto é, uma forma única. Um bom exemplo de uniformidade são os tijolos quando ainda no depósito, empilhados, têm a mesma forma, portanto, são uniformes. Mas eles estão unidos? Não. Só estarão unidos depois de aplicada a argamassa para a construção da parede da casa. Precisa haver algo entre eles para estarem unidos. 

A igreja é comparada a um corpo. É claro que num corpo formado por pessoas tão diferentes, tão distintas, não terá uniformidade, mas pluralidade de forma; entretanto na pluralidade haverá unidade. Embora tenhamos tantas diferenças, nossa união em Cristo nos faz compreender a cada um, a respeitar a cada um, a amar a cada um. Uma bela ilustração do que é unidade é demonstrada num coral. É emocionante ouvir um belo coral cantando hinos ao Senhor. Parece uma única voz poderosa louvando a Deus. No entanto, no coral, os sopranos, os contraltos, os tenores e os baixos cantam suas diferentes vozes, formando uma harmonia belíssima que muitas vezes nos faz estremecer a alma. No coral existe unidade e não uniformidade de vozes. Na igreja, quando há unidade, as diversas notas não são reprimidas, mas são usadas juntas para formar um belo coral, a fim de que em tudo aquele que deu os dons e as notas seja glorificado através de cada um.

Nós podemos cooperar para preservar a unidade da nossa comunhão de duas maneiras:

1. Por meio de um esforço diligente. O verbo grego traduzido por “esforçai-vos diligentemente” (spoudazo) significa: não fazer reservas, não poupar esforço algum, não reter nada, esforçar-se ao máximo, empenhar-se de forma diligente. A raiz desse verbo (spouden) transmite a ideia de se apressar para fazer algo com a implicação de energia associada ou com intenso esforço e motivação. Esse verbo tem, portanto, um elemento de pressa, urgência, ou mesmo uma sensação de crise para ele. Sugere uma concentração zelosa e um esforço diligente. Ele também sugere dificuldade e uma firme determinação para superá-la. O tempo do verbo (particípio do presente) indica que devemos fazer isso continuamente. É uma atividade contínua e diligente. O modo imperativo do particípio que se acha no texto grego exclui a passividade, o quietismo, uma atitude do tipo “vamos ver como é que fica”. É como se Paulo estivesse dizendo, “mostrai-vos sempre prontos”.  O fruto precioso da unidade não é automático, mas requer um esforço considerável para cultivar e propagar!

A palavra “preservar” é mais próxima do sentido, no original grego, do que guardar. No original, a palavra é tereo; significando: observar, guardar, conservar, preservar. Esta palavra descreve a ação de um guarda ou guardião, significando que ele deve manter o olho em alguma pessoa ou objeto, manter algo em vista, prestar atenção ou tomar conta dela. Tereo designa, dessa maneira, guardar algo que está em sua posse. Isto significa observar atentamente, vigiar e manter sob custódia. 

Tal unidade já existe no seio da Igreja universal e resta-nos, como membros dessa Igreja, preservar essa unidade por meio um esforço diligente e contínuo. Todavia, essa unidade é produzida pelo Espírito Santo e somente por ele. Os homens não podem produzi-la, por mais que se esforcem, por causa da natureza dessa unidade, porque é uma unidade espiritual, e pode surgir somente como resultado da operação do Espírito Santo. 

Ela é gerada, provida e produzida pelo Espírito Santo. Fomos chamados não para criar essa unida¬de, nem produzi-la, mas para mantê-la com todo o cuidado. Os crentes em Cristo são partes dessa unidade. O que compete a eles é a obediência dos requisitos que “a unidade do Espírito” exige. 

Portanto, devemos nos esforçar diligentemente não para criar a unidade, não para tentar chegar à unidade, mas para preservar a unidade. A unidade já existe; é a unidade de todos os que creram na mensagem do Evangelho, conforme já exposto pelo apóstolo Paulo, nos capítulos 1 a 3. Esta era a prioridade de Jesus Cristo para a Sua Igreja. Ele demonstrou isso em sua oração sacerdotal (João 17:20-23).

