Texto de Estudo

Mateus 6:1:

1 GUARDAI-VOS de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus.

 

INTRODUÇÃO

Jesus acabara de descrever padrões incrivelmente altos de comportamento exigidos daqueles que desejam ser seus discípulos. No versículo 20 do capítulo anterior, ele disse a seus discípulos que a justiça deles deveria exceder a dos fariseus e mestres da Lei de seu tempo. Em seguida, começando no versículo 21 até o versículo 48, Jesus deu seis exemplos de como os rabinos tinham mudado a Lei para atender a si mesmos. Em nosso Estudo da Semana de hoje, veremos que, em se tratando de piedade ou devoção religiosa, os cristãos não devem se acomodar nem com o tipo hipócrita dos fariseus nem com o formalismo mecânico dos pagãos. A piedade cristã deve destacar-se, acima de tudo, pela realidade, pela sinceridade dos filhos de Deus que vivem na presença de seu Pai celestial. 

 

A QUESTÃO DA MOTIVAÇÃO

Continuando o seu sermão, o Senhor Jesus passa a lidar com a motivação com que se realiza a devoção religiosa. Ele declara que mesmo o que é correto pode ser feito pelos motivos errados. O motivo de as pessoas fazerem coisas boas pode não ser tão óbvio quanto pensamos.

Há algum tempo, li uma história sobre vândalos que derrubaram seis enormes palmeiras imperiais ao longo de uma grande avenida em Miami. O prefeito da cidade estava ponderando sobre como, ou quem, pagaria para poder substituir as palmeiras. Mas, então, alguém doou seis palmeiras ainda maiores do que as primeiras. As palmeiras antigas tinham cinco metros de altura e em uma delas havia um outdoor que dizia: “Voe alto. Voe Delta Airlines”. As novas palmeiras tinham mais de 11 metros de altura, com outro outdoor que trazia a seguinte frase: “Voe ainda mais alto. Voe Eastern Airlines”. 

Para enfatizar seu ensino sobre a motivação correta, Jesus usou como exemplos as três mais importantes manifestações de devoção na prática religiosa judaica: doação, oração e jejum. Nenhuma delas era novidade para seus ouvintes. A lei de Moisés não deixou dúvidas quanto ao cuidado de Deus pelos pobres. Providências especiais foram tomadas quanto às suas necessidades (Êx 23:11; Levíticos 19:9-10). Foi concedida uma bênção àqueles que se lembrassem deles (Salmos 41:1-3) e uma maldição sobre os que não o fizessem (Provérbios 21:13). Entretanto, doar aos pobres, como todas as outras expressões de devoção a Deus, pode azedar-se por um motivo perverso. A ausência de um coração voltado para Deus, naquilo que fazemos para outros, polui tudo.

O motivo pelo qual fazemos algo continua sendo muito importante em nossos dias, especialmente quando há alguns que ensinam que a prosperidade material é uma demonstração da graça de Deus, ou outros que pregam uma salvação pelas obras. Deus quer que demos esmolas, que oremos e jejuemos, mas quer que façamos isso pelas razões certas. Os que querem ser discípulos de Jesus devem praticar sua religião com o coração, não para serem vistos e recompensados pelos homens.

Jesus introduz o assunto, declarando: “Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus” (v. 1). O princípio estabelecido por ele é “tenha cuidado para não fazer o que é correto pelos motivos errados”. O preceito básico é encontrado na palavra traduzida por “guardai-vos” (RA), ou “tenha cuidado” (NVI). Esse termo, no original, não só mostra um imperativo, mas também, estando escrito no tempo presente, denota que os discípulos deveriam estar constantemente atentos contra fazer boas ações pelo motivo errado.  As palavras de Jesus aqui são absolutas. Ele está dizendo: “Qualquer um que faz uma boa ação, de modo a ser visto e apreciado por outros, perderá sua recompensa, não importa o quão ‘boa’ e ‘benéfica’ seja a ação. Absolutamente sem exceções!” 

A pergunta que devemos fazer a nós mesmos é: “Busco a aprovação de Deus ou dos outros?” A dura verdade é que é praticamente impossível ter as duas. Jesus lida com a tendência humana em cada um de nós que deseja a aprovação dos outros. Isso é visto no verso 1, na expressão “para serem vistos por eles”, que é a tradução do grego theathenai, da qual se origina a palavra “teatro”. Jesus tem em mente um espetáculo a ser visto.

 

O MOTIVO ERRADO

Por ser a motivação algo extremamente importante no campo espiritual, Jesus adverte seus discípulos a estarem atentos, a não tentarem servir a Deus como os fariseus tentaram servi-lo: “Guardai-vos…”. O verbo grego prosechō significa manter a mente ou os olhos fixos em alguma coisa. Como um termo marítimo, significa manter o navio em curso e, portanto, significa prestar muita atenção, ter cuidado.

