Texto de Estudo

Êxodo 20:12:

12 Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá.

 

INTRODUÇÃO

Família é algo que está no projeto eterno de Deus, desde o princípio. Inclusive, pode-se perceber que o plano do Criador é tornar-nos uma grande unidade familiar, composta por toda a humanidade. Todos os salvos são irmãos e, consequentemente, filhos de um mesmo Pai, pela obra redentora do Filho e pela ação regeneradora do Espírito Santo.

Algo tão bonito e tão profundo é iniciado de modo simples na ambiência de um jardim, um espaço de harmonia, de equilíbrio e de igualdade, no qual as próprias espécies que ali habitavam compartilhavam dos bens oferecidos sem que houvesse privilégio de um ser em detrimento de outro. Nesse contexto, surge o primeiro casal, a primeira matriz familiar humana, esculpida conforme a imagem e semelhança do Deus Eterno. Seriam o primeiro pai e a primeira mãe, extensões do processo criativo, arquétipos de todos os outros casais que viriam e que cumpririam o mandato cultural de encherem a terra, multiplicarem-se, dominarem sobre as demais espécies de modo justo e harmonioso... Todavia, isso ocorreu de modo falho por conta da queda humana, que se estendeu a toda a criação.

Porém, o Deus Todo-Poderoso por seu amor já havia providenciado o plano de redenção, desde a fundação do mundo, e seguiu orquestrando a história humana, a fim de que seu projeto de salvação fosse se desenvolvendo até que chegasse à consumação de tudo. Acerca da ação redentora de Deus, temos acesso, pela revelação das Escrituras, que mostram as alianças que o Senhor estabelecia, de tempos em tempos, com homens como Noé, Abraão, Jacó e Moisés, este último tendo sido o organizador da nação israelita, a qual deveria ser modelo de comunidade para todos os povos e que, tendo passado cerca de 430 anos sob um severo regime de escravidão no Egito, necessitava, depois da libertação, de um código de Leis morais que representassem a vontade de Deus para tornar-se o povo que deveria ser.

 

O PRINCÍPIO DA HONRA

Dentre as Leis primeiramente trazidas por Moisés ao povo, escritas em tábuas de pedra pelo dedo de Deus, encontrava-se aquela que se referia de modo mais estrito à estrutura familiar, aos laços que o Senhor desejava (e deseja!) que existam de modo intenso e saudável em uma família, a saber, o mandamento referente à honra aos pais: “Honra teu pai e tua mãe”. 

O verbo hebraico “honrar” (kabed) está diretamente relacionado ao substantivo traduzido tanto como honra quanto como glória , dando o sentido de respeito e reverência aos pais. A honra é um conceito tomado em altíssima conta entre os orientais, tanto que pouco se usa a palavra no cotidiano ocidental e, principalmente, na atualidade. Esse valor ainda é muito cultuado em sociedades como a japonesa, nas quais as questões ligadas a esse aspecto são tão sérias que, por vezes, levam ao suicídio .

Honrar, no original hebraico, está ligado ao vocábulo peso que deve ser entendido em seu sentido figurado, ou seja, indicando importância, valor. Assim o filho deve dar aos pais o devido “peso” de reverência, de atenção e de respeito. Na época do êxodo, possuía uma conotação bastante rigorosa e foi incluída no Decálogo, assim como as outras Leis, com o intuito de manter os laços do povo com seu Criador e com o próximo, ou seja, era uma espécie de cabresto que Paulo chamou também de Aio (Gálatas 3:24), um condutor, na medida em que se tratava de um povo que vinha de 430 anos de escravidão em terra estranha e que iria empreender uma viagem de 40 anos para chegar à terra prometida . 

A letra dessa Lei foi dada como forma de orientar e de conter os ímpetos pecaminosos do povo que, se atendido, destruir-se-ia pelo caminho, assim como realmente ocorreu com a esmagadora maioria das pessoas que saíram do Egito e morreram sem entrar na terra da promessa. O mandamento ensina-nos que a honra aos pais não deve ser como imposição ou obrigação, mas como fruto de uma vida renovada em Cristo; fruto de uma conversão e da atuação do Santo Espírito, o qual, como chuva sobre a semente, rega a Palavra de Deus, em nós implantada, e faz surgir um novo ser que, sem dúvida alguma, andará conforme a vontade do Pai, honrando seu pai e sua mãe.  

O Catecismo de Heidelberg explica, com próprias palavras, o que o quinto mandamento significa: “Que eu tribute honra, amor e fidelidade ao meu pai, à minha mãe e a todos os que foram colocados em autoridade sobre mim; que me submeta com respeitosa obediência a toda cuidadosa instrução e disciplina deles; e que também suporte com paciência suas falhas, pois que é da vontade de Deus governar-nos pelas mãos deles .”