2. Por meio de relações harmoniosas. Dois assuntos são tratados por Paulo. Primeiro, existe uma unidade que o Espírito Santo cria. Segundo, os cristãos têm a responsabilidade de cuidar dela mediante relações harmoniosas, ou seja: “pelo vínculo da paz” (v. 3). Esta é uma expressão que denota como a unidade é preservada; ela é “amarrada com laços da paz” (NEB), forjados pela obra reconciliadora do próprio Cristo (cf. Colossenses 3:14).

A paz é o elo que une todos os fiéis pelo Espírito. Essa paz é plena e não restrita. Sua significação alcança todas as esferas da vida cristã. Primeiro, paz com Deus. Depois, paz com o próximo e com a Igreja de Cristo. Esta paz é divina e é produzida pelo Espírito (Gl. 5:22), para que haja vínculo entre Deus e o cristão no corpo de Cristo.

Portanto, a unidade do Espírito não é produzida pelo homem, mas pelo Espírito. E, a missão do cristão é preservar a unidade do Espírito pelo “vínculo da paz”. Esta unidade não é a do espírito humano, como vários teólogos ensinam, mas é criada pelo Espírito de Deus (v. 4) e operada nos crentes por um mesmo amor (Romanos 5:5). Se ela fosse produzida pela vontade humana, não teria sido preservada através dos séculos, e estaria destruída pelos sentimentos carnais do egoísmo e do orgulho. Essa unidade é espiritual, produzida por Deus. Não é externa e material, pois se o fosse, certamente escravizaria em seu seio as consciências. Existe um tipo de unidade material na igreja que liga os seus membros às várias instituições. A verdadeira unida¬de é espiritual e íntima na Igreja de Jesus Cristo. Ela se manifes¬ta no corpo de Cristo através de seus membros.

Também é importante salientar que unidade não é uniformidade. A unidade vem de dentro e é uma graça espiritual, enquanto a uniformidade é o resultado da pressão de fora. É um estado de unidade ou de estar em harmonia e acordo. Isso não descreve uma união externa, eclesial, mas interna: a unidade espiritual. Isso significa que os cristãos devem estar unidos em caráter e afeto, e não podem ser divididos em facções ou partidos. O Espírito no Corpo criou uma unidade básica que nada pode destruir, mesmo que os crentes possam se comportar, ainda, como se esse fato não fosse verdadeiro. Assim, o apóstolo Paulo está pedindo que haja zelo para manter essa unidade e para vivermos em paz uns com os outros.

 

AS BASES DA UNIDADE DO ESPÍRITO

Hoje em dia, muitas pessoas tentam unir os cristãos de forma não bíblica. Fazem declarações do tipo: "não estamos interessados em doutrinas, mas sim no amor; vamos colocar de lado as doutrinas e amar uns aos outros!" Essa é uma grande falácia maligna. Paulo não discute a unidade espiritual nos três primeiros capítulos; só toca nesse assunto depois de ter lançado os alicerces doutrinários. A unidade construída sobre qualquer outra base que não seja a doutrina bíblica apoia-se em alicerces extremamente instáveis.  É como a casa construída na areia! 

Qual é a natureza da unidade produzida pelo Espírito Santo? A unidade da Igreja tem a sua origem e fundamento na Triunidade, como está exposta nos versículos 4, 5 e 6: “um Espírito” (v. 4), “um Senhor” (v. 5) e “um Deus e Pai” (v. 6). Temos aqui a confirmação da unidade existente na Triunidade. Não há divisão no Deus Triúno. 

Embora Paulo esteja chamando para a unidade, é importante notar que ele não está falando da unidade a qualquer preço em que as verdades fundamentais do Evangelho são postas de lado (ecumenismo). Se quisermos preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz, precisamos conhecer e realizar as verdades nos unem como um corpo. Então, em vez de focalizar as diferenças (majorando coisas menores), podemos nos concentrar na doutrina e nas verdades positivas que formam a base da unidade dos cristãos.