Jesus enfoca a motivação errada para dar esmolas, dizendo: “Portanto, quando você der esmola, não anuncie isso com trombetas, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem honrados pelos outros” (v. 2, NVI). Perceba a declaração: “Portanto, quando você der esmola”. De fato na discussão sobre as três áreas, mencionadas anteriormente, Jesus não começa com “Se você der esmola, orar, jejuar, então você deve proceder assim...”; pelo contrário, ele diz: “Quando você fizer isso ou aquilo…”. Ele tem por certo que seus seguidores atenderão seus pedidos.

Uma fome voraz pelo louvor dos homens era o pecado habitual dos fariseus. “Vós... aceitais glória uns dos outros” (Lucas 6:35-36), Jesus lhes disse, “e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único” (João 5:44). Tão insaciável era o apetite deles pelos elogios humanos que isso prejudicava totalmente suas esmolas. Jesus ridicularizou o modo como eles as transformavam num acontecimento público. Ele descreve um fariseu pomposo a caminho do templo ou da sinagoga, onde vai depositar o seu dinheiro numa caixa especial, ou indo levar uma esmola aos pobres. Na sua frente, marcham os tocadores de trombeta, rapidamente atraindo a multidão com seus sons. Eles assim o faziam para chamar a atenção dos pobres. É lógico que desculpas nunca faltam; mas era perfeitamente óbvio que buscavam os aplausos e os elogios. Realmente não importa se os fariseus às vezes agiam assim literalmente, ou se Jesus estava pintando uma caricatura engraçada. De qualquer forma, ele estava condenando a nossa ansiedade infantil de sermos grandemente estimados pelos homens.  Isto nos diz que, como cristãos, devemos estar atentos contra a tentação de mostrar a nossa capacidade espiritual, realizações e produção.

A palavra “hipócrita” carrega o sentido de usar uma máscara, como os gregos faziam em suas peças teatrais, onde usavam máscaras para denotar sorriso, ira, raiva, severidade, por exemplo. Quando os fariseus tocavam as trombetas, diziam que era para chamar os pobres, mas Jesus via por trás da máscara. A real razão era para chamar a atenção para eles mesmos! Eles desejavam o reconhecimento e o aplauso humanos. Queriam ser prestigiados e honrados como homens de Deus. Entretanto, Deus não se comove com atos religiosos destinados a impressioná-lo.

No verso 3 Jesus usa uma figura de linguagem, ao dizer: “Mas quando você der esmola, que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita” (NVI). A mão direita é normalmente a mão da atividade. Assim, Jesus presume que vamos usá-la ao dar a nossa esmola. Então, ele acrescenta que a nossa mão esquerda não deve ficar olhando. Não é difícil captar o significado. Não só não devemos contar a outras pessoas sobre a nossa contribuição cristã, mas também, num certo sentido, não devemos sequer contar a nós mesmos. Não devemos ser autoconscientes da nossa esmola, pois essa atitude rapidamente deteriora-se em justiça própria. Tão sutil é a injustiça do coração que é possível tomarmos passos deliberados para manter nossa esmola em segredo, e, simultaneamente, ficarmos pensando nisso com um espírito de autogratificação. 

Se uma pessoa representa um papel religiosamente, para ganhar o louvor dos homens, pode ter sucesso, mas esse louvor é o máximo que ela pode esperar. Quando o Senhor diz que “eles já receberam sua plena recompensa” (NVI), usa uma terminologia comercial para indicar que eles haviam recebido o pagamento completo. Ele indica que a honra e os aplausos humanos seriam a única recompensa deles. Em outras palavras, eles podem ter a aprovação de Deus ou o aplauso dos outros. Se escolhermos o aplauso dos outros, então os aplausos se tornam a nossa recompensa. No entanto, o que importa não é se algo é feito em um lugar público ou não, mas sim a motivação pela qual o ato é praticado. 

Não há nada que mais envenene o manancial da verdadeira bondade para com os outros do que procurarmos, ao mesmo tempo, nossos fins em cada ato de bondade. Isso custa ao que o pratica todo o sentido de integridade e paz da consciência, sem falar em toda a recompensa de Deus. Mas lembre-se de que tal hipocrisia é sutil, prendendo nossos corações quando menos o pretendemos ou o esperamos.

Saiba que boas obras feitas com o intuito de notoriedade pública não contarão diante de Deus, nosso Pai Celeste. Ele não recompensará você por esse tipo de “boa ação”. Sempre que você estiver agindo para aliviar as necessidades dos pobres e desafortunados, e você sentir certa satisfação consigo mesmo, ou um desejo de que outros saibam quão nobre você é, preste atenção e você ouvirá o clamor das trombetas tocando. 

