Texto de Estudo

Êx 20.16

 

INTRODUÇÃO

Um comentário maldoso e mentiroso pode trazer danos irreparáveis. Atualmente, com o advento das redes sociais, boatos e calúnias espalham-se com uma velocidade muito rápida, e algumas pessoas já cometeram suicídio depois de terem sido vítimas de calúnia e difamação, em tais redes. 

No Antigo Testamento, a lei determinava que quem cometesse tal delito, o falso testemunho, devia pagar com a própria vida. A violação do nono mandamento é um atentado contra o próximo e contra o Criador. É um pecado grave na lei divina e um crime na lei dos homens; porém, muitos não percebem isso. No estudo de hoje, iremos abordar a abrangência e o objetivo deste mandamento, bem como as implicações em não lhe obedecer. Cavemos um pouco mais fundo, e que o Espírito Santo de Deus conduza-nos em mais um estudo.

 

O MANDAMENTO

A proibição primária desse mandamento diz respeito a uma declaração falsa num processo legal. O verbo "dizer", em "Não dirás falso testemunho contra o teu próximo" (Êx 20:16; Deuteronômio 5:20), no Antigo Testamento, em hebraico, é “ãnãh”. Significa ‘responder’, ‘testemunhar’, ‘falar’. Foi usado também em processos jurídicos, tanto nos tribunais humanos (Deuteronômio 19:16) como no divino (Isaías 3:9; 59:12).  No texto em questão, o verbo diz respeito aos interrogatórios feitos na corte. 

Falso testemunho. O termo hebraico ed, “testemunho”, emedshaw, literalmente, "testemunho vão" (Deuteronômio 5:20), ou edshaqer, “falso testemunho” (Êx 20:16), relaciona-se a uma mentira, a uma declaração, conscientemente, falsa. O termo hebraico shaw, “vão, inutilmente, à toa”, indica algo sem valor, irreal nos aspectos material e moral. Trata-se de alguém que fala em vão, sem fundamento, que faz acusação sem validade e sem consistência; portanto, falso. A tradução de Deuteronômio 5:20 na Septuaginta, acrescentou: “com testemunho falso”, assim: "Não testemunharás falsamente contra o teu próximo com testemunho falso" .

O próximo. É importante destacar que é a primeira vez que o termo próximo aparece no Decálogo. Em hebraico, rea, indica outra pessoa, vizinho, amigo, parceiro. Sabemos que os israelitas consideravam “seu próximo” apenas os compatriotas, embora essa não fosse uma orientação bíblica. Afinal, no livro de Êxodo, no capítulo 23, lemos várias orientações sobre o nono mandamento: “Se encontrares desgarrado o boi do teu inimigo ou o seu jumento, lho reconduzirás. Se vires prostrado debaixo da sua carga o jumento daquele que te aborrece, não o abandonarás, mas ajudá-lo-ás a erguê-lo” (Êx 23:4-5). E também em Levítico: “Como um natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-ás como a ti mesmo, pois estrangeiros fostes na terra do Egito. Eu sou o SENHOR vosso Deus” (19:34) . 

Logo, a abrangência do amor ao próximo deveria ser estendida ao forasteiro, estrangeiro e até mesmo ao inimigo. Mas, muitos anos após a lei ter sido dada, quando Jesus esteve na terra, ele ainda enfrentou questionamentos, como: “E quem é o meu próximo?” (Lucas 10:29). Jesus deixa claro, na parábola do bom samaritano, que o próximo é qualquer pessoa, independentemente de sua etnia, status, confissão religiosa ou convicções política e filosófica.

 

EXIGÊNCIAS DO NONO MANDAEMNTO

Não era suficiente que o povo de Israel tivesse uma boa lei, melhor do que as de qualquer outra nação. Os israelitas deveriam tomar o cuidado de realizar a devida administração da justiça, segundo tal lei. Os deveres exigidos neste mandamento podem ser verificados em Êxodo, no capítulo 23.1-7. Tomaremos como base aqui o texto da Nova Versão Internacioanl da Bíblia. 

