Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas.

Mateus 18:35 

INTRODUÇÃO


   Quando Jesus disse, isto é o meu sangue da nova aliança, que é derramado em favor de muitos, para o perdão de pecado (Mateus 26:28), não apenas descreve o cálice da comunhão com um testamento do Seu sangue. Ele também nos direciona a entender a natureza do perdão dos pecados, feito por Deus. Perdão envolve a remissão de uma dívida; colocá-la de lado, como se tivesse sido plenamente paga por alguém que não pode pagar.
   Outra afirmação de Jesus sobre perdão está no Pai Nosso: 
perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores. (Mateus 6:12) É claro que não há comparação entre o perdão divino e o humano. Nosso Mestre, nessas palavras, ensina sobre a impossibilidade de perdão da parte das pessoas que não perdoam, como deixou claro a parábola do Credor Incompassivo, tema desta lição.

   A proposta será analisar alguns elementos culturais que sirvam de base para compreendermos quais ensinamentos Jesus quis nos passar. Posteriormente, faremos a análise teológica do texto a fim de extrair aplicações para o crescimento de nossa vida espiritual.


CONTEXTO HISTÓRICO


   O perdão ao semelhante era um dever previsto na Lei, explicitado nos Profetas e, costumeiramente, praticado pela tradição judaica. Pedro tinha esse conhecimento; porém, o questionamento central era: quantas vezes devemos perdoar? Há limite, afinal?
   Pedro tinha o entendimento de que sete vezes era suficiente. A resposta de Jesus deve ter sido surpreendente para os apóstolos:
Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. Isso é a perfeição vezes a perfeição, vezes a perfeição! Há a ideia do infinito, relacionando à grandiosa misericórdia de Deus, que não pode ser medida. Esse é o padrão de misericórdia que devemos ter quanto ao próximo. A Parábola do Servo Incompressível insere-se neste aspecto: o questionamento de Pedro sobre o perdão ao próximo.


A PARÁBOLA


   Jesus contou o procedimento de um rei para com os oficiais que administravam os negócios de seu domínio. Alguns recebiam grandes somas de dinheiro pertencentes ao Estado. E, quando o rei investigava a administração desse depósito, foi-lhe apresentado um homem cuja conta mostrava uma dívida para com seu senhor, na imensa soma de 10 mil talentos.
   A dívida era impossível de ser paga e, segundo o costume, o rei ordenou que o servo fosse vendido com tudo quanto tinha (família, imóveis e escravos), para que se fizesse o pagamento. Apavorado, o homem prostrou-se aos pés do governante e suplicou-lhe, dizendo:
Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei”. Então, o rei, movido pela compaixão, soltou-o e perdoou-lhe toda a dívida.
   Ao sair da presença do rei, aquele servo encontrou um conservo que lhe devia 100 denários. Sufocando-o, disse: Paga-me o que me deves”. Então, o companheiro, prostrando-se aos seus pés, rogou-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo pagarei”. Ele, no entanto, não perdoou e mandou seu conservo à prisão, até que pagasse a dívida. Conservos que viram toda a cena foram contar ao rei o que se passara. Então, o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: “Servo malvado, perdoai-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor entregou-o aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia”.
   Em suma, a história ilustra o perdão de Deus, a necessidade de os homens perdoarem em função de Deus nos perdoar e a advertência do juízo divino sobre aqueles que se negarem a perdoar. Ao mesmo tempo, deve-se ter cuidado de tratar o rei em retrato de Deus; e, não, apenas como uma analogia a Deus
. Vejamos, mais cuidadosamente, alguns aspectos dos elementos que ilustram a parábola.


ELEMENTOS CULTURAIS


   Os servos ou escravos citados por Jesus estão na posição de administradores dos bens dos seus senhores; não se encontram em estado muito inferior na escala social. No contexto da Palestina no primeiro século, havia encarceramento de famílias por conta de dívidas e a tortura dos devedores nas mãos de vários opressores.
   O “talento” é uma medida de peso em ouro, prata ou cobre. Dez mil talentos representariam por volta de 270 toneladas de metal. Um talento era equivalente a cerca de 6.000 denários. Para um trabalhador comum quitar a dívida, necessitaria de 164 mil anos! Ou seja, impossível para aquele servo pagar a dívida com o rei!