E Paulo prossegue com uma lista de sete elementos que unem os cristãos no corpo de Cristo.  Quando somos tentados a quebrar a unidade, precisamos nos lembrar dessas verdades unificadoras.

Os versículos 4 a 6 descrevem uma série de formulações em forma de credo, às quais é dada ênfase pela repetição da palavra “um”, a qual é usada sete vezes nestes três versículos.

1. Há um só corpo. No começo do verso 4, as versões bíblicas trazem a palavra “há”. Todavia, no original, lê-se: “Esforçai-vos por manter a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Um só corpo”. Os tradutores acrescentaram a palavra “há” porque ela ajuda a dar ênfase ao fato: “Há somente um corpo”. Há uma versão que verte assim: “Somos todos um só corpo”.  E esse corpo já foi produzido pelo Espírito Santo. Portanto, a primeira coisa que nos é dita sobre a natureza dessa unidade é que ela é comparável à do corpo humano. É essa claramente a analogia favorita do apóstolo Paulo (cf. Efésios 1:22 23; 2:16; 3:6; 4:16, Romanos 12; 1 Coríntios 12).

O corpo, com seus muitos membros e um complexo conjunto de órgãos de disposições e funções diferentes, ainda é um. A Igreja, não importa onde esteja situada, ou há quanto tempo ela existe, não importa de que sangue, raça ou cor sejam seus membros, ou em quais idiomas seus cultos sejam realizados, é uma. E, ainda assim, não é afetada pela distância ou tempo, pelo aspecto físico, intelectual ou distinções sociais. E como no corpo há apenas um só espírito, um só princípio de vida, o Espírito de Deus habita em uma Igreja e não deve haver, portanto, rivalidade, nem reivindicações conflitantes.

2. Há um só Espírito. Neste contexto, a maioria dos comentaristas concorda que se refere ao Espírito Santo. Paulo explica que todo cristão possui o Espírito Santo. Ele diz em sua carta aos Coríntios: “Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito” (1 Coríntios 12:13). Esta passagem paulina nos ensina que de fato o Espírito Santo batiza o crente, colocando-o no corpo de Cristo que é a Igreja, e que isto ocorre no momento da conversão e, portanto, todos os cristãos verdadeiramente convertidos já foram objeto desta atividade do Espírito.

 Todo crente é habitado pelo Espírito individualmente: “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1 Coríntios 6:19). E, ainda: “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”. Tanto o fiel em Cristo quanto a Igreja local são vistos como um templo de Deus, habitados pelo mesmo Espírito.

3. Há uma só esperança da vocação. Vocação ou chamado (gr. kaleo) significa falar com o outro, a fim de trazê-lo para mais perto, fisicamente ou em um relacionamento pessoal. Os crentes gentios foram sobrenaturalmente chamados para o reino de Deus, mediante a eleição desde a eternidade (Ef. 1:4, 5) e a morte redentora de Cristo na cruz do Calvário. 

A esperança é a expectativa de algo com alguma razão para a confiança, no que respeita ao cumprimento daquela promessa. Paulo orava pelos cristãos para que lhes fossem “iluminados os olhos do vosso entendimento, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos” (Ef. 1:18). Paulo lembrou os crentes gentios que agora, em Cristo, eles foram “chamados numa só esperança da sua vocação”.

Pedro incentivou os santos que estavam sofrendo lembrando-lhes que tinham uma firme esperança, por escrito: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1Pd 1:3). E mais adiante ele diz: “Portanto, estejam com a mente preparada, prontos para a ação; sejam sóbrios e coloquem toda a esperança na graça que lhes será dada quando Jesus Cristo for revelado” (1Pd 1:13, NVI).

