Texto de Estudo

 

Apocalipse 11:15:

15 E o sétimo anjo tocou a sua trombeta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: Os reinos do mundo vieram a ser de nosso SENHOR e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre.

 

INTRODUÇÃO

 

O capítulo 11 do livro do Apocalipse ainda faz parte do intervalo entre o toque da sexta e da sétima trombetas. Porém, avança um pouco e traz o resultado do toque da última. João desenrola mais uma parte enigmática dos últimos tempos. Somos informados sobre a medição do templo, acerca de ministério, morte, ressurreição, ascensão das duas testemunhas e o toque da sétima e última trombeta. Sem sombra de dúvidas, é um dos capítulos mais difíceis em termos de interpretação: ora o texto parece deixar bem claro a que contexto refere-se, ora permite ambiguidade ao leitor contemporâneo. Definitivamente, isso não extrai a importância do capítulo em relação ao livro todo. Mais uma vez, é revelado, de forma resumida, o que ocorrerá na Terra antes do retorno de Jesus e o impacto de sua volta no espaço, tempo e na vida das pessoas. Vejamos, em detalhes, a mensagem de Apocalipse 11 

 

A MEDIÇÃO DO TEMPLO

O capítulo começa com João recebendo a ordem para medir o Santuário de Deus. O “caniço” era uma espécie de vara de medir e, com ele, o profeta deveria medir o tamanho do santuário, do altar e dos adoradores. Precisaria deixar de fora o átrio exterior. Para o leitor que não está familiarizado com isso, é bom conferir textos bíblicos, como Êxodo 25 a 27 e 1 Reis 6 À parte de todos os detalhes de metragem relacionados ao “espaço sagrado”, basta saber que, na época de João, o templo  (ou o santuário) não era um lugar pelo qual qualquer um poderia transitar. Havia pátios reservados a sacerdotes, homens, mulheres judias e a gentios.  

Mas qual a razão para tal ordem? O que podemos entender de uma medição de tal local sagrado? A interpretação não é nada fácil, tendo em vista a forte linguagem simbólica. De imediato, parece que João fala do templo físico dos judeus em Jerusalém (quando este ainda estava de pé). Porém, se levarmos em consideração que escrevera o Apocalipse por volta da década de 90 d.C., então, esse templo não estava mais de pé. Contudo, isso não impõe dificuldade uma vez que João estaria valendo-se da memória do passado, usando um referencial conhecido de seus leitores. 

É difícil não pensar em Jerusalém quando é dito a João: “...calcarão aos pés a cidade santa” (v.2). Todavia, a ideia fica truncada quando a cidade onde as duas testemunhas são assassinadas é referida como a “grande cidade” (título mais comumente atribuído a Babilônia, que é o equivalente simbólico do Império Romano, conforme 14:8; 16:19; 17:18; 18:2) e “Sodoma e Egito” (v.8). Isso não é tudo. O relato das duas testemunhas é notável a todos os moradores da Terra (v. 9 e 10). 

Bem sabemos que a terra de Israel compreende um espaço geográfico pequeno. Fica claro que João tomou seu espaço étnico-geográfico como referência. Contudo, com o desenrolar do texto, ele transcende os limites de Israel. Essa elasticidade, ora dentro dos limites geográficos de Israel, ora fora, fornece-nos evidência de que não deveríamos interpretar esta passagem de forma literal. Outros analisam a ideia de que haverá um templo físico, ainda a ser reerguido, um pouco antes ou durante o regresso de Cristo.  Contudo, a interpretação adotada aqui será simbólica. 

Partimos do ponto de vista de que João considera os seus contextos cultural e religioso. Mas entende-se também que a aplicação ou o cumprimento de tudo que João viu e ouviu transcende seu tempo e sua cultura. Uma vez que o próprio se vale de uma interpretação “espiritual”, no versículo 8, acredita-se que o texto de Apocalipse 11:1 e 2 esteja atrelado a um sentido espiritual. Portanto, a ideia a ser extraída não deveria ser a de um edifício sagrado, literalmente. O santuário é tomado, portanto, como a base de operações do Reino de Deus. Lembremo-nos de que o Santuário Divino, na Terra, representa a própria presença de Deus entre os homens (Cf. Apocalipse 21:3). 

O referencial do espaço sagrado amarra nossa compreensão idearia de que a separação, pelo ponto de vista divino, segue o critério de “adoradores e não adoradores”, “santos e não santos”, “povo e não povo”. Ambos os tipos de pessoas conviverão em toda a parte da Terra, em todos os tempos. 