JESUS PAGOU NOSSA DÍVIDA


   O rei da parábola é representação de Cristo, que anulou todas as nossas dívidas com Deus. A esse ato chamamos de redenção, que pode ser definida como o preço pago para resgatar algo que estava em penhor; o dinheiro pago para resgatar prisioneiros de guerra, e o dinheiro para comprar a liberdade de um escravo.
   Em Marcos 10:45 o evangelista afirma: “
Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Cristo, com Sua morte, pagou o preço e obteve a nossa libertação da escravidão do pecado, da morte do diabo. Sua obra não apenas transformou nosso ser, mas nos transferiu do senhorio do pecado para o senhorio de Deus, como afirmou Paulo: ...cancelou o escrito da dívida que era contra nós e despojou principados e potestades, triunfando dele na cruz (Colossenses 2:13-15, NVI). “Ele nos libertou do império das trevas”. (Cl.1.13, NVI) Cristo rompeu as cadeias que amarram o pecador ao diabo. Nesse sentido, não há mais penalidade pelos pecados; quando Cristo morreu, ele pagou com a sua morte a pena em nosso lugar.


“PERDOA NOSSAS DÍVIDAS ASSIM COMO PERDOAMOS A QUEM NOS DEVE”


   Philip Yancey, jornalista e escritor cristão americano, afirmou que “...ser cristão é perdoar o imperdoável nos outros, pois Deus perdoou o imperdoável em nós”. Perdoar uns aos outros é um mandamento de cada cristão, pois fomos perdoados por Deus.
   Ao receber o perdão divino, transformamo-nos em canal do perdão. Não existe uma pessoa salva que não tenha sido perdoada. Temos uma certeza: na Nova Jerusalém só entrarão os perdoados. Diante desses pressupostos, é impossível ser um cristão sem exercitar o perdão.
   A ausência do perdão causa males sem precedentes. As Escrituras estão recheadas de exemplos do perigo devastador da mágoa dentro da família e da Igreja. Podemos citar Caim e Abel; José e seus irmãos; Absalão e Amnon, etc. Todos retratam essa triste realidade. Há pessoas que não conseguem avançar em sua vida profissional ou relacional por conta de desavenças passadas. Outras estão prisioneiras por causa de traumas ou abusos sofridos na infância. O perdão tem caráter libertador e terapêutico para todos esses conflitos e ressentimentos. Ele
promove reconciliação em situações em que a indiferença quebrou o relacionamento. Perdoar ao próximo é expressar o triunfo da graça em nossas vidas.
   Não podemos nos aproximar de Deus com o coração cheio de ira. A reconciliação deve preceder a adoração. Para o judeu, a oferta levada ao templo era um pedido de perdão. O animal sacrificado e aspergido sobre o altar era promessa que o ofertante seria perdoado. Jesus enfatizou que o melhor lugar para lembrarmos uma ofensa é no altar. No altar de adoração, é o momento de fazer um exame de consciência e lembrar que Jesus concedeu-nos perdão, reconciliou-nos com Deus. O altar fala-nos da graça e da misericórdia divinas e direciona-nos a praticar o perdão com o próximo.


A MISERICÓRDIA É UMA MARCA DO MINISTÉRIO DE CRISTO


   Misericórdia divina pode ser definida como a bondade ou o amor de Deus, demonstrado para com os que se acham na miséria ou na desgraça, independentemente de seus méritos78. Em função dela, Deus é compassivo e está pronto para aliviar dor ou desgraça. Os poetas de Israel exaltaram a misericórdia do Senhor: O Salmos 136 afirma que as ternas misericórdias de Deus estão sobre todas as suas obras. Em Esdras, encontramos: Com louvor e ações de graças, cantaram responsivamente ao Senhor: Ele é bom; seu amor a Israel dura para sempre. E todo o povo louvou ao Senhor em alta voz, pois haviam sido lançados os alicerces do templo do Senhor.” (Ed 3:11, NVI).
   A misericórdia vai além do perdão, estendendo-se aos males feitos pela falta de compaixão pelas pessoas que se
encontram em situação desesperadora. Klyne Snodgrass questionou se haveria um testemunho melhor para o Reino do que a libertação das dívidas opressoras por parte de quem poderia proporcionar esse perdão. O autor respondeu: a 
misericórdia do Reino é evidente quando as pessoas são salvas de situações desesperadoras, tanto no âmbito econômico como nas demais áreas da vida.
   Os servos de Deus devem sempre contemplar e refletir sobre as misericórdias do Pai. Elas são fonte de alegria, serenidade e paz. É o último e soberano ato pelo qual Deus vem ao nosso encontro.


