Texto de Estudo

Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.

Romanos 5:8

 

INTRODUÇÃO

Nos quatro primeiros capítulos da Epístola aos Romanos, Paulo já havia escrito a respeito das origens e das bases da nossa justificação. Faltava abordar os resultados dessa justificação. Que benefícios nos trouxe? Quais seriam as bênçãos a ela associadas? Paz, alegria e esperança são algumas delas. Todavia, o apóstolo vai além e mostra que tudo só foi possível porque Deus nos fez participantes de uma bênção maior — sermos parte da nova criação. Esse fato será mostrado pelo contraste feito entre Adão (símbolo da velha criação) e Cristo (o segundo Adão, cabeça da nova criação).

A justificação pela fé em Cristo libertou-nos de Adão, símbolo do velho homem, para nos colocar em Cristo; então, foi feita outra criação. O Filho de Deus assumiu o nosso castigo; ele tomou sobre si a nossa condenação. Na cruz, Cristo cumpriu a nossa pena, justificando-nos perante o Pai, fazendo de nós novas criaturas. Ele libertou-nos da Lei do pecado. Uma vez livres e justificados pela fé, temos paz com Deus (Romanos 5:1) e acesso à graça (Romanos 5:2). Como pecadores, jamais poderíamos pagar a dívida para com o Pai. Quando pela fé recebemos o perdão divino, a culpa que perturbava as nossas consciências foi substituída pela graça e misericórdia divina.

A justificação não significa somente perdão e absolvição da culpa, mas também traz a esperança da glória de Deus (5:2) e a promessa da salvação final (5:9,10). Temos mais que os frutos atuais da justificação; nossa atenção é dirigida a seu resultado final. A ênfase desta passagem é a glória futura e a salvação final daqueles que continuam em paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo. Vejamos, portanto, quais bênçãos a justificação traz a cada um.

 

A PAZ COM DEUS (Romanos 5:1-2)

Ao falar das bênçãos decorrentes de nossa justificação, Paulo cumpre dois propósitos. Em primeiro lugar, mostra como é maravilhoso ser cristão. A justificação não é apenas uma garantia de que iremos para o céu, por mais emocionante que seja essa ideia, mas também a fonte de bênçãos tremendas que desfrutamos, aqui e agora.

 

1. A bênção da paz com Deus

Em nosso capítulo em apreço (Romanos 5), Paulo mostra os benefícios da justificação pela , logo no primeiro versículo: "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo”. (v.1, NVI) O apóstolo afirma a espantosa verdade de que o amor gratuito de Deus transformou, por meio de Cristo, os inimigos de Deus em pacificados, tornando-se amigos. É digno de nota que Paulo diz que temos “paz com Deus”; essa paz com Deus é uma bênção ligada ao passado. Trata-se de algo que já aconteceu. Não é a paz de Deus (Filipenses 4:7), mas a paz com Deus. Não é um sentimento, mas um relacionamento. Não é uma mudança em nossos sentimentos, mas uma modificação no relacionamento de Deus para conosco. É a paz da reconciliação com Deus. Por intermédio do sacrifício de Cristo, a barreira que nos separava de Deus foi destruída. Não somos mais objetos da Sua ira, mas filhos do Seu amor. O pecado consumou uma ruptura, mas Jesus Cristo veio para restabelecer a comunicação suspensa.

Embora os manuscritos mais aceitos do original grego tragam a palavra tenhamos em vez de temos, os teólogos concordam que o argumento de Paulo é a paz como efeito imediato da justificação. Assim sendo, ela deve ser desfrutada aqui e agora. Robertson, erudito em grego bíblico, traduziu essa expressão como desfrutemos de paz com Deus. Portanto, uma paráfrase das palavras de Paulo ficaria da seguinte forma: "Já que fomos justificados por meio da fé, desfrutemos, pois, dessa paz com Deus". Deus tem paz para todos os justificados em Cristo Jesus e deseja que desfrutemos dela.

Essa paz, contudo, não é fruto do esforço que o homem faz, mas do sacrifício que Cristo fez. Por sua morte, fomos reconciliados com Deus. Não somos mais réus, nem inimigos d’Ele; agora, temos paz com Ele.