Outra questão interessante é esta: os adoradores que foram medidos seriam apenas judeus? Apesar de as promessas divinas estarem fortemente ligadas a esse povo (cf. Romanos 9:4-5), João trabalhava suas interpretações sob outro horizonte. Ele deixou claro que o povo comprado com o sangue do Cordeiro engloba a todos - “os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Apocalipse 5:10). E fez assim, pois a Antiga Aliança ganhara expansão dentro da Nova Aliança. 

É a igreja composta só de não judeus? Ou só de judeus? De acordo com o diálogo de Jesus com a mulher samaritana, em João 4 os verdadeiros adoradores, aqueles que adoram a Deus em espírito e em verdade, extrapolam os limites da raça, do espaço e tempo. O horizonte do cumprimento das profecias dá sinais claros de ser um horizonte móvel, em que todos estão englobados. Judeus e gentios (de todas as demais raças) formam um único corpo em Jesus, o Cristo de Deus! 

Voltando à nossa primeira questão: qual a razão para a ordem de medir? Uma interpretação mais coerente com o contexto do livro, e do próprio capítulo, aponta para uma forma de Deus proteger ou separar os seus. Ou seja, a ordem é para que as partes medidas não sejam atingidas pelo ataque a ser desferido pela besta que surge do abismo (v.7).  Vale lembrar que a ideia de medição não era algo estranho a João. Em Ezequiel 40 e em Zacarias 2:1-5, também se apela à medição.  Uma diferença, no entanto, é que nestas duas passagens proféticas seres celestiais é que a executam. Veja, pois, que importante papel João, o apóstolo, assume na visão do fim dos tempos! 

“...mas deixa de parte o átrio exterior do santuário e não o meças” (v.2). Por que não deveria medi-lo? O próprio versículo explica que tal parte está destinada ao trânsito dos gentios. Partindo de um pano de fundo estritamente judaico, o texto significa que aqueles que não eram considerados povo de Deus estariam fora da proteção divina. Os tais que “pisam a cidade santa” não têm compromisso com Deus. Mas será que somente os “não judeus” encaixar-se-iam nessa descrição? De acordo com Isaías 29:13 e com Mateus 15:8 e 9, a divisão entre os que adoram em espírito e em verdade parece não estar baseada na raça, mas num coração sincero e inteiro. Por isso, a confiança para a salvação não deve residir na raça, mas na fé em Jesus como enviado de Deus. 

“...por quarenta e dois meses”. Essa medida de tempo é simbólica. Não deve ser tomada como dias literais que seguem uma sequência cronológica. A extensão de tempo equivale aos mesmos 1.260 dias (Apocalipse 11:3) e aos “...um tempo, tempos e metade de um tempo” (Apocalipse 12:6-14). No Apocalipse, esse número é o tempo em que a cidade santa será oprimida (11.2), em que as duas testemunhas executarão sua missão (11.3), a mulher celestial (a Igreja) será preservada no deserto (12.6,14) e em que a besta tem permissão para exercer autoridade (13:5).  Vale lembrar que os números simbólicos encontram base em Daniel 7:25 e 9. Há também uma forte relação entre as medidas de tempo e o simbólico “três anos e meio”, derivados da interpretação de Daniel 9:25-27

Resumindo, isso implica em um indeterminado período. É um tempo em que Satanás tem êxito em seus planos, e a Igreja do Senhor é perseguida. Todavia, é limitado. Com bem disse Prigent, “...o período de perseguição não é um tempo em que Deus esquece o seu povo; pelo contrário, sua solicitude tomou o cuidado de só autorizar a provação durante uma metade de período” . 

 

AS DUAS TESTEMUNHAS

 

“Darei as minhas duas testemunhas que profetizem por mil duzentos e sessentas dias, vestidas de pano de saco. São estas as duas oliveiras e os dois candeeiros que se acham de pé diante do Senhor da Terra”. (v.3, 4) Mais uma vez, João traz os referenciais do Antigo Testamento para dar corpo à sua mensagem. 

Muito se tem discutido sobre a identidade das duas testemunhas, devido ao fato de a autoridade de uma delas estar atrelada ao “não chover”, e a da outra a “autoridade sobre as águas, para convertê-las em sangue” (v.6). E, aí, vem à mente os personagens históricos bíblicos, Elias e Moisés.  