O JUÍZO DE DEUS É IMPARCIAL


   O apóstolo Paulo, em carta aos romanos, afirmou que o julgamento de Deus será justo e imparcial. (Romanos 2:9-11) Todos que pecaram perecerão ou serão julgados, indiferentemente de serem judeus ou gentios. Ou seja, quer tenham a lei mosaica, quer não. Não haverá dois pesos e medidas – Deus será absolutamente justo no julgamento. Ao mesmo tempo, temos de ter a consciência de que, quanto maior o nosso conhecimento moral, maior será a responsabilidade diante do juízo.
   A partir desses pressupostos, Paulo apresentou três verdades sobre o Dia do Juízo, “
o dia da ira de Deus”, descrito em Romanos 2:16:
   1) O juízo de Deus abrangerá as áreas ocultas de nossa vida: Deus julgará os segredos dos homens. Ele conhece nossos corações. E, no Dia do Juízo, todos os fatos de nossa vida virão a público, inclusive as nossas motivações mais ocultas. Nesse sentido, não há possibilidade de que a justiça não seja aplicada.
    2) O juízo de Deus será realizado mediante a Cristo. O próprio Jesus disse que o Pai lhe havia confiado “todo o
julgamento”. E isso é um grande conforto, pois o nosso juiz não será outro, senão o Salvador.
   3)
O juízo de Deus é parte integrante do Evangelho. A boa-nova da salvação brilha quando vista em contraste com o contexto sombrio do juízo divino. Quando o Evangelho é retratado como algo que liberta da tristeza, da culpa e de outras necessidades pessoais, não apresentamos a Palavra de Deus como uma força que nos liberta da ira vindoura.
   A parábola do Credor Incompassível faz-nos refletir sobre a Justiça de Deus sobre a humanidade. É dever de cada cristão 
pregar sobre o juízo eminente. Alguns minimizam a ira divina para magnificar seu amor. No entanto, omiti-la é obscurecer o seu maravilhoso amor. No fundo, observa-se ausência de misericórdia quando ocultamos a declaração da vingança divina; pois, como argumentou A.W. Pink, “A ira de Deus é santidade de Deus incitada a agir contra o pecado”. Por isso, não podemos nos deixar de advertir os descrentes desse terrível dia vindouro. Precisamos exortá-los a correrem para Cristo, o único que é poderoso para salvar.


ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA


   Essa análise sobre amor, misericórdia e juízo de Deus, como se pode perceber, não foi teologizada a partir da parábola, mas pelo estudo de todo o contexto bíblico. Assim, como reflexão final, devem-se evitar as tentativas de descobrir significados em detalhes como o relato dos demais servos, ou a menção dos torturadores, pois violam o caráter das parábolas, ou não se enquadram nos ensinamentos de Jesus. Exemplificando, o segundo servo, aquele não perdoado pela pequena dívida, foi esquecido na prisão, pois seu destino não faz parte dos objetivos da narrativa. Outro exemplo: Deus não tem torturadores, nem precisa de pessoas que o informem a respeito de falhas do seu povo. Em suma, as parábolas são analogias; e, não, retratos fiéis da realidade.


CONCLUSÃO


   A intenção da parábola é mostrar que o ato inicial de misericórdia e perdão, exercido por Deus, deveria ser estendido as outras pessoas por nosso intermédio. Não haverá utilidade se tivermos o conhecimento teórico sobre o assunto estudado e não o aplicarmos no cotidiano. As lições não terão os objetivos cumpridos se não servirem de canal de reflexão à mudança de direcionamento de nossas vidas.
   O texto que narra a história do credor Incompassivo informa-nos que Deus perdoou-nos, e que esse perdão deve direcionar os nossos relacionamentos. A misericórdia do Senhor e o juízo de Deus, elementos intimamente ligados, são exaltados na história narrada por Jesus. 


QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE


1. Descreva, resumidamente, o enredo e caracterize os personagens dessa parábola analisada.
R.


2. De acordo com o contexto de Mateus 18 o que levou Jesus a contar o Credor Incompassivo?
R.


3. Quais ensinamentos diretos a parábola demonstra sobre o Reino de Deus?
R.


4. Reflita sobre os seus sentimentos acerca do perdão divino e quanto à vida eterna que Deus proporcionou-nos, gratuitamente. Somos merecedores dessas dádivas? Como isso interfere nos relacionamentos cotidianos?
R.


5. Discuta com o grupo sobre o significado da quantidade diária de perdão que Jesus exige de nós quanto ao próximo: 70 vezes sete.
R.


6. Reflita com o grupo acerca de questões cotidianas e simplistas sobre o perdão humano. Exemplos: “Como perdoar a quem não aceita meu perdão?”, “Eu perdoo, mas cada um para o seu lado!”. Levante outros questionamentos.
R.

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