E disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui.
Lucas 12:15
O estudo da Parábola do Rico Insensato é muito propício ao tempo em que nós vivemos. Dias em que se levantam falsos profetas pregando prosperidade material e riquezas aqui neste mundo. Estelionatários do Evangelho que ensinam uma mensagem oposta à que Jesus ensinou. Isso acontece porque o perfil das pessoas continua sendo igual ao perfil do homem que quis ordenar a Jesus que desse um jeito na sua vida financeira: “Mestre, ordena a meu irmão que reparta comigo a herança” (v.13). Pessoas preocupadas com as riquezas terrenas.
Talvez nunca em outros tempos, foi tão importante para a igreja estudar, pregar e viver esta parábola, pois até a mesma corre o risco de acumular tesouros apenas para este tempo, se é que isso já não tem acontecido. Em contra partida, veremos que Jesus não condena as pessoas ricas nem tampouco diz que não devemos nos preocupar com nossa vida financeira, mas sim, o Mestre reprova a avareza do homem que tem como sua única e primordial preocupação as riquezas do mundo presente, mas como diz o livro de Apocalipse, tal homem é “infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu” para com Deus (Apocalipse 3:17).
O CONTEXTO
Quando estudamos a Parábola do Rico Insensato, percebemos que ela, como as demais parábolas de Jesus, não é fruto do acaso. Como em outras vezes, a ocasião abriu a oportunidade para um profundo ensino ilustrado através de uma história que jamais sairia da mente dos ouvintes. A parábola em estudo é fruto de uma questão que Jesus é chamado a resolver. O texto diz que “um homem que estava no meio da multidão lhe falou: Mestre, ordena a meu irmão que reparta comigo a herança” (v.13). Mas por que aquele homem disse isso a Jesus? Isso ocorreu porque tal homem estava envolvido em alguma questão ligada a leis das Escrituras hebraicas, e tais causas deveriam ser julgadas por um mestre respeitado ou um rabino, que daria o veredito de acordo com a interpretação das Escrituras1.
Mas que causa seria esta? Tratava-se de uma demanda por divisão de herança entre irmãos. A lei da divisão de herança entre irmãos, segundo o livro de Deuteronômio 21:15-17, assegurava ao primogênito a porção dobrada na divisão dos bens. O fato de irmãos morarem juntos sem fazer tal divisão era o ideal e louvável2. Mas parece que não foi isso o que ocorreu com o homem que interpelou Jesus. O mais provável é que esse homem fosse o filho mais moço e que seu irmão, o primogênito, estava retendo sua parte da herança.
Jesus, como mestre considerado por todos, foi convocado para julgar tal demanda, mas recusou-se a fazê-la. Ele poderia ter julgado tal causa, em primeiro lugar por ser um mestre respeitado pelo povo e em segundo, porque Ele era o Filho de Deus. Todavia, não era esta a Sua missão, e a situação exigia uma resposta muito além de um veredito judicial. Jesus, naquela ocasião, havia proferido muitos ensinamentos sobre o Reino de Deus à multidão que lhe ouvia e aquele homem também estava lá escutando, mas parece que sua preocupação não estava nas riquezas do Reino, mas nas riquezas terrenas.
Jesus não quis julgar a causa que o homem lhe requereu, mas nem por isso deixou-o sem uma orientação. Mais do que uma orientação, uma repreensão, pois tal homem estava com o foco distorcido em relação ao que realmente é importante para Deus. A resposta que o requerente recebeu de Jesus veio em um tom um pouco áspero, não era para menos.
O homem que interpelou Jesus não pediu arbitramento, mas ordenou ao juiz que executasse o seu desejo: “Mestre, ordena a meu irmão.” (v.13). Ele já havia decido o que queria e tentou usar Jesus para alcançar tal fim. Uma coisa seria se ele dissesse: “Mestre, o meu irmão e eu estamos discutindo a respeito da nossa herança, o senhor pode ser nosso mediador?” Ordenar que Jesus implementasse seu plano era outra3. Assim, mais do que uma resposta, o Filho do Homem entregou àquele homem e também a todos que O ouviam um ensino profundo.