 

A NATUREZA CORROMPIDA, AS TRADIÇÕES 

E O EXEMPLO DE JESUS

Nos escritos neotestamentários, percebemos uma ratificação do princípio presente no quinto mandamento, tanto pela fala de Jesus como de seus apóstolos. Paulo falou a Timóteo, afirmando que, nos últimos dias, haveria tempos difíceis por conta de um caráter maligno manifesto no homem que, dentre outras características, seria um desobediente aos pais. Acrescentou o fato de que aquele que não cuida dos seus, nega a fé e é pior do que o infiel. (1 Timóteo 5:8; 2 Timóteo 3:2) Jesus, no evangelho de Marcos, ao repreender duramente os fariseus, relembrou-os de uma tradição por eles obedecida como forma de livrarem-se da condição de mantenedores dos pais, quando estes estivessem em idade avançada (Marcos 7:7-11). Corbã foi o termo cunhado para definir tal prática, que consistia em encaminhar uma oferta ao “Senhor” (na verdade, ao templo); assim, o sujeito considerava-se livre da responsabilidade para com seus pais. Um verdadeiro absurdo que Jesus não deixou passar em branco, afirmando que estavam abandonando, deliberadamente, os princípios estabelecidos por Deus eterno, e abraçando preceitos de homens. E isso porque tal atitude era conveniente ao homem.

É muito conhecida a história narrada em Lucas 2 na qual Jesus, então com 12 anos, foi a Jerusalém a fim de participar das festas. No decorrer dos dias, separa-se da companhia de seus pais, tendo sido achado, três dias depois, ante a angústia de Maria, que indagou a respeito da situação, com aquele lamento característico de uma mãe preocupada. Ora, Jesus já tinha consciência de quem era e do que viera realizar neste mundo, a saber, cuidar dos negócios de seu Pai e, por isso, mantivera-se no templo, não porque fosse a casa do Pai, mas porque ali ele começava a demonstrar a Verdade trazida dentro de si diante daqueles que “comandavam” o templo; portanto, o sistema religioso da época. Embora as questões fossem assim, Lucas narrou que Jesus voltou com eles e foi-lhes submisso, ou seja, nunca houve de sua parte uma atitude que inferiorizasse José ou Maria. Mesmo quando disse “mulher, que tenho eu contigo, ainda não é chegada a minha hora” (João 2:4), não havia um ato de desonra, mas um simples uso de uma expressão corriqueira de sua cultura, além do fato de que Jesus começava a demarcar sua missão e ministério.

Além do mais, honrar traz uma conotação diferenciada em relação ao obedecer; vai mais à frente, pois é possível afirmar, ainda que com muita cautela, que o discípulo de Cristo está sujeito a situações em que terá de desobedecer a seus pais, caso se tenha uma ordem claramente contrária ao caminho do evangelho. E, ainda assim, é possível fazer isso sem desonrá-los, na medida em que honrar também pode ser entendido como melhorar aquilo que se recebeu dos pais em si mesmo. Jesus honrou o Pai, não somente por obediência, mas por tornar-se aquilo que nascera para ser e exercer. Ele cumpriu, cabalmente, sua missão e, assim, honrou profundamente a Deus.

O que ocorre quando um filho enche-se de Deus valendo-se do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, sendo plenificado pela obra do Espírito Santo, é que isso produzirá uma vida da qual fluirá um rio de águas vivas, uma nova criatura, um cidadão do reino de Deus, alguém que encontrou o sentido da existência, sendo discípulo do Verbo da Vida e tornando-se o ser humano planejado pelo criador. Tudo se traduz em honra aos que o cercam e, de forma especial, aos pais que foram os veículos usados por Deus a fim de trazer a existência um “ser”, no caso, os filhos.

 

UM POUCO DO OUTRO LADO DA QUESTÃO

Além de falar da responsabilidade dos filhos, a Palavra de Deus não deixa de mencionar o papel importantíssimo dos pais nesse processo. Não que tudo deva recair sobre as atitudes paternas, pois é sabido que, ainda que fosse possível haver pais que agissem perfeitamente com os filhos, mesmo assim não haveria garantia de que estes se tornariam pessoas de bem, cidadãos conscientes e discípulos de Jesus. Porém, é inegável o fato de que existe uma grande parcela de contribuição na forma como os pais lidam com seus filhos no que diz respeito à formação deles e, consequentemente, à maneira como atuarão na vida. Por isso, o apóstolo Paulo afirmou, juntamente à ordem aos filhos de que obedecessem aos pais, que estes últimos não irritassem os filhos a ponto de provocar-lhes a ira. (Colossenses 3:20-21).

Ora, é claro que é impossível educar filhos sem frustrá-los, sem deixá-los irritados (no sentido de insatisfeitos, por não terem uma determinada vontade prontamente atendida), mas a questão refere-se a uma atitude paterna renitente e sem propósito, fruto de uma vida não resolvida, cheia de ansiedade e de preocupações com as questões deste mundo e que acabam desaguando nos filhos sob a forma de comportamentos opressivos e injustos, levando-os ao desânimo. Isso irá incidir inclusive na capacidade de este filho honrar seus pais.