Elias é tomado como o que representa os “Profetas”; e Moisés, o que representa a “Lei”. A mensagem profética tinha a ver com um chamado ao arrependimento e com um manter-se firme às promessas. Por isso que as duas testemunhas estão vestidas de pano de saco. Esse tecido é sinal de humilhação, contrição e representa uma atitude de luto. Como os últimos dias serão de trevas e de uma degeneração cada vez mais acentuada dos humanos, encaixa-se perfeitamente como veste. As testemunhas terão uma missão árdua.

João evoca outra parte do Antigo Testamento para se referir às testemunhas. Elas são as duas oliveiras e os dois candeeiros. Obviamente que isso tem ligação com a profecia de Zacarias 4:2-3. Porém, a diferença é que Zacarias faz menção a apenas um candeeiro ou candelabro. E, nele, a simbologia das duas oliveiras aplica-se a Josué, sumo sacerdote, e Zorobabel, Governador no período do retorno do cativeiro babilônico. Mas como isso se relaciona ao Apocalipse 11? Possivelmente, João transportou essas figuras do período pós-exílico, costurando-as ao fim dos tempos como uma forma de promover uma espécie de memória coletiva. João, e aqui se enquadra bem no perfil de um profeta, mostra aos santos de Deus que, assim como o Senhor manteve sua “luz” no passado para preservar a fé do povo de Israel, o mesmo acontecerá no futuro. É como se fosse uma releitura da profecia de Zacarias.  

Devemos ver as testemunhas como pessoas literais, que aparecerão nos últimos dias? Há teorias de interpretação que acham que sim. No entanto, por mais rico que sejam os detalhes contextuais dados por João, parece mais coerente a ideia de que as testemunhas devam ser tomadas como um “todo coletivo”. Levando em consideração que o apóstolo toma a ação de profetizar e de testemunhar como iguais nesta passagem, cabe englobarmos no papel das testemunhas a Igreja do Senhor Jesus, composta de todos os povos, tribos, línguas e nações! O espírito da profecia, ou seja, o agir do Espírito Santo na vida dos fiéis para adorar a Jesus, anunciá-lo e dar testemunho sobre ele repousa sobre a Igreja (Apocalipse 19:10). Lembremo-nos de que, no verso 4, João usa a metáfora do candeeiro como símbolo das igrejas (Apocalipse 1:20).  Portanto, as testemunhas são a representação da missão da Igreja até a segunda volta de Jesus. 

“Se alguém pretende causar-lhes dano, sai fogo da sua boca e devora os inimigos” (v.5). O ministério das duas testemunhas não pode ser impedido, uma vez que foram enviadas por Deus. Quem tentar causar-lhes dano, ou seja, impedir seus ministérios, irá se frustrar. A questão sobre sair fogo de suas bocas pode instigar o leitor a pensar em Elias. Mas, como estamos seguindo uma linha “simbólica-espiritual” de interpretação, o fogo é metafórico.  Assim como em Jeremias 5:14 a palavra das testemunhas, apesar de não termos acesso ao conteúdo em si, é irresistível. Isso não quer dizer que uma vez testificada haja conversão de 100% dos ouvintes. Sabe-se muito bem que o povo não se converteu com a pregação de Jeremias. E, em Apocalipse 11:10, diz-se que alguns habitantes da Terra sentiam-se atormentados com o testemunho das duas. 

Como podemos relacionar essa figuração toda à Igreja, que milita na Terra até a volta de Jesus? A resposta é que, mesmo que os inimigos de Deus já tenham, ao longo dos séculos, ferido fisicamente alguns membros do corpo de Cristo, jamais poderão extinguir, em definitivo, a tarefa proclamadora desse Corpo. Jesus mesmo disse que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja. Aliás, seu Corpo continua a crescer (Efésios 4:11-16). O mal provocado pelos inimigos pode ocorrer de forma mais astuta e engenhosa; pode corromper a Igreja de Cristo por dentro, por meio das vãs filosofias e falsas doutrinas (Veja algumas das cartas sobre as sete igrejas, no começo do Apocalipse). Todavia, neste texto de Apocalipse, é dito que, enquanto durar o tempo, que é simbólico, do ministério das duas testemunhas, ninguém poderá lhes impedir. 

