Texto de Estudo

1 Coríntios 12:8:

8 Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência;

INTRODUÇÃO

Aconselhar é uma prática tão antiga quanto a humanidade. É uma das práticas mais comuns entre nós. Trata-se de um dos melhores meios de ajudar pessoas. Não é surpresa que Deus, ao dotar a igreja com vários dons, também se valha dessa habilidade tão valiosa, transformando-a num dom. 

O aconselhamento pode ser visto sob várias óticas: como uma prática comum entre pessoas, como uma profissão (consultoria), como um dom específico, e este como um ministério. Até que o aconselhamento galgue o status de ministério, como o conhecemos hoje, há um longo caminho.

O objetivo desta lição é traçar brevemente as raízes dessa prática, até que chegue no Novo Testamento como um dom, prática esta recomendada e exercida na igreja do primeiro século, que constitui um fundamento para todos os cristãos que se sintam dotados desse encargo.

 

CONSELHO NO ANTIGO TESTAMENTO

A prática e o valor do conselho são celebrados durante toda a Bíblia. Longe de ser uma prática exclusiva entre o povo de Deus, a Bíblia nos dá conta de que, no mundo secular, reis se cercavam de sábios, magos, encantadores e feiticeiros como conselheiros (Gênesis 41:12; Daniel 2:2). Como se pode perceber, o conselho e a prática de aconselhar eram comuns, independentemente do seu caráter e natureza.

Um estudo das palavras hebraicas relacionadas ao ato de aconselhar nos dá uma ideia da importância dessa prática milenar. A palavra mais usada, na forma de substantivo, é etsah, a qual ocorre 84 vezes no Antigo Testamento. Como verbo, yaatz ocorre 23 vezes, e tem o sentido de “dar ou receber conselho”. Essas palavras também podem significar “conselho dado ou recebido”, “planos formados” ou a “habilidade em fazer planos”. Ainda, uma outra palavra hebraica interessante é sodth, que tem o sentido do “sentar junto” ou “uma assembleia”, tanto de amigos que conversam intimamente, ou de juízes que se consultam (Provérbios 15:22). Sodh pode também denotar conversação familiar (Salmos 55:14). E, como verbo, sodth tem o sentido de “fazer desnudado” ou “descobrir”, no sentido de “revelar um segredo” (Pv. 11:13).  

Além das palavras que denotam conselho, o Antigo Testamento nos fala, em primeiro lugar, de Deus como tendo conselho e sendo conselheiro daqueles que o buscam (Jó 12:13; 15:8; Salmos 33:11; 73.:24; Provérbios 19:21). Sendo ele Deus, não precisa de conselho (Isaías 40:14). Infelizmente nem sempre o seu povo recorreu ao conselho de Deus, e por isso sofreu consequências desnecessárias (Josué 9:14; Isaías 30:1). Assim como Jó, podemos obscurecer o conselho de Deus (João 38:2; 42:3). 

O profeta Isaías descreve o Messias como alguém sobre quem repousa “o Espírito de conselho e fortaleza” (Isaías 11:2), e o chama de “Maravilhoso Conselheiro” (Isaías 9:6). No livro de Provérbios, o conselho é exaltado. Serve tanto para o simples, para os jovens, para o sábio, para o filho que precisa de ensino (Provérbios 1:4-5); nele, a sabedoria personificada é dita como conselheira (Provérbios 1:25-30; 8:12,14). Pessoas que seguem os seus próprios conselhos e não os da sabedoria podem perecer (Provérbios 1:31; 20:5). Situações como guerra e grandes projetos carecem de conselhos (Provérbios 15:22; 20:18). Até os ímpios podem dar conselhos e desvirtuar o justo (Jó 21:16; 22:18; Salmos 1:1).

Quando pensamos em personagens bíblicos de conselheiros no Antigo Testamento, alguns personagens nos vêm à mente, como protótipos dos atuais conselheiros cristãos. Temos o caso de Jetro, sogro de Moisés, que o aconselhou em como resolver o seu difícil trabalho de atender tanta gente que vinha para o seu famoso genro (Êxodo 18:13-26). No tempo dos Juízes, Samuel destacava-se como um importante conselheiro em seu trabalho itinerante, ouvindo controvérsias, julgando causas, ensinando e aconselhando à medida que as necessidades apareciam (1 Samuel 28:7-25). Embora os profetas, em seu papel, tivessem a função primeira de serem arautos e não conselheiros, eles também se interessavam por aquilo que caracteriza os conselheiros: coisas do coração. Exemplos disso são: Jeremias e Ezequiel.

 

CONSELHO NO NOVO TESTAMENTO

No Novo Testamento, à semelhança do Antigo, o aconselhamento era uma prática comum. Para melhor entendermos essa prática, podemos analisá-la de várias maneiras: quem praticava o aconselhamento, que dom nas várias listas de dons do Novo Testamento pode ser associado ao dom do aconselhamento, que palavras específicas pressupõem o dom e a prática do aconselhamento, como era praticado e como se deve proceder no dom e na prática do aconselhamento.

