E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito;    

Efésios 5:18 

INTRODUÇÃO

Com o surgimento do movimento pentecostal a partir de 1901 e o notável crescimento das igrejas pentecostais e “carismáticas” a partir da década de 1970, a discussão teológica sobre o papel do Espírito Santo na vida cristã tem se tornado especialmente relevante. Muitos que se intitulam cristãos em nossa época acreditam que uma experiência com o Espírito Santo deve produzir acontecimentos dramáticos, sensacionais e surpreendentes, com o recebimento dos “dons espirituais” (mais comumente o “falar em línguas”). Não há dúvidas de que a vida na presença de Deus, do começo ao fim, é realizada pelo poder do Espírito Santo. Por isso, à luz das Escrituras, é importante questionarmos: o que significa ser “cheio do Espírito Santo”? Nessa lição, estudaremos o que é a plenitude do Espírito Santo, quais as condições necessárias para recebê-la e que efeitos ela produz na vida do crente. Que o “Espírito da verdade” (João 16:13) nos conduza a toda a verdade enquanto refletimos sobre esses assuntos.

 

DEFINIÇÃO

Primeiramente, é importante que saibamos diferenciar o “batismo no Espírito Santo” do “estar cheio do Espírito Santo”. Enquanto o batismo do Espírito insere o cristão no corpo de Cristo, a plenitude do Espírito produz uma vida cristã eficaz. Podemos perceber a diferença entre os dois conceitos no texto de Atos dos Apóstolos 2:1-4. Na festa de Pentecostes, os cristãos foram batizados com o Espírito Santo e, em seguida, o Espírito encheu os crentes, capacitando-os a falar nas línguas de diferentes nações, proclamando a boa-nova de Jesus Cristo. No momento da conversão, o Senhor Jesus batiza os cristãos no Espírito Santo (Romanos 8:9 1 Coríntios 12:13). O enchimento com o Espírito ocorre pela rendição pessoal a Ele, que já habita em nosso coração, permitindo o acesso ao Seu poder e plenitude. A “plenitude do Espírito” significa, portanto, que a vida do cristão possui uma atuação plena do Espírito Santo de Deus, concedendo-lhe entendimento espiritual, direção, santidade e poder para realizar a vontade de Deus. Paulo declarou aos efésios que se mantivessem “cheios do Espírito Santo” como um padrão de vida (Efésios 5:18).

 

CARACTERÍSTICAS

Em sua exortação, Paulo começou afirmando que os efésios não deviam “se embriagar com vinho” (cf. Provérbios 23:31). O cristão deve evitar tudo que possa conduzi-lo ao excesso, à degeneração, ao desperdício e à falta de domínio próprio. Quando o apóstolo deu a ordem contrastante para se encherem do Espírito Santo, ele utilizou os parágrafos seguintes para descrever à Igreja o que significa essa experiência. Não há nenhuma menção à euforia, “super-experiências” carismáticas ou sinais miraculosos. Pelo contrário, esse enchimento com o Espírito envolve amor, submissão, obediência e a busca do melhor para o próximo.Com a utilização do verbo “enchei-vos”, o texto bíblico descreve um processo de enchimento contínuo. O termo grego utilizado é “plērousthe”, uma derivação do verbo “pléroó”, cujo significado é “fazer completo”, “preencher”. Sobre essa forma verbal, John Stott aponta que devemos tirar quatro conclusões.

Primeiramente, o verbo está no imperativo. Essa forma transmite um mandamento, uma ordem autoritária, não uma possibilidade que podemos escolher descartar. Em segundo lugar, está na forma plural. É uma ordem para todos os membros do corpo de Cristo, não o privilégio de apenas uma classe elitista. Em terceiro lugar, está na forma passiva. O sentido transmitido é o de “deixai o Espírito Santo encher-vos”. O essencial é termos uma receptividade a Ele pela fé que nada O impeça de encher-nos. E em quarto lugar, a forma presente do imperativo grego indica um processo continuado no tempo, e não uma ação única. Assim, Paulo não fala de uma experiência que ocorre “de uma vez por todas”. Da mesma forma como os israelitas no deserto deveriam todos os dias buscar a sua provisão do maná (Êx 16:21), o andar no Espírito Santo, buscando estar repletos de Sua presença, deve ser uma atitude constante na vida do cristão.