 

A MOTIVAÇÃO CORRETA

Há uma motivação correta para o ato de dar. Jesus disse: “Mas quando você der esmola, que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita, de forma que você preste a sua ajuda em segredo. E seu Pai, que vê o que é feito em segredo, o recompensará” (Mateus 6:3-4, NVI). Deixar de anunciar nossas boas ações aos outros ataca o problema, porém, de forma incompleta. O pregador e escritor cristão do século IV João Crisóstomo declarou certa vez: “Podeis praticar boas ações diante dos homens e, entretanto, não procurar o louvor humano; podeis praticá-las em segredo e, entretanto, em vosso coração, desejar que elas possam vir a ser conhecidas, para ganhar esse louvor”.

É por esta razão que Jesus dá a segunda ordem: não a anuncie a si mesmo! Este é o ponto da metáfora do Senhor sobre as mãos. Nosso dar tem que ser totalmente sem autoconsciência, sem qualquer pensamento em algum crédito que seja lançado em nossa conta com os outros. Não devemos manter a conta (Mateus 25:37). Deus é quem fará isso!

O orador romano Marcus Aurélio disse em certa ocasião: “Fulano, quando presta favor a alguém, dispõe-se a cobrar-lhe a gratidão. Sicrano não se dispõe a agir assim, mas lá consigo o imagina um devedor e sabe o que fez. Beltrano, de certo modo, nem sabe o que fez; é semelhante à videira, que deu uva e, uma vez produzido o fruto que lhe compete, nada mais indaga; como o cavalo que correu, o cão que rastreou, a abelha que melificou. Um homem, depois de praticar uma boa ação, não a puxa para si, mas volta-se para outra, como a videira se volta para de novo dar uva na estação”.

Uma recompensa é prometida àqueles que praticam atos de misericórdia, oração e jejum em secreto (v. 4, 6, 18). Entretanto, quando Jesus fala das sinagogas e ruas como sendo lugares populares para o exercício da generosidade hipócrita, ele não está dizendo que esses locais sejam impróprios para mostrar compaixão. Afinal, era justamente nesses locais muito frequentados que os mendigos procuravam ajuda (cf. João 9:1-8; Atos dos Apóstolos 3:2). A advertência deve ser interpretada segundo o seu contexto. O próprio Senhor Jesus praticou publicamente atos de misericórdia, orou e jejuou. Ele está antes atacando a disposição vangloriosa de alguns a representar exclusivamente em público. Portanto, a privacidade é prescrita para a pessoa cuja tentação é representar teatralmente diante dos outros.

Há, porém, uma forma mais sutil e perigosa desta moléstia do ego: a vontade de dar esmolas em esquinas quietas e anunciar isso mais tarde, de maneira bem descuidada. É sempre tão fácil, quando falando compassivamente das necessidades dos outros, mencionar sempre de forma despreocupada o que fizemos por eles. Fazer o bem em segredo pode se tornar uma obsessão tão hipócrita e egoísta quanto exibir abertamente a sua religiosidade.

Jesus nos adverte, em termos nada ambíguos, para mantermos a boca fechada sobre o assunto, contentes porque nosso Pai sabe, e ele mesmo nos recompensará (v. 4). A promessa de recompensa é por si mesma uma bênção e um perigo. O genuíno ato de misericórdia traz consigo a sua recompensa, mas a recompensa é proporcional ao desinteresse que a pessoa tenha de recebê-la. Jesus disse que aqueles que receberam as maiores recompensas no juízo nem haviam percebido que se haviam empenhado em serviço meritório (Mateus 35:37-46). 

Devoção a Deus consiste em praticar a justiça no dia a dia. É fazer as atividades da vida de forma a servir, honrar e glorificar a Deus, não motivado pelo aplauso e pela aprovação da multidão. Procure agradar a Deus, deseje fervorosamente a aprovação dele e você certamente receberá um precioso tesouro no céu. 

 

CONCLUSÃO

Os cidadãos do Reino de Deus são pessoas que dão com uma visão de compartilhar o amor de Deus. Nossa atitude de dar esmolas, ajudar os necessitados, vai além de razões humanitárias. Isso por si só é bom, mas nós, cristãos, estendemos também o convite para outros se aproximarem de Cristo (cf. 2 Coríntios 9:1-15).

Jesus nos desafia a sermos cidadãos do Reino. Cidadãos do Reino são pessoas movidas e motivadas pelo amor a Deus. Compartilhamos por temos recebido as infinitas misericórdias de Deus. Amamos porque ele nos amou primeiro.