Texto de Estudo 

 Habacuque 1:13

INTRODUÇÃO

Nós vivemos em um mundo cercado pela injustiça, corrupção e desigualdade social. Por muitas vezes nos perguntamos: Onde está Deus? Por que o justo perece? Qual a causa do homem bom desfalecer? Será que o Senhor está indiferente ao sofrimento da humanidade?

Certas pessoas acreditam que o homem nunca deva questionar a Deus, achando até que isso seja pecado. Mas o livro de Habacuque vai contra essa ideia. O livro está cheio das perguntas perplexas do profeta e das sábias respostas divinas. Nem sempre Deus pode nos explicar tudo de forma satisfatória pelo fato de que nós não somos capazes de compreender tudo o que ele diz.  O livro de Habacuque nos ensina que os caminhos do Senhor são justos e virtuosos e que ele tem poder para julgar todos os povos, inclusive o seu.

 

CONTEXTO HISTÓRICO

Nada sabemos acerca da família, da procedência e da posição social de Habacuque. Seu nome só é citado duas vezes e apenas no seu próprio livro (1.1; 3.1), embora sua mensagem tenha tido grande repercussão no Novo Testamento. O nome Habacuque, segundo os estudiosos, significa “abraçar”, ou aquele que abraça outro ou toma-o em seus braços. Assim, Habacuque abraça o povo e toma-o em seus braços, isto é, conforta-o e segura-o, como se abraça uma criança que chora, acalmando-o com a garantia de que, se Deus quiser, tempos melhores virão em breve.  Uma tradição rabínica o apresenta como o filho da mulher sunamita que Eliseu restaurou à vida (2 Reis 4:16-37). 

Outra informação que alguns estudiosos advogam sobre a vida desse homem de Deus é que, por se apresentar diretamente como profeta (Habacuque 1:1), ele era possivelmente membro de alguma Casa ou Escola de Profetas. Essa instituição funcionava como seminário e, além de ensinar, arquivava fatos importantes da vida da nação israelita. Em outras palavras, além de ter o dom da profecia nos moldes veterotestamentários, tudo indica que Habacuque era um profeta profissional, isto é, uma pessoa preparada para exercer a função profética, diferentemente de boa parte dos profetas canônicos. O final de seu livro deixa claro que, de alguma forma, ele era também habilitado oficialmente a participar da liturgia do Templo. O termo traduzido em Habacuque 3:19 como “instrumento de corda” é neginoth, que tem em si a conotação de tanger um instrumento. Esse final do livro de Habacuque mostra que o capítulo 3 de seu livro é um arranjo musical feito por ele mesmo. Logo, acredita-se que ele também era um levita. 

A profecia de Habacuque originou-se na profunda preocupação do profeta pela manifestação da justiça divina em sua sociedade. A exploração sem precedentes dos ricos sobre os pobres, a religião e os líderes religiosos haviam se corrompidos e os governantes buscavam a glória passageira em vez do bem-estar do povo.  A maioria dos estudiosos concorda que o livro tenha sido escrito entre 605 e 597 A.C., ao fim do reinado de Josias e o início do reinado perverso de seu filho Jeoaquim (2 Crônicas 36:05; Jeremias 22:13-17).

Conhecer o contexto político-religioso na época de Habacuque ajuda a explicar porque ele demonstra tanta revolta contra a injustiça e fica perplexo perante o comportamento do povo. O profeta tinha presenciado a reforma espiritual que o rei Josias havia feito no reino de Judá (2 Reis 22), o quanto ele havia se esforçado para restaurar a vida religiosa do Reino do Sul. Habacuque se deixou levar pelo fervor que as reformas inspiravam, ele acreditou que finalmente a justiça e a confiança no Deus vivo e verdadeiro haveriam de prevalecer em Judá. Porém, as reformas haviam tido um resultado superficial, sem atingir em cheio o coração do povo, que mal enterrara o seu bom rei, já se entregava de novo ao paganismo.  Habacuque não conseguia entender como tão depressa o povo se esqueceu de Deus. Foi um período de deterioração espiritual no qual o povo da aliança perdeu progressivamente o seu caráter único. 

Habacuque foi contemporâneo do profeta Jeremias. Porém, enquanto este se preocupava com o arrependimento do povo, aquele estava concernido com a relutância de Deus em punir o ímpio. Num cenário de guerra internacional na luta pelo poder entre a Assíria, o Egito e a Babilônia, o Senhor levantaria uma destas nações para castigar o povo rebelde de Judá. Tudo estava sob o controle de Deus. Após a aliança com os medos a Babilônia se torna uma ameaça crescente, derrotando os assírios e os egípcios. Era a mão do Senhor punindo os povos. Não demoraria muito para Judá também ser conquistada. Os caldeus seriam o instrumento de correção que Deus usaria para corrigir os seus filhos.

