E, respondendo Jesus, disse-lhes: Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas?    

Lucas 13:2 

  Não, vos digo; antes, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis.    

Lucas 13:3 

Algumas pessoas pensam ser melhores do que outras. Pela autoridade que têm na sociedade, pelo poder aquisitivo conquistado, pela família tradicional da região. Alguns cristãos, por não passarem por tribulações que outros cristãos passam, sentem-se mais abençoados, ou porque sua igreja possui um templo maior, um grupo de louvor mais completo, acham-se superiores aos demais irmãos. Esta parábola, dirigida ao povo de Deus, aponta para o arrependimento genuíno, mostrando a todos que passar por tribulações não significa ser inferior a qualquer outro que não passe por infortúnio. A figura da figueira está relacionada ao povo israelita, tanto aqui como no capítulo 21 de Mateus. O Mestre nos valoriza pelos frutos produzidos, pela obra realizada; pela fé, pela obediência, não pelo o que temos, não pela nossa posição na sociedade, não pelo título alcançado. Nesta parábola, alguns israelitas que estavam sempre próximos a Jesus comentam que conterrâneos haviam sido mortos e o sangue deles havia sido misturado a sacrifícios romanos. E o Mestre, mais uma vez, recorre a uma narrativa a fim de ensinar aqueles que ainda se julgam superiores aos outros, lembrando a todos da igualdade e a necessidade de que todos têm de se arrependerem. Saibamos em que contexto Jesus narra esta parábola e que ensinamento nos legou.

 

CONTEXTO

Como sempre, Jesus novamente estava rodeado de admiradores, curiosos e críticos à Sua atuação na Terra. E estes procuravam de alguma forma incitar o Mestre no intuito de perceber nEle alguma falha naquilo que Ele ensinava. Esperavam um erro conceitual, ou mesmo de princípio religioso para poderem acusá-lO e condená-lO sumariamente. Nesta passagem de Lucas, contudo, o enfoque do discurso tende a apresentar comparações entre aqueles que sofrem e os que não passam por situações de angústia. Porém o Mestre lhes impôs uma reflexão por ver naqueles homens uma disposição de se eximirem de suas culpas, os quais implicitamente apontavam para os que foram mortos, sugerindo que estes de alguma forma foram castigados por Deus por suas transgressões. Lendo o livro de Jó no capítulo 4, vemos um “amigo” seu, Elifaz, dando a entender que Jó havia pecado terrivelmente para passar por tão grande tribulação. No século I, os judeus acreditavam conforme Elifaz, que julgou a Jó quando disse ao amigo que a sua punição era devida aos seus erros cometidos.

Assim transpareceu ao Mestre a fala daqueles que ali se encontravam, pois logo em seguida Ele narrou a parábola da figueira estéril. Em seu livro Todas as Parábolas da Bíblia, Herbert Lockyer comenta sobre este momento entre Jesus e aqueles que fizeram alusão aos galileus cujo sangue havia sido misturado ao sangue dos sacrifícios feitos pelos romanos. Diz ele:

O motivo dessa parábola, que somente Lucas registrou, foi o de ampliar e impor a declaração de nosso Senhor, a qual está nos versículos que a precedem. Alguns vieram a Jesus e Lhe relataram a tris­te história, que Josefo amplia, de alguns galileus impetuosos que fo­ram mortos por Pilatos, o qual mis­turou o seu sangue com os sacrifíci­os que foram oferecidos. Jesus percebeu os sinais de um espírito de autocomplacência naque­les que falavam com ele, e que se comportavam com atitude farisaica.

Neste contexto, Jesus percebeu a falta de humildade dos falantes que se arrogavam em uma condição religiosa melhor do que aqueles que foram mortos por Pilatos. O Senhor Jesus em todo Evangelho vai revelando a vontade do Pai e como o homem deveria ser e agir perante Ele.

