Texto de Estudo

 

Marcos 3:13-15:

13 E subiu ao monte, e chamou para si os que ele quis; e vieram a ele. 14 E nomeou doze para que estivessem com ele e os mandasse a pregar, 15 E para que tivessem o poder de curar as enfermidades e expulsar os demônios:

 

INTRODUÇÃO

            Olhar para a formação da Igreja sob a ótica de Jesus permite-nos entender o processo de escolha, preparo e envio dos que, no início, fizeram parte do que chamamos de base apostólica. Foram os que lançaram os fundamentos doutrinários e levaram o evangelho para além de suas fronteiras culturais e geográficas.

Olhar com atenção o método que Jesus trabalhou ajuda-nos a avaliar nossos métodos e prever os resultados, pois o Mestre usou técnicas que não serão superadas uma vez que, em todos os processos, ele focou o ser humano como “objeto” a ser trabalhado.

A presente lição não se propõe a explorar todo o assunto; no geral, veremos algumas lições de como Jesus conseguiu fazer de homens falhos e simples a mais eficiente equipe de todos os tempos.

 

CHAMADO

 

            Jesus separou 12 homens para “estarem com ele”. Eles foram chamados a uma comunhão mais próxima; não no sentido de serem “melhores”, mas podendo assumir maiores responsabilidades. O trabalho dos 12 seguia a seguinte ordem: comunhão, serviço e autoridade (pregar, curar, expulsar demônios).No relato de Lucas 6:12-16, Jesus dirige-se a um monte, no qual passou a noite em oração, e, no amanhecer, fez a escolha dos homens. O que se observa, tanto neste texto como em Marcos 3:15-19, é que Jesus estava cercado por uma multidão, pois havia muitos outros discípulos, e foi dentre esses que os 12 foram escolhidos. Tal seleção teve uma finalidade tríplice.

            Primeiramente, eles foram chamados a “estar com ele”(Marcos 3:14). Até aquele momento, aqueles discípulos estavam com Jesus de forma mais ampla; eram seus seguidores tal como os demais. Contudo, depois, foram trazidos para perto dele, em uma relação mais restrita. Foram formalmente chamados; ou, de maneira mais enfática, ele “os fez”, ou seja, fez deles um grupo coeso, fechado, completo. Eis a fase inicial de sua missão: o recrutamento. Os 12 seriam colocados lado a lado com Jesus, andariam com ele, passariam a maior parte do tempo com Jesus, receberiam instruções mais específicas relativas à sua obra, fariam parte do círculo íntimo do Mestre. O fato é que deveriam estar com ele; constantemente, em privado e em público; ouvir todos os seus discursos e ver os milagres para que pudessem ser treinados e equipados à grande obra para a qual Jesus os havia escolhido.

A primeira fase pode ser perfeitamente entendida como um chamado à comunhão, no sentido mais profundo da palavra, pois os alunos seriam imersos nos assuntos do Pai (João 15:15). Após terem sido nomeados, eles não se apartaram de Jesus, a não ser por sua ordem expressa.

            Em segundo lugar, ele os chamou com o propósito de enviá-los(Marcos 13:14). O texto grego pode ser melhor traduzido como “a estes, ele fez apóstolos”, no sentido de terem sido “nomeados”, “designados” por ele. No presente contexto, “apóstolo” tem o sentido de alguém que foi “nomeado” (delegado) para ser portador de uma mensagem, e foi basicamente essa a função dos apóstolos, no primeiro século d.C. E foram os responsáveis diretos pela proclamação da mensagem do evangelho, tanto que a palavra usada em Marcos 13:14 para “anunciar” tem o sentido de “proclamação”, dando a ideia de dizer, em voz audível, anunciar uma mensagem em público com convicção e persuasão.

            A terceira finalidade envolvida é que receberam autoridade para executaram sua missão (Marcos 3:15).  A palavra “autoridade”, neste texto, tem o significado básico de exercer poder, ter influência. Refere-se à autoridade que Deus concede a seus santos, pois são autorizados a agirem em nome dele, como seus representantes. Foi nesse sentido que os apóstolos receberam autoridade da parte de Jesus, pois não lhes era inerente, não vinha da capacidade deles, mas fora lhes dada da parte de Deus para realizarem a obra para a qual Jesus mesmo os havia designado. Os apóstolos receberam poder para atuarem em três áreas bem específicas:

            a) Autoridade sobre os demônios (Marcos 3:15). Em todos os tempos, inclusive hoje, satanás levanta-se contra a Igreja, querendo destruí-la. Não seria diferente com os discípulos. Os demônios são seres malignos que atuam no mundo espiritual, em oposição a Deus. Dentre outras atividades, exercem influência sobre as pessoas, podendo até mesmo se apossar delas. Há alguns casos em que os apóstolos tiveram que expulsar o demônio como, por exemplo, em Atos dos Apóstolos 5:16 8:7, 16:16-18.