 

O ASSASSINATO DAS DUAS TESTEMUNHAS

 

“Quando tiverem, então, concluído o testemunho que devem dar, a besta que surge do abismo pelejará contra elas, e as vencerá, e matará” (v.7). Quando a Igreja tiver cumprido sua missão, uma batalha apocalíptica será travada. E, assim como em Daniel 7:21 o inimigo prevalecerá. Jesus prenunciou esse dia em Mateus 24:15; e Paulo, em 2 Tesssalonicences 2:3-4. Somente no capítulo 20 João dá mais detalhes sobre a batalha final. Por momento, é-lhe apresentado um quadro mais sintético do fim que precederá o grande juízo. 

O que significa a morte das duas testemunhas? A Igreja será derrotada? O fato deve ser tomado em sentido simbólico. A linguagem de guerra utilizada é para reforçar a intensidade do conflito. A besta é um dos protagonistas que oferece resistência à obra de Deus. Muitas tentativas têm sido feitas para relacioná-la a algum personagem histórico, quer tenha representação política, quer seja religiosa. Isso tem se revelado bastante problemático. O dilema não é que somos impedidos de fazer qualquer correlação; a questão é que descarta o aspecto de “multicumprimento” embutido na figura escatológica. A besta é, em primeiro plano, uma personagem escatológica, na qual se concentrará a hostilidade de séculos contra Deus, manifestada na História das nações pagãs. Tal hostilidade, porém, em segundo plano, é antecipada por Roma e seu Imperador, como o fora por Antíoco Epifânio.  

“O seu cadáver ficará estirado na praça da grande cidade que, espiritualmente, chama-se Sodoma e Egito” (v.8).  Na cultura oriental, um corpo ficar insepulto é uma desonra. Esse detalhe só vem a dramatizar mais ainda o fim dos tempos em relação ao conflito envolvendo a Igreja e seus inimigos, sob a liderança da besta. A problemática do verso reside no local em que os corpos ficam estirados. É dito que a cidade chama-se, “espiritualmente”, Sodoma e Egito. Porém, na sequência, os leitores são informados de que ela é a mesma onde o Senhor das testemunhas fora crucificado. Os leitores de João sabiam que se tratava de Jerusalém. A controvérsia, porém, repousa sobre o apelido (ou epíteto) “Sodoma e Egito”. Em Jeremias 23:14 Judá é apelidada de Sodoma. Mas em nenhuma outra passagem bíblica encontramos o Egito tomado como paradigma do Israel desviado ou desobediente. 

Então, o que tudo quer dizer? Isso aponta para um possível entendimento de que ainda que as tensões entre Deus e seus inimigos tenham tido como palco principal a cidade de Jerusalém, os leitores atuais e os posteriores tomarão ciência de que a batalha já vem se desenrolando em outras partes do mundo, onde está plantada a Igreja de Jesus! É possível que outros eventos notórios passem pelas terras de Israel. O fato é que o título espiritual “Sodoma e Egito” não implica numa boa notícia para a Cidade Santa. Na realidade, é uma pintura grotesca de onde Jesus começou a pregar e a realizar sinais. Revela, portanto, que não somente os gentios comemorarão o fato de não ouvir mais a Palavra do testemunho, mas também os judeus. 

 

MORTE, RESSURREIÇÃO E ASCENSÃO DAS DUAS TESTEMUNHAS

Os versos 9 e 10 descrevem a alegria dos povos em consequência do fim da missão das testemunhas. João ouve que eles são muitos e de diversas etnias. O quadro parece perpassar a localização geográfica de Jerusalém. De fato, a cidade já havia sido palco de uma manifestação sobrenatural para povos de outras nacionalidades. Isso ocorreu no Pentecostes. 

Mas, tendo em vista a complexidade de um gênero como a apocalíptica, não é recomendável interpretar o texto literalmente. O prazo simbólico, mais uma vez, vem à tona. Os três dias e meio (cujo significado é o mesmo dos 42 meses) tem a ver com o período destinado àqueles que se alegraram com a ausência da pregação da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus Cristo. Ironicamente, os habitantes da Terra sentem um alívio, pois a Palavra - como fogo na boca do testemunho dado pela Igreja - revela as trevas do coração das pessoas. O nível de libertinagem é tão grande que João ouve sobre uma troca de presentes entre os povos. Isso também deve ser entendido simbolicamente. 