 

JESUS ALERTA O SEU POVO

Diante de um suposto julgamento dos galileus que haviam morrido, feito por aqueles homens que ali cercavam a Jesus, percebemos que a intenção do Mestre era primeiramente mostrar a eles que não eram superiores àqueles que sucumbiram. Jesus nunca demonstrou ao povo que era melhor do que qualquer um em palavras ou ações, embora o fosse em todas as instâncias. Mas não era essa a Sua missão, ao contrário, disse para o que veio, servir e salvar. Falava Ele com o Seu próprio povo a fim de mostrar-lhes a necessidade que tinham de se voltarem para Aquele que sempre lhes fora fiel em todo tempo. Não era um privilégio estar vivo, mas ainda uma chance para se arrepender. Tratando-se do povo de Deus, havia um projeto para ele, que Lockyer retrata assim:

Projeto do proprietário. Esse certo homem, a que Jesus aludiu, plantou uma figueira em sua vi­nha, e ela poderia ter tirado do solo desse homem tudo o que precisas­se para produzir fruto. A figueira fora plantada. Não era uma plan­ta estranha e proibida, semeada na vinha (Deuteronômio 22:9). Fora deliberadamente plantada onde não ti­nha direito, e crescera no canto onde o solo era mais favorável. O proprietário desejava aquela árvo­re em particular; fora adaptada conforme a sua própria natureza para produzir figos; e ele planeja­ra a sua localização numa área pro­tegida da vinha onde seria cuida­da.

Comenta Herbert sobre Israel ser comparada a uma figueira, e como dono desta árvore, Deus, o Senhor, espera que ela dê frutos. Decerto que Jesus sabia como o Seu povo, principalmente as autoridades e os escribas, agia hipocritamente, posicionando-se como detentores da verdade sem praticá-la, oprimindo os seus já oprimidos pelo império romano. Na verdade, “antes de haver uma nova vida na pessoa de Cristo, ela ainda participa de um mundo devasso, e sua justiça é trapo, carecendo da graça e da misericórdia do nosso Deus”. E para arrepender-se é necessário ter consciência da nossa limitação e da misericórdia do Pai. Vincent Cheung, em seu livro As Parábolas de Jesus, comenta sobre a carência que temos de nos vermos como iguais, e sendo assim, passíveis dos mesmos erros. Ele diz:

A verdade é que não somos justos em nós mesmos, e todos nós estamos em necessidade de salvação por um poder externo. Assim, um homem que se autojustifica não somente despreza os outros, mas ele o faz sem uma boa razão. Isto é, uma pessoa está enganada no fato de que ela depende de sua própria justiça como sua base para se considerar superior aos outros.

De qualquer maneira, está claro que o Mestre se preocupava com o Seu povo, querendo que aprendessem de Si, alertava-os para que não perdessem a chance de se arrepender, pois muitos ainda estavam vivendo sob o domínio da Lei e não se apoderavam das palavras de Jesus. Snodgrass registra essa passagem em Lucas como forma de advertir Israel, tanto no I século, como atualmente.

 

APLICABILIDADE DESTA PARÁBOLA

Podemos dividir esta parábola em três momentos distintos: primeiro, apresentando o dono da vinha. Homem preocupado com a sua plantação, e como tal, esperando que produza os frutos esperados. De acordo com Lockyer, este homem representa a figura de Deus como dono, como pai que cuida dos seus esperando o melhor deles. Em seu livro ele escreve

Antes de mais nada, lembramos os privilégios conferidos a Israel por Deus, aqui comparado a um viticultor, um pai, um dono da vinha. Jesus utilizou uma linguagem bem conhecida de seus ouvintes judeus, dando-lhes a descrição de uma vinha em todos os seus detalhes. Muitas vezes lemos sobre Israel investido de privilégios especiais, comparado a uma videira ou a um conjunto de videiras numa vinha (SI 80:8-15; Isaías 5:1-7; Ezequiel 15:2-5). A videira era a mais excelente de todas as plantas, exi­gindo cuidados extremos, mas recompensando-os ricamente.

Deus é aquele que plantou, que cuida e que quer ver o resultado da obra das Suas mãos, Ele é longânimo, mas é justo. Haverá um tempo em que o Senhor cobrará dos Seus o que Lhe é devido: obediência. Por isso precisamos estar atentos à vontade de Deus e sabermos que em tudo seremos cobrados, que pela Sua graça e misericórdia somos amados como filhos, mas chegará a hora em que Deus se manifestará em justiça.