Em 1 Timóteo 1:1 lemos: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por ordem de Deus, nosso Salvador, e de Cristo Jesus, a nossa esperança”. Paulo afirma que nossa esperança não é um plano, não é um programa, nem mesmo uma promessa, mas, em última análise é uma Pessoa, o Senhor Jesus Cristo.  Um dos aspectos mais significativos dessa “esperança” é a certeza absoluta de que Jesus está voltando para nos levar para casa, onde passaremos a eternidade com ele na perfeição completa, livre do pecado, da vergonha e tristeza! (João 14:3).

4. Há um só Senhor. O ponto crucial de Paulo é de que deve haver união entre os cristãos, porque todos têm um só Senhor. Não há um Senhor diferente para o judeu e outro para o grego! Esta era a essência mesma da pregação apostólica. Pedro a expôs inequívoca e ousadamente quando ele e João foram acusados perante as autoridades: “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens pelo qual devamos ser salvos” (Atos dos Apóstolos 4:12). Não há outro! Não há nenhum segundo! Não se pode pôr ninguém ao lado dele. Ele é absolutamente único.

A unidade visível externa não é necessária para a unidade invisível da Igreja. Os membros de uma Igreja certamente diferem entre si em suas opiniões sobre muitas coisas, mas estas devem ser sobre questões “não essenciais” do ponto de vista espiritual. Por outro lado, a Igreja deve ser unida na verdade fundamental de que há um só Senhor, Jesus Cristo, que é o Senhor de todos. 

Paulo o expressa assim, numa memorável declaração: Porque, ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e muitos senhores), todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também, por ele. (1 Coríntios 8:5 6). E, ainda: “Porquanto não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam” (Romanos 10:12; cf. Atos dos Apóstolos 10:36). Na questão da unidade cristã isto é essencial. A unidade do Espírito é a unidade daqueles que crêem que só há “um Senhor”.

Não há melhor maneira de promover a unidade entre os cristãos que lembrar-lhes que têm o mesmo Salvador. E quando invejas e amarguras surgem do coração, ou quando estão dispostos a brigar por ninharias, ou mesmo por questões importantes, quando querem devorarem-se uns aos outros, deixe-os sentirem que têm um único Senhor e Salvador e eles vão deixar de lado os seus argumentos.

5. Há uma só fé. Existe um conjunto definido de verdades que Cristo confiou a sua Igreja, que constitui "a fé". Judas a chama de "fé que uma vez por todas foi entregue aos santos" (Judas 3). Os primeiros cristãos professavam um conjunto de doutrinas básicas que ensinavam, guardavam e transmitiam a outros (2 Timóteo 2:2). Os cristãos podem discordar de certas questões de interpretação e prática eclesiástica, mas todos os seguidores autênticos de Cristo concordam no que diz respeito "à fé", e se afastar "da fé" é provocar desunião dentro do corpo de Cristo.  

6. Há um só batismo. Na Igreja cristã só há uma porta de acesso. Por esta razão o batismo constituí-se antes de mais nada uma pública profissão de fé. Havia uma só maneira de arrolar-se no exército romano: o juramento de fidelidade ao imperador e ao rei. Assim também há um só caminho para  ingressar na Igreja cristã: a profissão pública de fé em Jesus Cristo. 

É interessante também observar que a expressão “um só batismo” está sob este título: “um só Senhor”. Esse é o tema do apóstolo neste ponto. Ele estivera falando sobre “um só corpo”, e no versículo 15 nos dirá que Cristo é a cabeça deste “um só corpo”. Portanto, há que se pensar que a interpretação deste “um só batismo” é uma referência ao nosso batismo em Cristo, pois somos incorporados nele, somos batizados nele, estamos “em Cristo”. É exatamente o mesmo ensino que se acha em Romanos 6:3-5: Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição.