A PARÁBOLA
Antes de proferir a parábola, Jesus já aponta o assunto que a mesma irá ilustrar: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (v.15). Esta afirmação abre caminho para a parábola e também descreve como provavelmente era o caráter do homem que interpelou Jesus. Provavelmente aquele homem, que queria sua parte da herança, não era um pobre necessitado, pois se assim fosse, a reação de Jesus seria outra. Mas a forma arrogante como ele abordou o Mestre descreve alguém que se preocupava em ter sempre mais bens, mesmo que isso lhe custasse desavenças familiares. Ou seja, o problema do homem não era ter ou não a parte da herança, seu problema está relacionado à ambição.
Jesus inicia a narrativa dizendo: “O campo de um homem rico produziu com abundância” (v.16). Focalizando esta primeira sentença percebemos que o personagem da história era uma homem que já era rico e que foi abençoado com uma safra superabundante. Era alguém que já tinha mais do que suficiente e que sem esforço extra (pois a natureza o favoreceu naquela safra) foi lhe concedida a prosperidade na colheita dos frutos. Até aqui não encontramos problema algum. Não há nenhuma crítica ao estado de riqueza de tal homem.
Tendo este fato em mente chegamos ao segundo ponto quando o homem rico discute consigo mesmo: “Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos?” (v.17). O assunto foi motivo para considerável preocupação e o debate em sua mente durou algum tempo. Mas em nenhum momento subiu a mente daquele homem o pensamento de “Na verdade eu não preciso de nada disso, pois eu já sou rico”, ou, “Esta riqueza extra é uma dádiva da qual eu não posso me orgulhar, Deus a fez crescer”. Não foi assim que ele pensou, mas seu coração foi ambicioso, pois relaciona a benção da prosperidade na colheita de forma egoísta: “Meus celeiros”, “meu produto” e “meus bens”4.
Movido por sua avareza e cobiça, tal homem tomou uma decisão: “destruirei os meus celeiros e reconstrui-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens” (v.18). Aqui vemos, pelas suas próprias palavras, a autoconfiança deste homem movendo seus ideais: “destruirei”, “reconstrui-los-ei” e “recolherei”. O objetivo de tal decisão era sua própria satisfação como mesmo afirma: “Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te” (v.18). Tal pensamento descreve muito bem o perfil de uma pessoa avarenta: só pensa em si mesmo, acumula bens, pensa que vai viver para sempre e acredita que não precisa de ninguém para prosperar na vida.
Neste momento da narrativa, Deus aparece àquele homem e o pergunta: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será”? (v.20). Aqui percebemos que o homem estava se preparando para tudo, menos para o encontro com a morte, onde sua riqueza não tinha valor de negócio. Notamos também que a parábola descreve um homem que nem ao menos pôde desfrutar da sua abundante colheita, nem mesmo os seu planos de reedificar os seus celeiros ele conseguiu concluir. A palavra “louco” (grego aphrōn) neste texto traz a ideia de “sem mente, espírito e emoção”. Ou seja, a sua fórmula para “boa vida” era estupidez grossa5.
O DESFECHO DA PARÁBOLA
Podemos dizer que o desfecho da parábola se dá em duas partes. Primeiramente Jesus finaliza a narrativa da estória dizendo: “Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (v.21). Esta afirmação conclui o texto concordando com o provérbio que Jesus citou antes de proferir a parábola: “porque a vida de um homem não consiste na abundancia dos bens que ele possui” (v.15) Este desfecho descreve que a prosperidade de um homem não está relacionada à riqueza que possui, mas em o quanto o mesmo está envolvido e preocupado com o reino de Deus. O rico insensato não soube lidar com a riqueza, com as bênçãos que recebeu de Deus, não reconheceu o Senhor em seus caminhos e deixou-O fora de seus planos e por isso, perante o Criador era tão pobre quanto alguém que nem tem ao menos onde dormir.
Em segundo lugar podemos dizer que o desfecho da parábola também dá-se, ou complementa-se, na advertência que em seguida Jesus dá a seus discípulos: “Por isso eu vos advirto: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer, nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Porque a vida é mais do que o alimento, e o corpo é mais do que as vestes” (vv. 22,23). A isso o rico insensato não se ateve, pois a vida vale muito mais do que qualquer outro bem e a mesma guardamos para Aquele que a nos deu, Deus. O desfecho da advertência de Jesus aos seus discípulos segue até o verso 34, mas para o momento os versos já citados concluem com êxito a lição que precisamos aprender.