 

2. A bênção do acesso a Deus

Antes de falar da bênção de esperar em Deus, Paulo menciona como se deu esse acesso: “obtivemos acesso pela fé a esta graça, na qual estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus". (Romanos 5.2) A fé no Cordeiro de Deus abriu-nos a porta da graça. Paulo usa a palavra grega prosagoge, “acesso”, que tem a conotação de permissão de entrada na presença de um rei, mediante o favor de outrem. O próprio Jesus introduz-nos na presença de Deus; abre-nos a porta de acesso à presença do Rei dos reis. E, quando se abre essa porta, o que encontramos é a graça, não condenação, nem juízo, tampouco vergonha; senão o intocado e imerecido amor divino. A porta abriu-se à esperança.

No contexto de Romanos, a esperança significa enfrentar o tempo presente com todos os seus desafios, porque há certeza quanto ao futuro. O futuro não é algo desconhecido, porque a fé em Jesus tornou-nos participantes do Seu reino.

 

3- A bênção de sofrer por Jesus

Na lista dos benefícios ou bênçãos vindos da cruz, encontramos uma que, no contexto atual, escandaliza muita gente. Paulo tem no sofrimento uma motivação para se gloriar! "E não somente isso, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência, a experiência; e a experiência, a esperança". (Romanos 5:3,4)

A palavra grega thlipsis, traduzida em português como tribulação, significa “pressões, dificuldades e sofrimentos”. Que tipo de fé era essa que se alegrava no sofrimento? Era uma manifestação pura, sem os resquícios da Teologia da Prosperidade, sem os paliativos espirituais criados para entreter os cristãos modernos. O sofrimento constrói o caráter cristão. O termo "experiência", em Romanos 5:4 significa "o caráter que foi provado". A sequência é: tribulação - paciência - caráter provado - esperança.

Nosso termo "tribulação" vem do latim, tribulum. No tempo de Paulo, o tribulum era um pedaço pesado de madeira com cravos de metal, usado para debulhar cereais. Ao ser arrastado sobre os cereais, o tribulum separava o grão da palha. Ao passarmos por tribulações e dependermos da graça de Deus, as dificuldades purificam-nos e ajudam a eliminar a palha.

 

AS BÊNÇÃOS DO AMOR (Romanos 5:5-11)

            O grande apóstolo Paulo diz que o fundamento sólido sobre o qual descansa nossa esperança de glória é o amor de Deus. Há uma efusão desse sentimento em nosso coração. A justificação não é apenas um ato jurídico de Deus, feito no céu; existem também reflexos concretos e reais na Terra. O resultado da justificação é uma bendita experiência de transbordamento do amor divino em nosso coração.

 

1. O amor que o Pai outorga

A visão que Paulo possui a respeito do Senhor é muito diferente da do Judaísmo dos seus dias. O Deus que ele revela nas epístolas é amor. Por isso, muito diferente daquele que os judeus conheciam. Deus provou Seu amor por nós, enviando Cristo para morrer em nosso lugar. Agora que somos Seus filhos, certamente seremos ainda mais amados por Ele. É a experiência interior desse amor, por meio do Espírito, que nos sustenta enquanto passamos por tribulações.

A expressão “amor de Deus”, presente em Romanos 5:5 no original, está no caso genitivo, indicando origem ou posse. Deus é a origem e a fonte do amor. Embora o antigo Israel houvesse quebrado a aliança, sendo digno de punição, Deus - em seu amor infinito – procura-o para uma reconciliação. Esse é o amor que perdoa.

O Deus da teologia paulina ama Suas criaturas e, como prova maior desse amor, enviou o Filho para morrer por elas. (João 3:16) A justificação pela fé proporciona-nos nova percepção da pessoa de Deus e de Seus atributos, e tal percepção mostra que Ele é amor.

 

2. O amor que o Espírito distribui

Deus é a fonte do amor, e o Espírito Santo é quem o instrumentaliza na vida do crente. Paulo diz que o amor de Deus está "[...] derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado". (Romanos 5:5b) Assim como o Espírito Santo foi derramado sobre a Igreja no Pentecostes, o amor divino é derramado no coração dos justificados. A palavra “derramar” traz a ideia tanto de abundância como de difusão, tanto de refrigério como de encorajamento.

            Não é por acaso que, neste versículo, tanto o amor de Deus quanto o Espírito Santo são mencionados pela primeira vez na epístola, pois apenas o Espírito pode comunicar-nos o sentimento do amor divino. Mesmo que os pecadores ouçAmós 10:000 vezes falar do amor de Deus na dádiva do Seu Filho, nunca são realmente afetados por isso, até que o Espírito Santo entre em seu coração, e o amor de Deus seja produzido pela verdade, por meio do Espírito.