“Mas, depois de três dias e meio, um espírito de vida, vindo da parte de Deus, neles penetrou, e eles ergueram-se sobre os pés, e àqueles que os viram sobreveio grande medo” (v.11). A ressurreição de mortos não era algo estanho a João, mas a visão que ele tem é do futuro. Portanto, é bem possível que o ressurgimento das testemunhas refira-se à ressurreição futura dos santos, quando Cristo regressar (Cf. 1 Tessalonicenses 4:16-17). As testemunhas sobem aos céus da mesma forma que Jesus. Tomados de medo, os inimigos contemplam tal ascensão.

Depois da ascensão das duas testemunhas, um grande terremoto (fenômeno de comum utilização nas mensagens apocalípticas) destrói uma décima parte da cidade, e sete mil pessoas morreram. Temos um teor fortemente simbólico; a ideia é de que o juízo será completo, atingindo o propósito esperado.  É claro que fenômenos da natureza estarão envolvidos nos tempos do fim. O ponto é que não adianta prever que evento será... Quando chegar o fim, todos saberão, sem margem para especulação. Isso somou mais terror aos moradores da Terra, a ponto de darem glória a Deus do céu. Reação bem diferente da demonstrada pelas pessoas, em Apocalipse 9:21. Alguns estudiosos veem, neste ponto, o arrependimento por parte dos judeus. Mas fica difícil termos essa como uma interpretação final.

 

A SÉTIMA TROMBETA

A sétima trombeta desloca as cenas da Terra para o céu. João foi informado de que o segundo “ai” passou. Relembremos que ele faz parte de uma série de três, conforme Apocalipse 8:13. Curiosamente, com o soar da sétima trombeta, não aparecem mais flagelos e catástrofes sobre a humanidade. Se tomarmos por base o dois “ais” anteriores, então o terceiro seria uma espécie de clímax. E por que isso não acontece? George Ladd explica:

 

Quando o sétimo anjo tocou sua trombeta, o terceiro ai não sobreveio imediatamente. Este terceiro, na verdade, são os setes flagelos de 16:1-21. Novamente devemos nos lembrar do paralelismo literário na estrutura do Apocalipse. Cada um dos seis selos (6:1-17) tem um conteúdo específico. Depois dele, vem um interlúdio que mostra a segurança do povo de Deus nos últimos dias. O sétimo selo (8:1) não tem conteúdo em si; em seu lugar, João passa a descrever as sete trombetas (8:1 – 9:20). Fomos forçados a concluir que as sete trombetas constituem o sétimo selo. Da mesma maneira, a sétima trombeta, que é o terceiro ai, não contém praga ou maldição; temos de concluir que os sete flagelos constituem o ai da sétima trombeta.  

 

“O sétimo anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes vozes, dizendo: o reino do mundo tornou-se de nosso Senhor e do seu Cristo; ele reinará pelos séculos dos séculos” (v.15). O que há, do verso 15 ao 18, são dois poemas ou hinos de vitória prestados a um soberano. Mesmo sem identificação, é possível que as vozes que rendem o louvor a Deus e a Jesus Cristo sejam a dos quatro seres viventes (4:7-8). Quando João ouve “...o reino do mundo tornou-se”, não quer dizer que somente na batalha final é que Deus passará a ter domínio sobre o mundo criado. A questão é que Satanás, desde o princípio, agia com certa liberdade, sem impedimento. Mas, ao ser entoado tal hino, mostra-se que, enfim, o diabo e suas hostes foram derrotados. 

 

O CÂNTICO DOS 24 ANCIÃOS

O hino dos 24 anciãos ganha contornos de Ação de Graças. A vitória de Deus está consumada! O livro de Apocalipse é bem surpreendente, pois as cenas narradas abordam o futuro, o dia da vitória de Deus. Porém, são contadas como se já tivessem acontecido! Por isso, no hino, é dito que o Senhor é o “que és e que eras” (v.16). 

Por que a cláusula “que há de vir” não está presente, como em 1:4,8 e em 4:8? Porque aquele que era esperado, enfim, veio! 