O aconselhamento praticado por líderes e cristãos em geral

O aconselhamento no Novo Testamento era praticado tanto por líderes quanto por membros comuns. Ou seja, a prática do aconselhamento não era uma atividade exclusiva de algumas pessoas, mas sim uma prática generalizada.

A começar por Jesus, este se destaca como o grande conselheiro. Ninguém melhor do que ele compreendia e lidava com as questões da alma humana e suas necessidades. No livro “Cada Pastor um Conselheiro”, o autor resume bem a insuperável habilidade de Jesus, em seu papel de conselheiro:

 

O Senhor Jesus Cristo era conselheiro por excelência. Ele tinha a graça, a simpatia, o poder espiritual e o amor, mediante as quais Ele conquistava para si os homens. Seu amor era pessoal, compreensivo e intuitivo. Se nós o seguirmos de modo consistente, não somente nos tornaremos pescadores de homens, mas também, restauradores de homens.  

 

Os apóstolos, por meio de cartas, e pessoalmente, também aconselhavam pessoas e igrejas inteiras nos mais variados temas, os quais também são comuns no aconselhamento dos nossos dias: relacionamento interpessoal, casamento, relacionamento conjugal, sexo, finanças, educação de filhos, relação entre empregados e patrões etc.

Com muita probabilidade, outros líderes, que trabalhavam na igreja local, também exerciam esse papel, especialmente os presbíteros, que tinham funções pastorais (Atos dos Apóstolos 20:28-32; 1 Pedro 5:1-4).

No entanto, a prática do aconselhamento era feita também por membros comuns da igreja local, e encorajada pelos apóstolos, para a edificação da igreja (Veja Romanos 12:15; 15:14; Gálatas 6:1-2; 2 Tessalonicenses 3:15). Olhando por esse prisma, o aconselhamento, assim como outros dons (socorros, contribuição, misericórdia, por exemplo) é, antes de tudo, um dever de todos os membros. 

Isso é muito importante porque é um reforço na edificação do corpo de Cristo. A demanda por aconselhamento é mais do que líderes específicos poderiam dar conta. Que cristão já não se viu numa situação em que precisou dar um conselho a alguém necessitado? Que cristão, que conhece as Escrituras, não pode dar um conselho? Assim, todos podem e devem praticá-lo, quando necessário. É maravilhoso saber que membros da igreja podem ser usados por Deus para edificar a igreja.

 

O ACONSELHAMENTO COMO UM DOM

Porém, conquanto o dever do aconselhamento pertença a todo corpo de Cristo, existem pessoas específicas dentro da igreja que têm não somente o dever mas também o dom específico para aconselhar, quer coletivamente, quer publicamente, ou mesmo privativamente. Vários líderes tinham esse dom. Como exemplo, podemos pensar no apóstolo Paulo e seu filho na fé, Timóteo. Quando consultamos, por exemplo, a carta do apóstolo a Timóteo, vemo-lo exortando ao seu filho na fé, pastor da igreja de Éfeso, em suas questões pessoais (1 Timóteo 5:20; 6:13; 2 Timóteo 1:6), como também o instruindo a exortar a todos: hereges (1 Timóteo 1:3), o homem idoso, os jovens, as mulheres idosas (1 Timóteo 5:1-2).

 Em termos de dons espirituais, não vemos o aconselhamento mencionado como um dom específico, nas várias listas de dons do Novo Testamento (Romanos 12:6-8; 1 Coríntios 12:8-10; 28-30; Efésios 4:11), embora este existisse, com certeza, nos círculos cristãos, sob várias formas e em vários níveis. 

Dentre todos os dons, existe um que se pode associar ao aconselhamento. Trata-se do “dom da exortação”. Collins, um dos mais proeminentes escritores sobre aconselhamento da atualidade, traça uma correlação entre o dom da exortação e o aconselhamento:

 

Em Romanos 12:8 nós lemos acerca do dom da exortação. A palavra grega é paraklesis, que significa “‘vir ao lado de para ajudar”. A palavra implica advertir, confrontar, dar suporte, e encorajar pessoas para enfrentar o futuro. Tudo isso soa muito como aconselhamento, e tudo se refere a um dom dado por Deus para um seleto grupo de crentes. 

 

Wagner, corroborando o que Collins diz anteriormente, define o dom da exortação da seguinte maneira: 

 

O dom da exortação é aquela qualidade especial que Deus dá a certos membros do Corpo de Cristo para ministrar palavras de consolo, encorajamento, ânimo e conselho a outros membros do Corpo, de tal modo que estes se sentem ajudados e curados. 

 

Além da palavra “exortação” (paraklesis) usada para designar um dom específico, incluso na prática do aconselhamento (Romanos 12:8), existem outras palavras gregas que também caracterizam o aconselhamento. Curiosamente três delas se encontram num só versículo numa das cartas do apóstolo Paulo aos Tessalonicenses, incluindo a palavra “exortação”. Confira: “Exortamo-vos (paraklesis), também, irmãos, a que admoesteis (noutheo) os insubmissos, consoleis (paramutheomai) os desanimados, ampareis (antecho) os fracos, e sejais longânimos para com todos” (1 Tessalonicenses 5:14 grifo nosso). Além disso, as três palavras resumem três grandes objetivos do aconselhamento: admoestar, encorajar/consolar e amparar.