APLICAÇÃO
A parábola de hoje nos faz pensar em alguns temas importantes, como vemos:
Jesus não é um juiz disposto a nos dar causa ganha para que apenas satisfaçamos os nossos desejos egoístas. Nos dias de hoje é comum alguns “cristãos” dizerem: “determine isso para sua vida em nome de Jesus”. São pessoas que se colocam como o homem que, movido por um desejo egoísta e por sua avareza, falou a Jesus que ordenasse que seu irmão lhe desse a parte da herança. Jesus está sempre pronto a nos ajudar, mas não é um servo que faz tudo aquilo que queremos.
Jesus não condena os ricos. O rico insensato não é um péssimo exemplo por ser rico, mas por causa de sua cobiça e avareza. Há muitos ricos que usam seus recursos para abençoar o reino de Deus, mas também há muitos pobres que são avarentos e cobiçosos. Ter riqueza e dinheiro não é pecado, mas o amor a tais coisas é problema.
O cuidado com a prosperidade material: Deus não reprova a prosperidade material, como muitos cristãos pensam. A parábola diz que o “campo de um homem rico produziu com abundância”. Ninguém mais, senão Deus, fez com que a semente produzisse tão bem. O homem plantou e fez a parte dele, mas foi o Senhor que fez a safra prosperar. O problema foi que o rico insensato não soube lidar com isso. Não atribuiu a Deus a bênção da super colheita e nem tampouco soube usar os recursos adquiridos. O que era pra ser uma bênção tornou-se uma maldição para sua vida. Deus faz prosperar o trabalho das nossas mãos, para que em tudo seu nome seja glorificado e para que nós possamos abençoar o nosso próximo. Se Ele faz transbordar o nosso celeiro, é para que possamos dividir com aquele que está precisando.
O que realmente é importante para nós? Essa pergunta tem sua resposta nas prioridades que temos para o nosso futuro. O rico insensato planejou um futuro que tinha como objetivo a satisfação do seu “eu”. No futuro dele não havia lugar para sua família, para seus amigos e tampouco para Deus. O nosso presente é determinado pelo que almejamos no futuro. Se Deus e seu reino são a nossa preocupação, certamente vivemos de acordo com Sua vontade.
CONCLUSÃO
A parábola estudada hoje reforça que a vida é frágil e incerta e que precisamos muito mais do que bens materiais. Poucas pessoas, principalmente nas sociedades ocidentais, vivem de uma forma em que os bens e segurança não sejam os aspectos mais importantes da vida. Esta parábola que analisamos se opõe à idolatria da segurança nos bens terrenos e nos instiga a uma profunda confiança em Deus e não no dinheiro. Esta parábola não é dirigida meramente aos ricos. Não é necessário ser rico para ser como o rico insensato. Todo aquele que é dominado pela cobiça e dá ênfase as coisas erradas age como um tolo6. Que não sejamos assim, mas que tudo o que temos, somos ou teremos e seremos seja para a glória de Deus e a serviço do Seu reino.
QUESTÕES PARA ESTUDO EM CLASSE
1 – O que levou Jesus a proferir a parábola do Rico Insensato? Qual era realmente a preocupação do homem que requereu que o Mestre julgasse a sua causa? (v.13)
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2 – Por que Jesus se negou a julgar a causa da divisão da herança entre os irmãos?
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3 – Segundo a parábola, qual foi a reação do rico insensato ao perceber que seus campos haviam produzido em abundância? Ele reconheceu que Deus o havia abençoado?
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4 – Segundo a lição, que características de uma pessoa avarenta e cobiçosa encontramos no rico insensato? Você identifica alguma destas características em você?
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5 – Você acha que a prosperidade material é algo ruim? Qual o cuidado que devemos ter quanto a isso?
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6 – Quais foram os erros que o rico insensato cometeu?
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7 – O desfecho da parábola se dá em duas formas. Quais são elas?
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1 SNODGRASS, Klyne. Compreendendo todas as parábolas de Jesus. Guia completo. Rio de Janeiro. CPAD, 2010, p.554.
2 SNODGRASS, Klyne. 2010, p.554.
3 BAILEY, Kenneth. As parábolas de Lucas. São Paulo. Vida Nova, 1985, p.128.
4 BAILEY, Kenneth. 1985, p.128.
5 BAILEY, Kenneth. 1985, p.138.
6 SNODGRASS, Klyne. 2010, p.563.