 

CONDIÇÕES PARA SE ENCHER

DO ESPÍRITO SANTO

Não existem “fórmulas mágicas” para uma vida cheia do Espírito Santo, porém, há alguns elementos que são necessários na busca por alcançá-la.

a) Desejo e busca da plenitude. O primeiro requisito é que o crente deseje ter uma vida controlada pelo Espírito de Deus. O Espírito não é um “invasor de propriedades”. “Após a ascensão de Cristo, os apóstolos se reuniram sempre em oração, com as mulheres, inclusive Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus” (Atos dos Apóstolos 1:14) para aguardar a vinda do Espírito Santo. Aquelas semanas foram preenchidas com oração, estudo das Escrituras, meditação da vontade do Mestre e prática da Palavra.

b) Rendição ao Espírito Santo. Assim como é possível entristecer (Efésios 4:30) ou apagar a Sua influência (1 Tessalonicenses 5:19), também é possível tratá-lO com a devida honra e rendermos a nossa existência a Ele. Nossa mente, emoções, vontades, tempo, dons e tesouros devem ser colocados sob o Seu controle. Quando surgirem tentações, fugiremos delas. Rejeitaremos tudo aquilo que tenta nos afastar da influência do Espírito de Deus, sejam distrações, diversões ou companhias. O desejo de pecar será crucificado com Cristo (Gálatas 5:24). Como Leonard Ravenhill (1907-1994) tão firmemente declarou: “Para que nos purifiquemos e estejamos preparados para que Ele assuma o controle, é preciso que o egoísmo, a autocompaixão, a justiça própria, a autossatisfação, a importância própria e tudo o que tenha a ver com o ego sejam entregues à morte. Não importa quem nós somos, nem o que nós sabemos. O que realmente importa é o que somos diante do inescrutável Deus.”

c) Obediência ao Senhor. À medida que crescemos em obediência à Palavra de Deus e seus ensinos (Colossenses 3:16), o Espírito Santo de Deus enche-nos e produz por meio de nós os Seus frutos (Gálatas 5:22-25). Quando errarmos, pediremos perdão a Deus e abandonaremos nosso erro, sabendo que o sangue de Cristo nos purifica de todo pecado (1 João 1:9). Assim, experimentaremos uma vida abundante (João 10:10), não vivendo mais para nós mesmos, mas para Aquele que nos amou e a Si mesmo Se entregou por nós (2 Coríntios 5:15).

d) Não apagar o Espírito. Essa recomendação, presente em 1 Tessalonicenses 5:19 aponta que não devemos interromper a operação convincente do Espírito em nossas vidas. Quem resiste ao Espírito não progride espiritualmente e não experimenta a vida cristã plena.

 

CONSEQUÊNCIAS DE SE ESTAR CHEIO

DO ESPÍRITO SANTO

Como já destacamos, nenhum texto das Escrituras afirma que o enchimento com o Espírito Santo deve produzir sinais miraculosos externos. A preocupação do Novo Testamento é muito maior com o “fruto” do Espírito do que com os “dons” do Espírito (embora estes tenham a sua importância na vida da Igreja).

a) Profunda consciência do pecado. O Espírito Santo, habitando no cristão, o conduz a um profundo senso de sua própria pecaminosidade. Vemos isso na vida de grandes servos de Deus, como Isaías (Isaías 6:5), Pedro (Lucas 5:8) e Paulo (1 Timóteo 1:15). Quanto mais próximos de Deus, mais clara se torna a nossa indignidade. Tal percepção deve levar-nos cada vez mais a reconhecermos a nossa necessidade da graça e misericórdia de Deus. Ao reconhecermos um pecado, devemos confessá-lo e abandoná-lo imediatamente (Provérbios 28:13).

b) Semelhança com Cristo. Moldarmos o nosso caráter à semelhança de Jesus é o objetivo final da espiritualidade. Em muitos locais a Bíblia aponta essa verdade (1 Coríntios 11:1 Gálatas 2:20 Efésios 4:13 Fl 1:21). Isso não é alcançado de uma única vez, mas resulta de uma busca perseverante e contínua. É impossível que nossa mente esteja simultaneamente cheia da consciência da presença de Jesus e de pensamentos pecaminosos. Jesus e o pecado não ocupam o mesmo lugar: um deles terá de ceder o espaço ao outro.

c) Testemunho corajoso. O Espírito Santo leva o cristão a dar um corajoso testemunho da verdade do Evangelho. “Depois de orarem, tremeu o lugar em que estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam corajosamente a palavra de Deus” (Atos dos Apóstolos 4:31). Uma vez que o Espírito Santo é quem nos capacita para o serviço cristão e nos concede dons (1 Coríntios 12:11), tal enchimento nos concederá maior poder no ministério e maior eficiência no uso de nossos dons espirituais.

d) Louvor nos lábios. Após declarar a necessidade de nos enchermos do Espírito, Paulo acrescenta que os cristãos vivem “falando entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao Senhor” (Efésios 5:19). Um coração cheio do Espírito transborda em louvor espontâneo a Deus. Com que frequência você canta alegremente ao Senhor?

e) Um coração grato. “...dando graças constantemente a Deus Pai por todas as coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (Efésios 5:20). Estar cheio do Espírito resulta em sermos gratos a Deus por tudo que Ele é e faz em nossas vidas. Nossa vida é caracterizada por agradecimentos a Deus (1 Tessalonicenses 5:18) ou constantes murmúrios e reclamações?