O verso 18 ecoa o Salmos 2 A razão para a fúria dos povos está ligada à perda do domínio que tinham. O tempo é chegado; o tempo para o acerto de contas. É hora de dar a cada um segundo suas obras. Duas finalidades ficam bem claras no julgamento: 

a) “para se dar o galardão... aos profetas, aos santos e aos que temem teu nome, tanto aos pequenos como aos grandes...”. Parece que uma hierarquia de servos de Deus sobressai. Contudo, isso não deve ser levado ao extremo, pois as recompensas são com base na vontade do Senhor; e, não, nos méritos de seus servos. Os 24 anciãos estão enfatizando apenas a variedade de participantes na obra de Deus, tanto os servos do passado como os da época de João. E, ainda que não tivessem os mesmos dons, seriam recompensados. Ideia muito similar é apresentada por Jesus, em João 4:35-38: “outros trabalharam, e vós entrastes no seu trabalho” (v.38); 

b) “para destruíres os que destroem a Terra”. Eis a segunda razão para o julgamento, segundo o cântico. O tema da injustiça ou da impunidade sempre acompanhou o homem, em diversas épocas. Do ponto de vista humano, pareceu contraditório sustentar a verdade de que Deus é bom e justo ao mesmo tempo. No entanto, o final deste verso mostra que ele é bom, pois sacia a sede de justiça dos justos; e é justo, porque pune a maldade dos maus. 

“Abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu, e foi vista a arca da Aliança no seu santuário” (v.19). Os 24 anciãos silenciam, e João passa a descrever o que lhe foi mostrado. A visão culmina com o interior do tabernáculo; o local funciona como uma espécie de modelo da sala de governo de Deus. Como a revelação e a aliança foram dirigidas primeiramente aos judeus, é compreensível a utilização de tais referenciais judaicos. 

A construção do tabernáculo sob a liderança de Moisés deu-se segundo um modelo dado por Deus (Êx 25:9). Todavia, isso não nos força a entender a passagem literalmente. Perceba que nem toda a mobília do santuário é mencionada, mas somente a arca assume destaque. E por quê? Ela representa a Aliança de Deus com seu povo, por meio dos Dez Mandamentos! É notório o fato de que a arca podia ser vista, pois uma cortina separava o ambiente “Santo” do “Santo dos Santos”. É a revelação da mais íntima vontade de Deus. 

Não se sabe o que aconteceu com essa arca. Muita especulação foi gerada na tentativa de esclarecer seu sumiço. George Ladd diz que não se sabe se Sisaque, rei do Egito, levou-a quando tomou os tesouros da casa do Senhor (1 Reis 14:26), ou se foi destruída pelos babilônios ao conquistarem Judá, na época de Jeremias (Inclusive parece haver uma ordem divina para não se fazer outra, Jeremias 3:16). Mas, de acordo com uma lenda judaica, baseada num livro que não foi adicionado à Bíblia de linha protestante (2 Macabeus 2.4-8), Jeremias teria salvado a arca, escondendo-a no Sinai, onde seria preservada até a restauração final de Israel. 

Outra pista para não entendermos essa visão como algo literal reside na fala de João, em Apocalipse 21:22. Entenda o que ele faz: assimila o Senhor Deus com o próprio santuário. Alguns poderão alegar que o apóstolo não viu o santuário na Terra. Mas, em 11.19, o santuário é celestial. De fato, as cenas mudam de lugar. Porém, não podemos nos desvencilhar do fato de que a revelação vem a João com base em seu arsenal cultural. Os elementos da Antiga Aliança funcionaram como sombras. A realidade é Cristo. Somente o último dia revelará as coisas como realmente são! 

O capítulo 11 é encerrado com os mesmos fenômenos típicos que caracterizaram a entrega dos Dez Mandamentos no Monte Sinai. É a marca registrada de Deus para gerar temor e tremor. 

 

CONCLUSÃO

O capítulo 11 conjugou cenas da Terra e do céu. Em mais uma rodada de revelação, João é chamado para participar de uma medição que pode ser interpretada como a separação/proteção entre os santos de Deus e os ímpios. A tônica do capítulo tende a nos conduzir para o último dia. Porém, devido à riqueza simbólica do livro, a “medição” transcende o último dia, pois este será o ponto alto. Isto é, a separação já vem acontecendo no transcorrer do programa divino de redenção na História. Ao mesmo tempo em que fomos chamados a atenção para o fato de que Deus está fazendo uma separação (medição), ele também faz uma integração. A mensagem do Novo Testamento é clara sobre isso. A Igreja amplia a conceito de povo de Deus. A Igreja é o edifício que Jesus fundamentou e construiu na Nova Aliança. Ela é composta de pessoas de todas as raças; por isso, seu testemunho tem contornos globais. 

E quanto ao fim? O fim será marcado pela vitória de Deus. A paz, enfim, reinará. E apreciaremos, em “primeira mão”, os hinos que aqui foram descritos. Mantenha-se firme, pois o dia da vitória aproxima-se!