7. Há um só Deus e Pai de todos. Notem outra referência às três Pessoas da Triunidade nestes versículos. Deus é uma Triunidade na Unidade. Além disso, observe a repetição de Paulo da palavra “todos” (quatro vezes), cada vez que se refere a todos os cristãos em toda a humanidade! Há uma só família cristã, que abrange a todos (v. 6), porque há um só Deus e Pai... o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos. Alguns manuscritos dizem “em todos vós”, o que esclarece que os “todos” dos quais Deus é Pai são “todos os cristãos”, e não “todas as pessoas” sem discriminação, nem “todas as coisas” (o universo). Robinson chama este acréscimo da palavra “vós” de “uma glosa tímida”.  Talvez seja; e certamente a maioria esmagadora da evidência dos manuscritos a omite. Mesmo assim, é uma glosa correta. Porque os “todos” sobre, por meio de e em quem Deus é Pai, são sua família ou casa, seus filhos redimidos. 

Deus tem uma família que é celebrada pela fé em Cristo. Deus não faz acepção de sua família, pois ele é o Pai de todos aqueles que creem em seu Filho, tanto judeus como gregos, e o reconhecimento desta verdade deve ajudar na preservação da unidade familiar.

Finalmente, é possível repetir todas essas afirmações na ordem correta em que as pessoas da Triunidade normalmente são mencionadas. Primeiro, o único Pai cria a única família. Em segundo lugar, o único Senhor Jesus cria a única fé, a única esperança e o único batismo. Em terceiro lugar, o único Espírito cria o único corpo. Podemos, na realidade, ir além. Devemos afirmar que só pode haver uma única família cristã, uma só fé, uma só esperança e um só batismo cristãos, e um só corpo cristão, porque há um só Pai, Filho e Espírito Santo. A unidade da igreja é tão indestrutível quanto a unidade do próprio Deus. Dividir a igreja é tão absurdo como dividir Deus. 

 

A CONCESSÃO DOS DONS

O Apóstolo Paulo, na sequência, aborda a concessão dos dons espirituais. Não iremos nos deter profundamente neste assunto, tendo em vista que já o estudamos na edição 192, quarto trimestre de 2014, dos Estudos Bíblicos para Escola Sabatina.

Nos versos 8 a 16 de nosso texto de estudo, Paulo passa dos elementos comuns a todos os cristãos para a diversidade entre os cristãos. Trata da variedade e da individualidade dentro da unidade do Espírito. Deus concede a cada cristão pelo menos um dom espiritual (1 Coríntios 12:1-12), que deve ser usado para unir e edificar o corpo de Cristo. 

Os cristãos não devem viver isolados, pois, afinal de contas, são membros do mesmo corpo. Paulo ensina que os dons são concedidos por Cristo por meio do Espírito Santo (Efésios 4:8-10). Cristo subiu ao céu vitorioso para sempre. Vemos aqui a imagem de um conquistador militar levando seus cativos e dividindo os espólios com seus seguidores. Neste caso, porém, os "cativos" não são seus inimigos, mas sim os que lhe pertencem. Os pecadores eram prisioneiros do pecado, mas Satanás foi levado cativo por Cristo. Até mesmo a morte é um inimigo derrotado! Quando veio à Terra, Cristo experimentou as mais profundas humilhações (Filipenses 2:5-11), mas quando subiu ao céu, experimentou a mais elevada exaltação possível. Paulo cita o Salmos 68:18 aplicando a Jesus Cristo um cântico de vitória escrito por Davi (Efésios 4:8). O Novo Testamento apresenta três listas de dons espirituais (1Cor 12:4-11, 27-31; Romanos 12:3-8; Efésios 4:11). Uma vez que essas listas não são idênticas, é possível que Paulo não tenha citado todos os dons que se encontram disponíveis. De acordo com o apóstolo, alguns dons são mais importantes do que outros, mas todos os cristãos são necessários para que o corpo possa funcionar normalmente (1 Coríntios 14:5 39). Paulo não cita propriamente os "dons", mas sim os quatro grupos de pessoas que os possuem e que Deus colocou na igreja. 