Digna de nota é a mudança do tempo verbal, em Romanos 5:5: o Espírito Santo nos foi dado (no grego, dothentos, em referência a um fato passado); porém, o amor de Deus é derramado em nosso coração (no grego, ekkecutai). Esse verbo enfatiza uma ação passada, mas que continua com efeito no presente. É como se ele dissesse, "o amor de Deus foi derramado em nossos corações no passado quando cremos no Senhor, mas seu efeito continua vivo no presente". Temos, pois, razão para amar, pois o Espírito Santo faz-nos viver esse amor. Assim, recebemos o Espírito de uma vez para sempre, mas somos inundados com o amor de Deus, constantemente.

 

3. O amor que o Filho realiza

O amor é originário do Pai, operacionalizado pelo Espírito e realizado pelo Filho. Cristo é a manifestação suprema do amor do Senhor. (Romanos 5:6-8) Se quisermos conhecer o amor de Deus, basta olharmos para Cristo, o bendito Filho de Deus. Cristo não morreu por alguém que merecia o amor de Seu Pai. Ao contrário, Paulo diz que éramos fracos (5:6), ímpios (5:6), pecadores (5:8) e inimigos (5:10). Numa linguagem crescente, o apóstolo elenca quatro adjetivos sombrios da deplorável condição humana. Embora fôssemos merecedores do juízo divino, graciosamente Ele derramou em nosso coração Seu imenso amor. Deus não poderia achar nos fracos, ímpios, pecadores e inimigos algo que atraísse Seu amor. O caráter incomum e singular desse sentimento revela-se no fato de que foi exercido a favor daqueles cuja condição natural era totalmente repugnante diante da Sua santidade.

Deus amou, infinitamente, os objetos da Sua ira. A morte de Cristo é não só a prova do fato, mas também a revelação da natureza desse amor por nós. E amor completamente imerecido, estando a sua origem de modo algum nos Seus objetos e inteiramente em Deus.

 

AS BÊNÇÃOS DA NOVA CRIAÇÃO (Romanos 5:12-21)

Os versos que apreciaremos a seguir são tidos por muitos como os mais difíceis e, ao mesmo tempo, os mais importantes da Epístola de Romanos. Alguns estudiosos os têm na conta de um parêntese ou hiato no argumento. Outros, porém, provavelmente com acerto maior, consideram-nos o clímax da discussão da doutrina da justificação pela fé e uma introdução ao exame da doutrina da santificação.

 

1. O homem em Adão

Os efeitos e as bênçãos da justificação são ilustrados por Paulo com as figuras de Adão e Cristo. Primeiramente, o apóstolo fala do "homem em Adão", em Romanos 5:12-14. Existem várias interpretações a respeito deste texto bíblico, mas a ideia mais aceita pelos intérpretes é que Adão, como cabeça da raça humana, representava toda a humanidade. Nesse aspecto, todos pecaram, pois eram descendentes de Adão. Para Paulo, o "homem em Adão", símbolo da velha criação, está condenado em desobediência; dominado pelo pecado e vencido pela morte. Ele é, portanto, um projeto falido; não há esperança alguma para ele.

A queda de Adão foi o maior desastre da História. Dessa queda, decorrem todos os desastres subsequentes. Três fatos merecem atenção:

a.    O pecado entrou no mundo por um homem. (5:12) Embora já tivesse ocorrido no mundo angelical com a queda de Lúcifer, na História humana, o pecado foi introduzido pela queda de Adão. Ele é uma conspiração contra Deus, a transgressão da Sua Lei, um ato de rebeldia e desobediência ao Senhor. Sendo livre, Adão escolheu desobedecer. Tendo livre-arbítrio, tornou-se escravo do pecado e, por meio dele, pecado precipitou toda a raça no estado de rebelião contra Deus. Pecado, aqui, não é um mero ato, mas um poder vivo, hostil, mortal.

b.    A morte entrou no mundo pelo pecado. (5:12) A morte é como o outro lado do pecado. Onde vive o pecado, a morte vive no pecado. Onde o pecado reina, ele reina pela morte. (5:21) Quando o erro ordena, a sua moeda corrente de pagamento é a morte. (6:23) O pecado é uma existência desolada, sem vida, desconectada. O erro e a morte são correlatos. Viver no pecado é viver na morte. O ato do pecado abrange toda a morte que flui dele, e nada flui exceto a morte.

c.    A morte sobreveio a todos os homens. (5:12) Porque todos pecaram em Adão e porque o salário do pecado é a morte; ela foi transmitida a todos os homens uma vez que todos pecaram. E atinge a todos sem distinção e sem exceção. Repousa seus dedos gélidos sobre ricos e pobres, reis e vassalos, servos e chefes, doutores e analfabetos, pequenos e grandes, velhos e crianças, religiosos e ateus. Não podemos nos esconder da morte; ela será o último inimigo a ser vencido.