“Não faça declarações falsas e não seja cúmplice do ímpio, sendo-lhe testemunha mal-intencionada” (v.1). Era dever dos israelitas andar em integridade e ter consideração para com todos os homens; não deviam dar falso testemunho, nem ter qualquer conivência com aqueles que o faziam. 

“Não acompanhe a maioria para fazer o mal. Ao testemunhar num processo, não perverta a justiça para apoiar a maioria, nem para favorecer o pobre num processo” (v.2,3). A Justiça não deveria ser pervertida por atos, nem por palavras, tampouco pela condição financeira .O que é certo deverá, em todos os casos, ocorrer. E o errado deverá ser punido. A Justiça nunca deverá ser corrompida, nem a ofensa permitida, sob nenhum pretexto de caridade ou compaixão. Se um homem pobre for um homem mau, e fizer algo ruim, é tolice ter piedade dele a ponto de permitir que obtenha bons resultados graças à sua pobreza.  O mesmo padrão aplica-se ao versículo seis: "Não perverta o direito dos pobres em seus processos”. O direito à justiça deve ser estendido a todos os homens, independentemente da condição financeira.

"Se você encontrar perdido o boi ou o jumento que pertence ao seu inimigo, leve-o de volta a ele. Se você vir o jumento de alguém que o odeia caído sob o peso de sua carga, não o abandone, procure ajudá-lo”.(v.3,4) Não é só a sua conduta que não deve ser determinada pela opinião pública, pela atitude da multidão, ou pela compaixão para com o pobre. A antipatia pessoal, a inimizade e o ódio também não deveriam levá-lo ao comportamento injusto ou rude.  

 

A PUNIÇÃO PARA A VIOLAÇÃO DO MANDAMENTO

A calúnia e a difamação, independentemente da época e da cultura, só trazem prejuízos à vítima; por isso, existem leis que buscam levar as pessoas a falarem sempre a verdade, principalmente nos tribunais. No Brasil, por exemplo, temos o Código Penal Brasileiro, que reza, no artigo 342: “A pena para quem fizer afirmação falsa ou negar ou calar a verdade como testemunha é de dois a quatro anos mais multa”. 

Sabemos que a lei dos homens não é perfeita, bem diversa da de Deus, pois o salmista afirmou: “A lei do SENHOR é perfeita” (Salmos 19:7). A lei dos homens facilmente é burlada, e não poucas vezes crimes hediondos ficam impunes. Mas qual era a pena para o crime de falso testemunho? A lei era bastante rigorosa com aqueles que apresentassem testemunho falso contra alguém. No livro de Deuteronômio, no capitulo 19, nos versículos 16 a 20, a Bíblia orienta como os juízes deveriam proceder no caso de testemunha falsa. 

O texto diz que deveria haver grande cuidado no julgamento e ser feita uma investigação diligente quanto ao caráter das pessoas, e todas as circunstâncias do caso. Tudo deveria ser comparado para que a verdade pudesse ser descoberta. Quando a investigação fosse realizada de um modo fiel e imparcial, poder-se-ia esperar que a Providência auxiliasse. Se ficasse evidente que um homem tinha, consciente e perversamente, dado falso testemunho contra seu próximo, embora o mal que lhe desejava não tivesse sido realizado, este deveria sofrer a mesma penalidade à qual seu próximo estaria sujeito devido à evidência. Se o crime do qual ele acusasse seu próximo devesse ser punido com a morte, também o homem do falso testemunho deveria ser condenado à morte. Se a punição fosse açoitamento, ele deveria ser açoitado. Se fosse uma multa financeira, ele deveria ser multado também. “Para que os que ficarem o ouçam, e temam” (v. 20). Tais punições exemplares seriam advertências a outros para que não empreendessem uma maldade desse tipo quando vissem como aquele que fizera a cova e escavou-a havia caído nela. 