 

O CRESCIMENTO DA UNIDADE

Na última seção de nosso texto de estudo, Paulo olha para a Igreja em dois níveis. Vê o corpo de Cristo constituído de verdadeiros cristãos crescendo gradualmente até atingir a maturidade espiritual, "à medida da estatura da plenitude de Cristo". Mas também vê a congregação local de cristãos ministrando uns aos outros, crescendo juntos e, desse modo, experimentando unidade espiritual.

A primeira evidência de crescimento espiritual é a semelhança a Cristo. Nossa meta é o crescimento espiritual. Cristo é nossa vida, nosso exemplo, nossa meta e nossa força. Devemos imitá-lo e chegar à plenitude da sua estatura. A igreja impõe aos seus membros nada menos que a meta da perfeição. Precisamos ser um reflexo do próprio Cristo, pois ele vive em nós. 

A segunda evidência é a estabilidade. O cristão maduro não segue as novidades religiosas que surgem a cada dia. Um crente maduro não é jogado de um lado para o outro pelas novidades espirituais que surgem no mercado da fé. Há crentes que vivem embarcando em todas as ondas de novidades heterodoxas que assaltam a igreja e jamais se firmam na verdade. Vivem atrás de experiências e não têm discernimento para identificar os falsos ensinos. Os modismos vêm e vão. As novidades religiosas são como goma de mascar, perdem logo o doce, e as pessoas começam a mastigar borracha e, logo, precisam de outra novidade.  Os charlatões também estão presentes nos meios evangélicos, e seu objetivo é raptar os filhos de Deus e levá-los para suas seitas, mas o cristão maduro reconhece as falsas doutrinas e se mantém afastado delas. 

A terceira evidência de maturidade é a verdade combinada com o amor: "seguindo a verdade em amor" (Efésios 4:15). Alguém disse bem que verdade sem amor é brutalidade, mas amor sem verdade é hipocrisia. Há quem pense que, se amamos alguém, devemos proteger essa pessoa da verdade para não magoá-la. Uma das marcas da maturidade é a capacidade de compartilhar a verdade com os irmãos e irmãs em Cristo e fazê-lo em amor.  "Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos" (Provérbios 27:6). 

Outra evidência de maturidade é a cooperação (Efésios 4:16). Sabemos que, como membros de um só corpo e de uma congregação local, pertencemos uns aos outros, influenciamos uns aos outros e precisamos uns dos outros. Cada cristão, por mais insignificante que pareça ser, tem um ministério a realizar junto a outros cristãos. O corpo cresce quando os indivíduos crescem, e os indivíduos crescem quando se alimentam da Palavra e ministram uns aos outros. O amor é o sistema circulatório do corpo. De acordo com pesquisas científicas, os bebês que não recebem carinho não crescem normalmente e são mais susceptíveis a doenças, enquanto os bebês que são amados e recebem carinho crescem normalmente e são mais fortes. O mesmo se aplica aos filhos de Deus. Um cristão isolado não pode ministrar a outros nem ser ministrado por eles por meio dos dons.

 

CONCLUSÃO

Temos aqui a visão de Paulo para a igreja. A igreja deve demonstrar amor, unidade, diversidade e maturidade sempre crescente. Essas são as características de uma vida digna da vocação do nosso chamado.  Não se pode fazer coisa melhor do que mencionar o famoso epigrama atribuído a um certo Rupert Meldenius e citado por Richard Baxter: “Em coisas essenciais, unidade; nas não-essenciais, liberdade; em todas as coisas, amor.” 

Assim, a unidade espiritual não é algo que criamos. Antes, é algo que já possuímos em Cristo, que devemos proteger e manter. A verdade une, mas as mentiras dividem. O amo une, mas o egoísmo divide. Assim, "seguindo a verdade em amor", preparemos e edifiquemos uns aos outros, para que todos possamos crescer e nos tornar mais semelhantes a Cristo.