 

2. O homem em Cristo

O contraste entre Adão e Cristo é feito com cores vivas pelo apóstolo, em Romanos 5:15-17. O "homem em Cristo", símbolo da nova criação de Deus, é justificado, obediente, dominado pela graça e dominado pela vida com o Senhor.

Cristo é o segundo Adão. O primeiro caiu num jardim; o segundo triunfou num deserto. O primeiro Adão é da Terra; o segundo, do céu. O primeiro Adão introduziu no mundo o pecado e, por ele, a morte; o segundo trouxe a justiça e a imortalidade. O primeiro foi expulso do paraíso; o segundo levar-nos-á de volta ao paraíso. É exatamente isso que o apóstolo ensina em outro lugar aos cristãos de Éfeso. Em Cristo, somos abençoados com toda a sorte de bênçãos espirituais; escolhidos n’Ele, antes da fundação do mundo, para sermos santos. Fomos feitos filhos de Deus; temos a redenção dos pecados pelo Seu sangue e fomos selados com o Espírito Santo. (Efésios 1:1-13)

Se o primeiro Adão era figura do segundo (5:14), precisamos ressaltar que a obra deste foi maior que a tragédia provocada pelo primeiro. A expressão muito mais repetida que duas vezes (5:15,17) indica que, em Jesus Cristo, ganhamos mais do que tudo que perdemos em Adão. A graça do segundo Adão é maior que o pecado do primeiro; onde abundou o pecado, superabundou a graça. (5:20)

Nossa união com Adão significou para nós o reinado do pecado (5:12-14,21) e o reinado da morte. (5:14,21) Todavia, a união com Cristo significa o reinado da graça. (5:15-21)

Às vezes, ouvimos algum cético perguntar se foi justo Deus condenar o mundo todo por causa da desobediência de um homem. A resposta, evidentemente, é que não apenas foi uma medida justa, mas também sábia e bondosa. Em primeiro lugar, se Deus tivesse testado cada ser humano, individualmente, o resultado teria sido o mesmo: desobediência. Mais importante, porém, é que, ao condenar toda a raça humana por meio de um só homem (Adão), Ele pôde, então, salvar toda a humanidade por meio de um só Homem (Jesus Cristo)! Cada um de nós encontra-se racialmente ligado a Adão, de modo que seu ato afeta-nos. (Hebreus 7:9 10 apresenta o exemplo do cabeça de uma raça)

Os anjos caídos não podem ser salvos, pois não constituem uma raça. Pecaram individualmente e foram julgados da mesma forma. Não podem ter um representante que tome sobre si o julgamento e que os salve. Mas, pelo fato de estarmos perdidos por associação a Adão, o cabeça da raça humana, podemos ser salvos por Cristo, o Cabeça da nova criação. Vemos, nesse plano, a bondade e a sabedoria de Deus.

Não podemos evitar a ligação com Adão, pois é uma consequência natural de nosso primeiro nascimento, sobre o qual não tivemos controle algum. No entanto, podemos fazer algo para não permanecer em Adão, pois temos a oportunidade de experimentar um segundo nascimento – o novo nascimento do alto, pelo qual somos ligados a Cristo. Por isso, Jesus disse: "todos vocês precisam nascer de novo". (João 3:7 NTLH)

 

CONCLUSÃO

O capitulo cinco de Romanos mostra de forma Deus amou os homens. Ele encontra-os pecadores, ímpios e indiferentes ao Seu propósito. Mas, mesmo assim, ama-os. Numa demonstração inimaginável de amor, justifica-os pela fé na pessoa bendita de Jesus Cristo e abençoa-os com todas as bênçãos espirituais.

No capítulo 5, o amor do Senhor parece romper todos os limites. Não é pelo que fazemos, mas pelo que Cristo fez por nós! Como disse certo autor, "Não há nada que eu possa fazer para Deus me amar mais, e não há nada que eu possa fazer para Ele me amar menos".