f) Sujeição aos outros. “Sujeitem-se uns aos outros, por temor a Cristo” (Efésios 5:21) O cristão não mais colocará os seus próprios interesses acima de tudo, mas assim como Cristo, nada fará “por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente” considerará “os outros superiores a si mesmos. Cada um cuidará “não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fl 2:3-4).

g) Casamento transformado. Paulo afirma que as mulheres cristãs se submetem à liderança amorosa de seus maridos (assim como a Igreja é submissa a Cristo) e que o marido ama a sua esposa, assim como Cristo amou a Igreja, a ponto de entregar a Sua própria vida por ela (Efésios 5:22-33). As obrigações não são unilaterais; a responsabilidade do marido é tão constrangedora quanto à da esposa.

h) Relações entre pais e filhos transformadas. Filhos cheios do Espírito Santo honram a seus pais, por meio da obediência. Pais cheios do Espírito criam seus filhos segundo a instrução e o conselho do Senhor (Efésios 6:1-4).

i) Relações trabalhistas transformadas. Empregados servirão a seus patrões de forma diligente e honesta. Não se esforçarão em seu trabalho apenas quando estão sob vigilância, mas darão o melhor de si, como se estivessem servindo ao próprio Cristo. Os patrões tratarão seus empregados de forma respeitosa, sem ameaças ou autoritarismo, e lhes concederão os plenos direitos e remuneração justa e em dia, pois sabem que eles próprios possuem um Senhor no céu (Efésios 6:5-10).

 

CONCLUSÃO

Certa vez, um jornalista que entrevistava o filósofo cristão G. K. Chesterton perguntou-lhe: “O que você faria se Jesus Cristo ressurreto estivesse aqui do seu lado?” A resposta de Chesterton foi: “Ele está!” O cristão vive cada momento com a convicção de que se encontra na presença pessoal do Deus vivo. Encher-se do Espírito é permitir que a “palavra de Cristo habite em nós” (Colossenses 3:16). O cristão cheio do Espírito buscará diariamente conhecer a vontade de Cristo e vivenciá-la em todas as ocasiões, seja em sua vida privada, seja em suas relações humanas. Como está o seu relacionamento com Cristo? Você vive em algum tipo de falsidade? Egoísmo? Tem negligenciado a oração, o estudo da Palavra ou a evangelização? Então, neste momento, ore a Cristo para que o Espírito Santo renove a sua mente (Romanos 12:2) e assuma o controle total de seu coração. Como não existem atalhos para uma vida espiritual plena, você deve fazer essa rendição diariamente, momento a momento.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE

 

  1. Qual é a diferença entre o “batismo no Espírito Santo” e a “plenitude do Espírito Santo”?

R.

  1. Quais conclusões John Stott apontou que devemos tirar da forma verbal “enchei-vos”?

R.

  1. Aponte quais condições são necessárias para se ter uma vida cheia do Espírito Santo. Você acrescentaria mais alguma às que foram apresentadas na lição?

R.

  1. Aponte quais as consequências de uma vida cheia do Espírito Santo. Você acrescentaria mais alguma às que foram apresentadas na lição?

R.

  1. Como está a sua relação pessoal com o Deus vivo? Que aspectos de sua vida necessitam de reforma espiritual?

R.

 

 

1 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Atual e Exaustiva. Nova Edição com Índices. São Paulo: Vida Nova, 2012. p. 635.

2 Para uma análise mais completa sobre o que é o “dom de línguas” bíblico, consulte: MACARTHUR JR., John. O Caos Carismático. São José dos Campos: Fiel, 2011. p. 293-326.

3 MACARTHUR JR., John. 2011. p. 254-255.

4 SEVERA, Zacarias de Aguiar. Manual de Teologia Sistemática. Edição Revista e Ampliada. Curitiba: AD Santos Editora, 2015. p. 255.

5 MACARTHUR JR., John. 2011. p. 342.

6 Strong’s Exhaustive Concordance (4137: “pléroó”). Disponível em: <https://biblehub.com/greek/4137.htm>.

7 STOTT, John. A Mensagem de Efésios. A Nova Sociedade de Deus. 6. ed. São Paulo: ABU Editora, 2001. p. 156-157.

8 SEVERA, Zacarias de Aguiar. 2015. p. 257-258.

9 É importante destacar que Deus é quem opera em nós o querer e o efetuar (Filipenses 2:13). Toda vez que buscamos a Deus, isso é resultado de Deus já estar trabalhando em nosso coração previamente.

10 RAVENHILL, Leonard. Por que Tarda o Pleno Avivamento? Belo Horizonte: Editora Betânia, 2014. p. 69.

11 GRUDEM, Wayne. 2012. p. 650.

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