Por último, outras práticas recomendadas pelos apóstolos também encorajam, implicitamente, a prática do aconselhamento. (Romanos 12:15; 15:14; Gálatas 6:1-2; 2 Tessalonicenses 3:15).

 

A INFORMALIDADE E A FORMALIDADE DO ACONSELHAMENTO

O aconselhamento no Novo Testamento era praticado tanto formal quando informalmente. Isso fica evidente ao lermos os documentos bíblicos. Tanto pessoas comuns, membros de igreja, como líderes, com funções mais específicas, aconselhavam. Exemplos disso se verifica na atuação do casal Áquila e Priscila que aconselharam Apolo a respeito da sua incompleta teologia e fé (Atos dos Apóstolos 18:24-28), e Timóteo, o qual, formalmente deveria exortar alguns em Éfeso a não ensinarem outra doutrina e nem se ocuparem com fábulas e genealogias indevidamente (1 Timóteo 1:3,4).

 

A PRÁTICA COLETIVA E PRIVATIVA DO ACONSELHAMENTO 

Quanto à prática coletiva e privativa do aconselhamento, isso também é fácil de perceber ao lermos as páginas do Novo Testamento. Jesus, por exemplo, exortava pessoas tanto coletiva e publicamente quanto privativamente. Os seus discursos e ensinos públicos, tanto para o público em geral (Mt caps 5 – 7) quanto para o grupo dos apóstolos (Marcos 4:10-20; 9:28,29), estão cheios de conselhos. Nicodemos, no entanto, foi aconselhado privativamente, quando procurou conhecer a Jesus (João 3:1-15). 

 

COMO DEVE SER FEITO O ACONSELHAMENTO

A Bíblia não nos apresenta, entre outras coisas, técnicas de aconselhamento e nem uma lista formal de princípios de atendimento a pessoas. Mesmo assim, podemos encontrar exemplos de como o aconselhamento era feito, e algumas recomendações de como conselheiros deveriam fazê-lo, tanto em situações específicas como em relação a algumas classes de pessoas. 

De acordo com Paulo, o dom da exortação, de um modo geral, deve ser exercido com dedicação (Romanos 12:8, RA). Segundo Champlin, isso pressupõe investimento de tempo e esforço, caracterizando um trabalho contínuo, como um ministério efetivo. 

Quando lemos as cartas pastorais, vemos o apóstolo Paulo exortando aos seus colegas de ministério e filhos na fé, Tito e Timóteo, no seu trabalho de aconselhamento, a como dirigir-se a classes de pessoas. Para Timóteo, por exemplo, o apóstolo recomenda brandura, paciência, mansidão (2 Timóteo 2:24.25), longanimidade (2 Timóteo 4:2), respeito e pureza (2 Timóteo 5:1-2). Para Tito, por sua vez, recomenda que admoeste o homem faccioso (Tito 2:10). Nessas cartas, e em outros documentos neotestamentários, vê-se que todos os públicos são objeto de aconselhamento: hereges, pessoas facciosas, idosos, jovens (moços e moças) etc, e nas mais variadas situações: os desanimados, os insubmissos, os fracos, aqueles que estão em pecado, em erro doutrinário etc.

Muito podemos aprender sobre a prática e o dom do aconselhamento, observando como grandes líderes bíblicos aconselhavam pessoas e seus públicos. Um exemplo disso é o apóstolo Paulo. Embora fosse primeiramente um missionário, ele era também um pastor. Suas cartas estão permeadas de conselhos pastorais, ante os problemas que apareciam nas igrejas. Uma gama de assuntos era objeto de seus conselhos: conflitos entre irmãos, casamentos mistos, divórcio, relações sexuais ilícitas, relações entre senhores e escravos etc., além dos assuntos espirituais e doutrinários.

A encarnação do conselheiro ideal, acima de todos, pode ser visto em Jesus. Ele tinha um insight singular das necessidades e dos problemas das pessoas. Nunca lhe faltou a compaixão. O seu ministério foi uma série de variações sobre o tema, desde o seu discurso inicial em Nazaré (Lucas 4:18). Em seu ministério a pessoas individuais, Jesus demonstrou simpatia, honestidade, sinceridade e paciência.

 

CONCLUSÃO

Nenhum membro está livre da responsabilidade de participar na edificação do corpo de Cristo. Além dos dons espirituais democratizarem e distribuírem o trabalho entre todos os membros da igreja, existem os deveres cristãos, ou seja, mesmo que alguém não possua um determinado dom a ser exercido especialmente, cada um deve estar aberto para ser usado pelo Espírito Santo, em qualquer situação, mesmo que seja excepcionalmente, para aconselhar alguém que precisa de ajuda.