Importante também que se diga que, apesar da questão tão difundida dos possíveis “traumas” que seriam infligidos aos filhos, a Palavra de Cristo e a ação do Espírito Santo, que renova o homem, trazem o recurso necessário à construção de uma nova consciência, de tal maneira que ocorre um processo de fortalecimento e de ressignificação da vida, dando ao ser humano salvo em Cristo a condição de olhar com amor e honra para seus pais, ainda que estes lhes tenham trazido prejuízos em sua história de vida e no desenvolvimento emocional.

 

MANDAMENTO COM PROMESSA

Sobre o contexto histórico imediato em que foi dado o quinto mandamento, é importante salientar que os egípcios, que influenciaram religiosamente os israelitas durante 400 anos, enfatizavam a questão da “honra x promessa”, ameaçando os filhos que fossem desobedientes aos pais, amaldiçoando-os a uma vida má pós-túmulo. Nota-se que, enquanto os egípcios prometiam uma vida boa ou má para os filhos, apenas após sua morte, o código divino prometia uma vida boa, longa e abençoada neste mundo .

Paulo, tratando do assunto, foi claro ao lembrar aos Leitores que a honra devida aos pais é o primeiro mandamento vinculado a uma promessa (Efésios 6:1-2). O texto fala de prolongamento de dias, de vida longa, termo que pode ser entendido, literalmente, como longevidade mesmo. Ou, de forma qualitativa, como vida equilibrada, cheia de sentido e de propósito, na medida em que aquele que honra está exatamente no lugar existencial onde deveria estar, cumprindo o propósito de sua existência nesta peregrinação. 

Construir uma sociedade na qual a velhice ocupe lugar de honra é esperar, confiantemente, na ideia de desfrutar do mesmo lugar, algum dia. Essa doutrina não é muito popular em nossos dias, pois a juventude é adorada; e a velhice, temida ou desprezada. O resultado é a alienação, que leva homens e mulheres a lutarem por permanecerem eternamente jovens, descobrindo ser isso impossível .

Ainda que a promessa tenha sido lembrada, certamente é muito mais consistente e profunda a atitude de um filho que, por consciência movida pelo Espírito de Deus, age de tal maneira a honrar os pais. Isto é, não se trata de uma atitude motivada pelo interesse na promessa, mas de um agir originado pela regeneração provida pelo Pai, por meio de sua graça, que nos educa para que sejamos sensatos, justos e piedosos, conforme está em sua Palavra (Tito 2:11-12).

É muito importante que o ser humano entenda que Deus, por sua graça, concede-nos a condição de sermos assim, pessoas com um novo modo de vida. Dentro disso, está a ação de honrar os pais. Ou seja, não devemos fazê-lo por força própria, ou pensando na recompensa. E, sim, movidos pela ação divina, que promove o nascer do alto, fazendo-nos deixar de ser insensatos, injustos e ímpios, tal como nascemos, e tornando-nos pessoas reconciliadas consigo, com Deus e com o próximo. A sensatez está relacionada à correção da relação consigo; a piedade, ao relacionamento com Deus; e o ser justo, com a cura das relações com o próximo. Ou seja, honrar os pais é uma questão de justiça. Injustos não possuem capacidade para travarem relacionamentos saudáveis com o outro e, por isso, necessitam da ação graciosa e sobrenatural de Deus a fim de que, tornados justos pelo sangue de Cristo, venham a vencer o egoísmo, a vida autocentrada e autossuficiente para, assim, voltarem-se para o próximo, dando prosseguimento a esse processo pelo alimento que mantém a vida do justo, conforme o escrito: a fé é desenvolvida pelo constante contato com a Palavra da Vida (Rm1:17). Ora, quem é tornado justo e volta-se desse modo para o próximo, muito mais se voltará a seus pais, obedecendo-lhes e, acima de tudo, honrando-os como fruto da salvação que se apresentou e atuou no ser. 

 

CONCLUSÃO

É preciso que se lembre do fato de que os mandamentos não foram, necessariamente, dirigidos a crianças como o imaginário social costuma pensar. Ali havia uma comunidade de homens e de mulheres que acabava de sair de um longo processo de escravidão; portanto, necessitavam administrar a nova vida marcada pela liberdade.

Essa liberdade é obviamente acompanhada de princípios, de responsabilidade, sem o que a comunidade iria se desagregar e, por fim, seria levada à extinção. É preciso que se tenha em mente, portanto, que os mandamentos que o Senhor comunicou a esse povo não eram uma forma de demonstração de poder de um Deus tirano que se satisfazia em ver suas ordens cumpridas e a autoridade reconhecida. Vinham de um Deus de amor que, acima de tudo, é Pai. Assim, proveu um código que manteria aquele povo existindo, comunitariamente, até que se tornasse a nação da qual viria o Messias prometido, o maior presente do Pai, a quem devemos honrar em amor por tudo que somos. Precisamos canalizar essa honra àqueles a quem o Deus eterno escolheu para serem veículos, a fim de que viéssemos a esta vida e, ainda que não tenham exercido seus papéis de maneira correta, não devem ser desonrados.

 

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