Podemos perceber a aplicação dessa lei no Velho Testamento, em 1 Reis, no capítulo 21, no relato da vinha de Nabote. O rei Acabe desejava obter a vinha que Nabote havia herdado dos pais. Nabote explicou que não poderia vendê-la, pois se tratava de uma herança. Acabe, então, mostrou-se desgostoso com a situação, e sua esposa, Jezabel, mulher perversa, reuniu duas testemunhas falsas que acusaram Nabote de ter blasfemado contra Deus. Ele, então, é apedrejado e morto. Acabe poderia possuir a vinha do outro; porém, aquele pecado culminou na destruição de seu reinado de perversidade e erros. Antes de falarmos da sentença, é importante destacar que Acabe e Jezabel, somente nessa passagem, transgrediram quatro mandamentos: não somente desobedeceram ao nono, mas também ao décimo, pois cobiçaram a propriedade de outrem. Ademais, o sexto e o oitavo, pois roubaram e mataram Nabote sem esquecer que eram idólatras, transgredindo o primeiro e segundo mandamentos . 

Deus não deixaria impune tantos pecados, ainda mais quando não houve arrependimento. Nesse caso, a lei divina foi aplicada; e a sentença, proferida pelo profeta. A morte de Nabote custou a vida daquele perverso casal. Acabe foi morto na guerra, e Jezabel foi jogada da janela de seu palácio.

É sempre bom lembrar o que o salmista escreveu sobre os mandamentos do Senhor: “Tu repreendeste asperamente os soberbos que são amaldiçoados, que se desviam dos teus mandamentos” (Salmos 119:21), e como afirmou o sábio escritor: “Quem obedece aos mandamentos preserva a sua vida, mas quem despreza os seus caminhos morrerá.” (Provérbios 16:19 NVI)

 

O MANDAMENTO NO NOVO TESTAMENTO

Com relação ao mandamento no Novo Testamento, encontramos ratificações feitas pelo Senhor Jesus: “E Jesus disse: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho”. (Mateus 19:18) E também pelo apóstolo Paulo: “Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás; e se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. (Romanos 13:9)

Um exemplo clássico da transgressão do nono mandamento no Novo Testamento é o caso de Ananias e Safira, que mentiram não só ao próximo, no caso, para Pedro, mas pensaram que enganariam o Espírito Santo. (Atos dos Apóstolos 5:1-9) Ocultar algo do nosso semelhante não é muito difícil, mas e do Senhor, que tudo sabe e tudo vê? No caso do casal mentiroso, a sentença veio de imediato.

No livro de 2 Coríntios 12:20 Paulo falou contra vários pecados que a Igreja estava tolerando. Entre eles, mexeriqueiros que, segundo o Dicionário Bíblico Almeida, significam “Maldizentes; difamador, aquele que fala mal dos outros”. A Igreja não deve tolerar tais pecados, pois os servos de Deus precisam sempre falar bem de seu próximo e buscar a edificação de todos. Tiago também orientou sobre esse assunto, no capítulo um de sua carta, dizendo que a religião deve vir acompanhada de verdades vividas e ditas. 

Quando os homens esforçam-se para parecerem mais religiosos do que realmente são, é sinal de que sua religião é vã. Não refrear a língua, a prontidão para falar das faltas do próximo, ou para diminuir sua sabedoria e piedade são sinais de religião vã. O homem que tem uma língua caluniadora não pode ter um coração verdadeiramente humilde e bondoso.   Devemos praticar o que Paulo disse aos Efésios: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem.” (Efésios 4:29)

 

ABRANGÊNCIA E APLICAÇÃO DO MANDAMENTO

Em tempos em que tudo é relativo, é sempre bom destacar que a lei de Deus não muda: “As obras das suas mãos são verdade e juízo, seguros todos os seus mandamentos. Permanecem firmes para todo o sempre; e são feitos em verdade e retidão.” (Salmos 111:7-8) Os mandamentos foram entregues a Moisés, no Monte Sinai, e serão válidos para todo o sempre. 

O nono mandaemento não se restringe aos tribunais. O contexto mostra que se refere também às palavras que usamos. Trata-se da responsabilidade pessoal de cada um falar a verdade. Essa lei não é somente válida nas cortes de Justiça, embora inclua o perjúrio. Em suas proibições, estão implícitas todas as formas de escândalo e de maledicência, toda a conversação ociosa e charlatanice, todas as mentiras e os exageros deliberados e as meias verdades que distorcem a verdade. 