            b) Autoridade para curarem doenças (Mateus 10:1). As curas tiveram grande impacto no ministério de Jesus. Por aquele tempo, não havia se levantado Mestre algum que houvesse feito tantos sinais miraculosos como Jesus. (João 3:2) E estes acompanharam seus discípulos. O poder de curar enfermos era a marca de Jesus nos discípulos; era o selo de autenticidade que comprovava que aqueles homens eram discípulos do grande Mestre.

            c) Autoridade em relação à proclamação do evangelho. O texto de Marcos 3:14 enfatiza esse ponto ao afirmar que os 12 foram designados para pregarem o evangelho. Essa proclamação parece ter sido a maior preocupação de Jesus, pois, em suas viagens, ele dedicou a maior parte do tempo nesse item. Nos relatos em que os apóstolos são comissionados à autoridade para expulsar demônio e curar enfermos, há sempre conexão com a pregação. Pode-se dizer que a pregação do evangelho desencadeava as demais manifestações miraculosas. A pregação sempre foi a parte vital da obra de Cristo; é por meio dela que a mensagem do evangelho alcança seu objetivo de proclamação da morte e ressurreição de Jesus, anunciando o perdão dos pecados (Lucas 24:45-48). O erro de muitos grupos religiosos de confissão cristã da atualidade talvez seja exatamente esse: enfatizarem mais as curas e a exclusão de demônios do que a proclamação do evangelho.

 

CONVÍVIO

            O convívio é parte integrante em um processo de aprendizado. Jesus procurou dedicar maior parte do ministério ao convívio com aqueles que seriam por ele enviados. Algumas lições foram ensinadas durante esse tempo.

            Primeiramente, os apóstolos ganharam notoriedade.Ao estarem com Jesus, aqueles homens tornaram-se conhecidos. Alguns eram praticamente anônimos, não faziam parte da classe média, tampouco da classe religiosa ou sacerdotal; todavia, em companhia de Jesus, logo se fizeram conhecidos, e a ponto de serem procurados para resolverem assuntos pertinentes ao ministério (Mateus 17:15-16). Eram vistos como seus discípulos (Marcos 7:5); e foram reconhecidos por andarem com o Mestre. Aos poucos, imitaram sua maneira de viver e era natural que se identificassem com ele. Aliás, era esse o objetivo de Jesus aos chamá-los “para estarem com ele”.

            Outroresultado foi o treinamento pessoal.Jesus inseriu os apóstolos em seu ministério, e eles fizeram parte dele. Além dos momentos que passavam a sós, em aprendizado (Marcos 4:10; Lucas 11:1-2), também foram inseridos no trabalho propriamente dito, como na multiplicação dos pães e peixes (Marcos 8:1-9; João 6:5-13), ao serem enviados a comprar comida (João 4:7-8)... Igualmente eram responsáveis por realizarem os batismos (João 4:1-2). Estiveram com Jesus em uma relação de comunhão e responsabilidade e, assim, foram moldados por ele. O mais importante aspecto do treinamento foi a associação pessoal dos 12 com Jesus. Assim, aprenderem com o exemplo de Jesus, com suas instruções e com as atividades práticas. Nenhum grupo de Mestre teve melhor treinamento do que eles[1].

            Em terceiro lugar, os 12 tiveram seu caráter transformado.Os que Jesus escolheu para estarem com ele, distaciavam-se bastante de serem perfeitos. Todos tinham suas deficiências de caráter, expunham pecados graves - como o ódio, o preconceito, o legalismo, a avareza. Até mesmo o que se mostrava mais firme e resoluto entre eles dispôs-se de uma espada e tentou cometer um assassinato por ocasião da prisão de Jesus (João 18:10-11). O Mestre gastou parte do tempo ensinando os valores do reino de Deus, como apresentado no “Sermão do Monte” (Mateus 5). Ensinou sobre adoração, perdão, misericórdia, amor ao próximo, tolerância, como lidar com a riqueza, a humildade e conseguiu levá-los a crer na mensagem do evangelho para que esta fizesse a mudança necessária em suas convicções. Assim, a transformação daqueles homens viria de dentro para fora. Ele recrutou homens pecadores, imperfeitos e imaturos e, em aproximadamente três anos, todos estavam transformados!