 

A SITUAÇÃO RELIGIOSA NOS DIAS DE HABACUQUE

A reforma espiritual ocorrida no período do piedoso rei Josias não teve a profundidade necessária. A reforma de Josias terminou abruptamente com sua morte em 509, e as sementes de corrupção plantadas por Manassés frutificaram com rapidez sob o reinado de Jeoaquim. Tão logo o rei Josias morreu, o povo voltou a se rebelar contra Deus e a tapar os ouvidos aos seus profetas. Jeremias fez ouvir sua voz pelas ruas de Jerusalém, chamando o povo a se humilhar debaixo da poderosa mão de Deus. Ele confrontou o impiedoso rei Jeoacaz, mas este lançou o profeta na prisão e queimou os rolos do Livro. O cálice da ira de Deus foi se enchendo, e chegou o dia em que ele transbordou. Nesse dia, o rei de Jerusalém viu seus filhos serem mortos; ele teve seus olhos vazados, e a cidade de Jerusalém foi entregue às mãos dos caldeus. 

Jerusalém foi entregue às mãos dos caldeus. O suntuoso templo construído por Salomão virou um montão de ruínas. A cidade de Jerusalém depois de um cerco doloroso sucumbiu impotente ao ataque estrangeiro. Os que morreram à espada foram mais felizes do que aqueles que morreram de fome dentro dos muros da cidade de Davi. Os vasos sagrados do templo foram entregues nas mãos de Nabucodonosor e levados para o templo de Dagom na Babilônia.

O pecado é o opróbrio das nações. Ele não fica sem julgamento. Quem não escuta o chamado da graça, ouvirá a trombeta do juízo. Quem calca aos pés o convite do arrependimento, sofrerá inevitavelmente a chibata do juízo. 

 

CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS

A capacidade literária de Habacuque é vigorosa. Suas descrições são vívidas, e suas ideias e a forma como as expressa são tremendamente poéticas. Isso é reflexo de seu ofício, que reflete claramente seu caráter.  

O livro de Habacuque diferencia-se um pouco dos demais livros proféticos pelo fato de que os oráculos revelados a Ele são resultados de questionamentos que o profeta faz ao Senhor. As respostas de Deus revelam sua justiça, seu caráter e seu poder. O conteúdo do livro pode ser estruturado em quatro partes, que são:

1- A Primeira queixa e sua resposta: Habacuque olhou para o mundo e viu violência (1:2-3), iniquidade opressão e contenda. A lei não era imposta, não havia proteção para o inocente que era sentenciado como culpado.  Esse fato fez com que o profeta levantasse o primeiro questionamento. No versículo 2, o profeta começa usando o verbo "clamar", que significa simplesmente "pedir socorro", mas em seguida diz: "gritar-te-ei", que no original significa "clamar com um coração perturbado". Ao orar sobre a perversidade em sua nação, Habacuque foi ficando cada vez mais aflito e se perguntou: Por que Deus permanecia em silêncio ante a crescente perversidade de Judá? Para Habacuque, parecia que o Senhor estava inativo e indiferente. 

A resposta de Deus manifesta sua onisciência sobre o mundo. O Senhor revela ao profeta que dentro em breve o castigo para os ímpios judaístas chegaria. Deus faria dos caldeus um instrumento em suas mãos para executar o juízo sobre Judá. A onipotência e soberania divina sobre as nações se revelariam em tal evento. O Senhor estava no controle de todos os povos, inclusive dos pagãos.

2 - A segunda queixa e sua resposta: essa segunda queixa está relacionada com a resposta que Deus deu à primeira pergunta de Habacuque. O profeta queixou-se de que os babilônicos eram ainda mais perversos que os judeus. Como poderia um Deus santo usar um povo tão ímpio como instrumento de justiça? (v.13). Após questionar, o profeta sobe em uma “torre vigia” e aguarda a resposta de Deus. A resposta divina é que o ímpio seria punido sim, tanto os Judeus em primeiro momento quanto os perversos babilônicos em um futuro não muito distante. Mas o Senhor apresenta uma esperança – o justo viveria pela fé. O profeta não deveria preocupar-se tanto, pois somente quem era ímpio haveria de sofrer. O justo seria tratado conforme sua justiça, numa espécie de recompensa retribuída. 