Assim, proferimos falso testemunho quando aceitamos certos rumores maliciosos e logo os transmitimos, ou quando os usamos para outra pessoa a fim de prejudicá-la, criando impressões falsas, ou ainda ao não corrigirmos afirmações falsas, tanto por nosso silêncio como pelo discurso.Devemos ainda destacar o que Salomão apresentou sobre a falsa testemunha: Estas seis coisas o SENHOR odeia, e a sétima a sua alma abomina: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, o coração que maquina pensamentos perversos, pés que se apressam a correr para o mal, a testemunha falsa que profere mentiras, e o que semeia contendas entre irmãos. (Provérbios 6:16-19)

Deus chamou seu povo para ser testemunha da verdade. (Atos dos Apóstolos 1:8) Sem ela, tudo se desintegra. Quando as pessoas “mentem oficialmente”, os alicerces da sociedade começam a ruir, quer seja uma declaração de um governante, quer seja uma cláusula num contrato, quer seja um depoimento no tribunal, quer seja uma promessa no altar de matrimônio... A verdade não pode ser violada sem causar danos à sociedade. Nas palavras do poeta inglês, John Dryden: “A verdade é o alicerce de todo conhecimento e a argamassa de todas as sociedades.”  

A mentira é, veementemente, condenada na Bíblia, pois bem sabemos quem é seu pai: “Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira”. (João 8:44) Paulo orientou-nos: “Por isso deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros”. (Efésios 4:25) O verbo “deixar”, aqui, tem a mesma conotação do “despojar”. A mentira não é própria da nova vida. A palavra aparece no grego como pseudo, que pode representar qualquer tipo de desonestidade ou falsidade proferida ou vivida. Deixar a mentira implica não só deixar de falar mentiras, mas em deixá-la completamente na conduta do dia a dia, pois há a mentira proferida com a língua e a vivida nas atitudes diárias. Se o apóstolo ordenou o despojamento do “velho homem”, o que significa abandonar todos os hábitos antigos da velha criatura, isso logicamente incluía a mentira.  Em tempo, é válido destacar que os mentirosos não entrarão no reino de Deus. Bastava uma mentira para que Jesus fosse salvo da cruz; bastava ele dizer que não era o filho de Deus, que não havia falado nada daquilo de que fora acusado. Contudo, ele preferiu honrar e cumprir os propósitos do Pai. E nós, temos falado a verdade sempre, custe o que custar?

Pilatos também perguntou a Jesus: “Que é a verdade?”. (João 18:38). Essa resposta é encontrada em muitas passagens da Bíblia; vejamos algumas: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”. (João 1:14) Na última ceia, Jesus declara que ele é a verdade: “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”. (João 14:6

Em um mundo de mentiras, temos a verdade e devemos propagá-la a todo o tempo e em todos os lugares, pois esse é o desejo de Jesus para nós. Na oração sacerdotal, Jesus disse: “Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade”. (João 17:17) Em Apocalipse, ele apresenta-se para a igreja de Laodicéia como a testemunha fiel (Apocalipse 3:14), e fidelidade é o que nosso Deus espera de seus seguidores; além das palavras, nosso testemunho de vida deve ser verdadeiro, nossas atitudes devem refletir aquilo que pregamos. Em nossos dias, um dos grandes empecilhos ao crescimento da Igreja é a falta de testemunho de quem professa a fé. O mundo está cheio de mentiras e, quando aqueles que têm a verdade mentem também, que esperança há para o perdido?

 

CONCLUSÃO

O Nono Mandamento vai além dos tribunais, assim como dar falso testemunho vai além de meras palavras proferidas contra alguém. Jesus é a verdade e chamou-nos para ela. Ele é a testemunha fiel, e nós devemos ser também. Precisamos assumir nosso papel de sal e luz neste mundo, levando sempre a verdade em nossas palavras e em nosso testemunho. “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”. (Filipenses 4:8) Não podemos esquecer que falso testemunho não é somente transpor o falso para o “verdadeiro”, mas também transpor o verdadeiro para o “falso”. Por isso, se professamos o cristianismo, nosso comportamento deve condizer com a nossa doutrina cristã, de forma contrária, a nossa vida não passa de uma mentira, por mais que conheçamos a verdade e nos julguemos detentores dela.