Lógico que o processo durou enquanto viveram, mas fora desencadeado pelo contato diário com o Mestre. O fator determinante dessas transformações foi o exemplo próprio de Jesus; ele mostrou-lhes como deveriam orar, como poderiam vencer a tentação, como teriam de lidar com os adversários, como iriam representar a verdade... Jesus pregou sobre o perdão e, quando uma mulher foi pega em adultério,, ele pôs em prática esse ensinamento ao agir com ela. Ensinou que devemos amar nossos inimigos e exemplificou, na cruz, ao clamar: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”[2] (Lucas 23:34).

 

ENVIO

            Na terceira etapa do preparo dos apóstolos Jesus enviou-os a realizarem sua tarefa. O texto de Mateus 10:5-42 pode ser divido em três partes principais, como seguem.

            A primeira (Mateus 10:5-15) contém orientações gerais para uma missão de curta duração, que dizia respeito aos lugares a que eram para ir (vs.5-6), a mensagem que deveriam pregar (v.7), as obras que deveriam fazer (v.8), a maneira que deveriam se portar diante das questões materiais e da hospedagem (vs.11-13). Também havia orientações quanto a reagirem diante da rejeição (vs.14-15). Nessa parte das instruções de Jesus, fica mais evidente que o foco é os 12 e que a missão dos mesmos era rápida e restrita a Israel, pela natureza do discurso e pelo conteúdo da mensagem pregada.

            A segunda parte (Mateus 10:16-23) contém instruções que não se restringiam àquele momento em que os apóstolos foram enviados, mas poderia ser aplicada a um contexto mais amplo, e pôde ser visto nos relatos de Atos dos Apóstolos, em vários momentos de perseguição por parte de autoridades religiosas e civis. As recomendações foram sobre prudência (astúcia),mansidão, equilíbrio entre os de fora (v.16), confiança na providência divina em meio à perseguição (vs.17-20), exortação sobre a hostilidade parental e como agirem em tais circunstâncias (vs.21-23).

            A terceira parte (Mateus 10:24-42) é de aplicação mais ampla ainda, atingindo o ministério do Evangelho em todos os tempos e ao serviço de Cristo. As orientações estenderam-se a todos os cristãos, em qualquer época e lugar. Embora nem todos passem por martírio ou perseguição, todos devem encontrar consolo e forças nessa parte do ensino do Mestre. Em resumo, pode-se dizer que os discípulos de Cristo não precisam ter medo, pois são portadores da Verdade; devem crer que a morte não é o fim, por isso não deve ser temida; devem confiar que Deus traz providência sobre as pequenas e grandes causas e terem a certeza de que as dificuldades do discipulado produzem, na eternidade, um peso de glória.

            Assim, pode-se afirmar que Jesus seguiu a seguinte ordem no processo de formação do grupo apostólico: chamado, convívio e envio. Esse grupo, juntamente a outros discípulos que seguiam Jesus (Lucas 10:1-12), formou a base do preparo e envio de ministros; não só naquele tempo, mas para os dias de hoje.

 

 

CONCLUSÃO

            A Igreja é um organismo vivo e que continua em expansão. Enquanto desenvolve-se se faz necessário rever sua história e buscar, em sua origem, a solução para problemas atuais, que há dois mil anos não existiam, ou não se apresentavam tão relevantes. As respostas a tais questões serão encontradas nos princípios aplicados por Jesus quando se propôs a fazer de homens falhos os baluartes da verdade; de homens fracos, os mais invencíveis de todos; de homens pobres e insignificantes, os portadores do mais enriquecedor ensino que o mundo contemplou. E ainda contempla!

Voltemos, então, ao princípio básico do aprendizado da vida cristã, quando o aluno tem seu caráter forjado na presença do Mestre. Isso demandou tempo com Jesus, disposição para ouvi-lo e aprender com ele, ter comunhão com ele e adentrar aos segredos do coração do Pai. Apenas isso nos conduzirá de volta ao verdadeiro cristianismo, no qual os homens não poderão dizer outra coisa, a não ser “de fato eles estiveram com Jesus!”.