3 - Os cinco ais: (2:6-20) os ímpios babilônicos também não escapariam do julgamento divino. Deus anunciou a condenação deles em ais proféticos apresentados nesta seção do livro em forma de uma canção de escárnio, uma forma poética que expressa a alegria dos perseguidos e sofredores com a morte do tirano.  

Em resumo os cinco ais profetizam a condenação sobre os que roubam e praticam homicídio (vv. 6-8), adquirem lucros injustos para viver uma vida de regalia (vv. 9-10), edificam cidades praticando crimes e morte (v.12), cometem corrupção moral (vv.15-18) e àqueles que praticam a idolatria (v.19). 

4 - Oração de encerramento e resolução de fé: (3:19) O livro é encerrado com a oração de Habacuque em forma de um cântico. Habacuque pressupõe que reconhecer a Deus e manter-se fiel a ele é a maneira correta de reagir contra o mal que tem poder de alastrar-se e de contaminar. Sua confiança em Deus chega a ponto de dizer que ainda que uvas (vinho), gado (carne e leite), azeitonas (óleo e combustível) e trigo faltassem, ele estaria disposto a alegrar-se em Deus. 

 

ÊNFASES TEOLÓGICAS

O livro de Habacuque, a exemplo de todos os livros da Bíblia, apresenta alguns pontos teológicos que precisam ser considerados para que possamos compreender melhor os ensinos de Deus, o seu caráter, sua vontade e sua soberania:

1. Deus é Moral: Os cinco “ais” contra a injustiça mostram isso. A injustiça não se perpetuará no seu mundo. Ele intervirá no momento adequado. A intervenção é súbita, por isso o injusto é sempre mostrado como sofrendo uma destruição quando menos espera. Isto é fundamental até mesmo para nós. Há uma moralidade, há nexo no mundo e na história. Não por eles, mas por Deus, que sendo moral dá moralidade à sua criação. 

2. Deus é Soberano: O fato de Deus usar os Babilônicos como ferramenta em suas mãos demonstra que todas as nações estão sujeitas a Ele, inclusive as ímpias. A soberania de Deus sobre os reinos da terra não pode ser questionada. Todos nós estamos sujeitos à vontade do Rei dos reis e Senhor dos Senhores. Os planos de Deus não podem ser frustrados, pois eles são perfeitos e inatingíveis. 

3. O justo vive pela fé: no versículo quatro do capítulo dois encontramos a frase que foi lema da Reforma Protestante: “O justo viverá da fé”. O termo traduzido como “fé” em Habacuque vem de “firmeza” e tem sua raiz em aman, que significa “Firme até o fim”. Essa é a fé que Deus espera encontrar em seus filhos. Fé que nos faz permanecer com fidelidade até o fim, mesmo em meio às adversidades. Neste verso encontramos o contraste entre o soberbo e o justo. O soberbo sobrevive da sua arrogância, orgulho e autoconfiança, mas o seu fim será trágico. O justo, porém sobrevive pela sua fé; ele deposita a sua confiança em Deus e sabe que o Senhor o sustentará. 

4. É possível dialogar com Deus: nem sempre conseguimos compreender os desígnios do Senhor. O apóstolo Paulo em uma canção de louvor a Deus disse: “Como são profundos o seu conhecimento e sua sabedoria! Quem pode explicar as suas decisões? Quem pode entender os seus planos? (Romanos 11:33 NTLH). Habacuque a princípio não compreendeu que o silêncio de Deus fazia parte do plano e então o profeta se pôs a questionar: “Por que Deus não faz alguma coisa a respeito de tudo o que está acontecendo?”. O Senhor responde não só a esta primeira questão, mas as demais que o profeta fez. Isso demonstra que Deus não está insensível aos nossos sentimentos e às nossas dúvidas. Ele conhece e respeita as nossas limitações. Por muitas vezes não entenderemos os caminhos de Deus, mas Ele nunca deixará de nos responder e o silêncio do nosso Criador também manifesta o seu poder. 

 

APLICAÇÃO PARA A ATUALIDADE

Os dias em que vivemos não são diferentes dos da época em que Habacuque viveu. Por isso a vida do profeta e as profecias de Deus reveladas a ele nos ensinam alguns princípios importantes que devem ser aplicados em nosso cotidiano.

A primeira lição que aprendemos com a vida de Habacuque é que não podemos nos conformar com a injustiça, corrupção, desigualdade social e um sistema religioso defraudado. O incômodo que o profeta sentiu ao olhar ao seu redor e ver todas estas coisas demonstra o zelo que ele tinha para com a Lei de Deus e sua justiça. Habacuque ficou triste ao ver o quão distante o povo estava do Senhor. Precisamos nos importar mais com o mundo ao nosso redor, precisamos orar mais, precisamos amar mais e nos questionar mais. Se eu e você não nos sentimos incomodados com a situação ao nosso redor é porque alguma coisa também está errada conosco.