Segundo, percebendo como o povo de Deus é retratado nesta parábola e como ele está sendo observado pelo Senhor. Como já foi mencionado anteriormente, o modo farisaico imposto pelas autoridades espirituais de Israel impediam o crescimento espiritual da nação. Não frutificava o amor proposto por Jesus, pois homens criavam normas que delimitavam a ação do Espírito de Deus nas pessoas. Dentre as nações, Israel se achava privilegiada como nação por ter um Deus único e com promessas, por ser uma nação com vitórias expressivas ao longo da história, e que estava esperando o seu Messias. E dentre o próprio povo, ainda grassava a ideia de uns serem melhores que outros, pela condição social, pela linhagem, ou mesmo por serem detentor da Palavra de Deus. Porém este povo estava sendo infrutífero e seria “cortado” por esta incapacidade.

E em um terceiro momento, percebe-se a figura do viticultor, daquele que cuidava da vinha. Retratado como Jesus, o viticultor intercede por aquela árvore infrutífera esperando que ela possa produzir frutos se um cuidado maior lhe for dado. Simon J. Kistemaker relata a atitude do dono frente à condição dos maus resultados da figueira e a preocupação do cuidador da vinha:

Por causa da sua localização, deduzimos que a árvore tinha sido muito bem cuidada. Ocupava uma parte do terreno que podia ter sido usado para as videiras. Cada ano que a árvore permanecia estéril significava prejuízo para o lavrador. (...) A figueira era como uma dívida que aumentava à medida que se passavam os anos.(...) há um tempo limite para paciência do fruticultor. Então basta! O proprietário deu instruções ao homem que cuidava da vinha para que cortasse a figueira. Mas ele pediu ao dono que tivesse um pouco mais de paciência. Queria dar mais um ano à árvore. (...) Se vier dar fruto, bem está, se não, mandarás cortá-la.

Jesus se preocupa com aqueles por quem Ele morreu, intercede ainda por aqueles que Ele sabe que buscam de alguma maneira se achegar ao Pai. E Ele sabe também que uma das maiores barreiras do homem em relação a Deus é a soberba, pecado que destituiu Lúcifer de sua posição no céu. Os homens que ali comentaram sobre a morte dos galileus receberam do Mestre uma advertência para que refletissem sobre a sua condição humana, Jesus coloca todos os homens em um mesmo nível de fragilidade, o que acontece com um pode acontecer a qualquer outro.

 

CONCLUSÃO

Essa parábola da figueira estéril nos exorta a cada vez mais nos afastar da carnalidade do mundo e vivermos mais no espírito e do Espírito, mostra-nos que Deus está no comando de todas as coisas, sendo misericordioso e justo; mostra-nos também que muitos de nós ainda não entendemos o que é ser cidadão do Reino Celestial, com seus direitos e deveres, e que o Mestre Jesus continua à direita do Pai, intercedendo por nós. Alerta-nos para a volta do Messias, que nos ajuda continuamente para que continuemos no processo de santificação, porém aquele que não se converter de todo coração, a este descerá o machado do Justo!

 

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE

1 - Dê a sua opinião em relação ao relato daqueles que estavam na presença de Jesus.

R.__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

2 - Com que intenção Jesus contou esta parábola?

R._________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3 - Que julgamento você faz de alguém que se considera melhor do que outros?

R._________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

4 - Por que ainda não fomos consumidos por causa de nossos pecados?

R._________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

5 - Por que esta parábola é atemporal?

R._________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

1 Bíblia. Português. A Bíblia Anotada. Tradução de Carlos Oswaldo Cardoso Pinto. S. Paulo. Mundo Cristão. 1994, 1835 p.

2 LOCKYER, Herbert. Todas as Parábolas da Bíblia. S. Paulo. Ed. Vida, 2006, p. 345

 

3 LOCKYER, Herbert. 2006, p. 346

4 LOCKYER, Herbert. 2006. p. 279

5 LOCKYER, Herbert. 2006. p. 47

6 CHEUNG, Vicente. Parábolas de Jesus. Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto. Boston. Ed. Reformation Ministries International. 2003, p.47.

7 SNODGRASS, Kline. Compreendendo todas as parábolas de Jesus. Rio de Janeiro: CPAD, 2010. P.372.

8 LOCKYER, Herbert. 2006. p. 284

9 KISTEMAKER, Simon J.. As Parábolas de Jesus. S. Paulo. Ed. Casa editora presbiteriana. 1992, p. 106

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