O segundo ponto importante extraído é que nem sempre Deus nos responde da maneira que esperamos, mas é preciso confiar. Também é necessário saber que o silêncio faz parte da manifestação de Deus. Feinberg tratando sobre o assunto disse: 

O silêncio de Deus nos negócios humanos, tanto ontem como hoje, tem sido difícil de aceitar. Mas isso não quer dizer que não haja uma resposta e que a sabedoria divina é incapaz de lidar com a situação. Tudo está sob o seu olhar e todas as coisas estão debaixo do controle de suas poderosas mãos. 

Em terceiro lugar aprendemos que devemos louvar ao Senhor em todos os momentos. Por fim Habacuque percebeu que mediante as respostas de Deus, a melhor atitude seria confiar no Senhor e adorá-lo. Os últimos três versos do livro expressam toda a confiança e alegria que o profeta sentia em saber que Deus era soberano sobre todas as coisas. Precisamos aceitar o fato de que Deus deve ser louvado não só na fartura, no melhor emprego, na saúde, na liberdade e na alegria, mas também nos tempos de fome, na falta de emprego, na doença, no deserto e na tristeza. Não devemos viver pelas circunstâncias, olhando ao nosso redor, pois o justo vive pela fé e não pela aparência.

Segundo Isaltino Gomes Coelho Filho, podemos sintetizar a mensagem deste livro pontuando as seguintes lições: 

1) Uma lição estarrecedora: Deus julga o seu próprio povo. Deus é santo e justo e não faz vistas grossas ao pecado no meio do seu povo. Ele começa seu juízo exatamente pela sua casa (1 Pedro 4:17).

2) Uma lição gloriosa: A história tem um rumo, ela não é cíclica nem caminha para o caos. A história é linear e marcha para uma consumação gloriosa da vitória retumbante de Deus e do seu povo.

3) Uma lição moral: Os violentos serão punidos. Aqueles que semeiam a violência serão ceifados por ela. Aqueles que plantam a maldade se fartarão de seus frutos malditos. Aqueles que ferem pela espada, pela espada cairão. Aqueles que oprimem o pobre com ganância desmesurada serão oprimidos. A Babilônia truculenta que esmagou Judá foi entregue nas mãos do Império Medo-persa e pereceu pelas mesmas armas que oprimiu as nações.

4) Uma lição espiritual: O justo viverá pela fé. Ainda que o mundo ao nosso redor se transtorne; ainda que os ímpios se levantem com fúria virulenta contra nós; ainda que nos faltem os recursos materiais para uma sobrevivência digna, nossa confiança permanece inabalável em Deus. E pela fé que vivemos, vencemos e triunfamos. 

5) Uma lição final: Alegria de crer. O profeta Habacuque termina o seu livro exclamando com todas as forças da sua alma: “Eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação” (v. 18). Crer é um ato de júbilo. A fé nos toma pela mão e nos carrega pelos corredores da dúvida e da angústia e nos leva à sala do Trono, de onde o Soberano Senhor governa todas as coisas. Deus ainda pode nos dar cânticos na escuridão (Jó 35:10), se confiarmos nele e virmos sua grandeza!

 

CONCLUSÃO

Não é fácil convivermos com tanta injustiça ao nosso redor. Como Cristãos, nos sentimos incomodados e por certas vezes impotentes ante tanta corrupção, violência, injustiça, sofrimento e crueldade que nos cerca. Como sobreviver em meio a tudo isso? O livro de Habacuque vem a nos ensinar que somente pela fé conseguiremos vencer todas estas adversidades. Essa fé, que é fiel, nos dá força para permanecermos firmes até o fim. Está fé nos faz entender e aceitar que o Senhor está no controle de todas as coisas. Deus é moral e não está indiferente às ações dos ímpios, Ele agirá no momento certo e fará justiça.

Não devemos ficar frustrados por certas vezes não compreendermos os caminhos do Senhor, pois somos seres finitos em conhecimento tentando entender um Deus que é infinito em sabedoria. Por fim nos resta confiarmos em Deus, não somente quando as coisas correm ao nosso favor, mas também quando elas correm contra nós. Deus não nos prometeu que nos livraria dos momentos difíceis, entretanto prometeu estar conosco nestes momentos. (Salmos 23:04)