Texto de Estudo

Tiago 4:4:

4 Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.

INTRODUÇÃO

No primeiro passo de fé dado por um convertido, ele logo começa a ver o mundo pelo retrovisor, ele já o vai deixando para trás. Não importa se seus passos sejam tímidos, ou que ainda não entenda todas as implicações de seu passo de fé, ele já vai deixando o mundo para trás, à medida quecomeça a caminhar em direção a Cristo. Sendo assim, talvez não pudéssemos reagir de outra forma a não ser dar um brado de vitória. Ficamos alegres e jubilosos, pois, afinal, Satanás vai perdendo terreno à medida que o cristão caminha em direção a Cristo.

No entanto, sem querer nublar sua alegria em Cristo, gostaria de chamar a atenção para o fato de que este passo de fé dado em direção a Cristo é apenas uma parte de um processo. A vida cristã é uma jornada. Vários passos terão de ser dados até a volta de Jesus. À medida que o cristão (ou o peregrino) progride, mais Satanás ficará furioso e direcionará suas armas para o tal. Seu intuito é fazer com que este viajante, que carrega a esperança celestial, venha a cair e a desistir de sua jornada. É certo que o inimigo tem muitas armas potentes em suas mãos. É por meio delas que o inimigo lança seus ataques externos. Mas, nem sempre o cristão é atingido pelas armas que estão nas mãos do Diabo. Ele conta com aquilo que Tiago chamou de “prazeres da carne”. É vergonhoso, consternador e até paradoxal conceber a ideia da relação entre “os cristãos” e “os desejos da carne”. Afinal estamos falando da Igreja de Cristo. Como poderia isso acontecer?

Tiago viu que isso não só era possível como também era uma realidade. Alguns que haviam feito uma profissão de fé estavam sendo levados por sentimentos de inveja, orgulho, ciúmes, descontrole da língua etc. Em nossa lição vamos nomear este problema de mundanismo. Vamos tentar entender o que é o mundanismo, como ele se manifesta, quais são suas consequências trágicas e como vencê-lo.

 

DEFININDO O MUNDANISMO

Em primeiro lugar quero destacar o que estamos querendo afirmar quando propomos o tema desta lição sobre o mundanismo. O que vem a ser o mundanismo? O mundanismo, em hipótese alguma, é uma aversão total ao mundo criado por Deus. A perspectiva proposta por Tiago, e que também encontramos em outras cartas no Novo Testamento, é a de que o “mundo” representa um sistema de pensamentos, valores e comportamentos. É aquele estilo de vida que se caracteriza como contrário à vontade de Deus. A “amizade do mundo” significa “amizade ao mundo” ou “amizade com o mundo”. Tiago vê na atitude daqueles “cristãos” uma posição radicalmente mundana, ou seja, eles seguem os valores seculares, e as atitudes da humanidade que não tem Deus. O amor à primazia, ao poder, à honra e à popularidade é o amor ao mundo.[1] Sua extensão abarca todas as áreas da vida do ser humano, como por exemplo, trabalho, relacionamentos, trato com o dinheiro, vida sexual etc.

Não estamos querendo afirmar que tudo o que há no mundo é mau. Apenas destacamos o fato de que vivemos numa cultura que abandonou os princípios absolutos propostos por Deus. Vivemos numa era pós-cristã. A fé cristã não só já foi colocada no “banco dos réus”, como também já foi julgada. E teve como sentença “a irrelevância”. É por isso que o conselho, dado por aquelas mentes formadoras de opinião que não creem em Deus, é: “viva como se Deus não existisse’’. Esta época em que vivemos é tão desanimadora que até mesmo aqueles que afirmam crer em Deus e na Bíblia acabam relegando as coisas celestiais a segundo plano. E o que significa isso? Significa irrelevância também.

Esse é o quadro. E o que vem daí formata toda a cultura de um povo. Sua literatura, sua música, sua educação, seu cinema, sua filosofia, sua teologia, enfim, tudo que se refere à vida de um determinado povo. Viver, pois, segundo o curso de uma vida (ou mundo) que não se submete ao senhorio de Cristo é viver o mundanismo.

 

OS PRAZERES DA CARNE – UM ORIGINADOR DE GUERRAS E CONTENDAS

Tiago começa esta parte de sua carta fazendo perguntas reveladoras. Na realidade, o tom das perguntas e o conteúdo delas já revela a resposta óbvia e esperada. Por que Tiago falaria de guerras que são originadas pelos prazeres que militam na carne? Por causa de tudo o que havia falando anteriormente. No capitulo 3, Tiago trata da atenção que devemos dar ao poder da língua (ou seja, aquilo que falamos). Depois, ele menciona o orgulho incrustado no coração de alguns mestres que tinham a si mesmos por sábios. Tiago, então, oferece uma maneira de identificar se a sabedoria que nós temos vem do alto ou é terrena. Ele disse que se tivermos no coração inveja amargurada e sentimento faccioso, então esta é uma sabedoria terrena, animal e demoníaca (v.v 14-15)! Tiago chegou a alertar tais pessoas de que a responsabilidade de ser “mestre” da sabedoria é algo que requererá maior juízo (3.1).

Então, em sequência destas argumentações, Tiago traz aos seus leitores mais algumas perguntas. O objetivo é expor as reais intenções do coração. Mostrar como certos desejos que estão enraizados no coração não têm nada de Deus, mas sim do mundo. As duas palavras que Tiago toma emprestado do contexto militar para falar das consequências trágicas destes desejos são: guerras e contendas (versão revista e atualizada). Ambas as palavras trazem como ideia básica a inimizade e hostilidade entre as pessoas. Algo que representa o ponto mais alto da crise nos relacionamentos. É a situação que aquele que deveria ser meu próximo acaba se tornando meu inimigo número um. Mas daí você pergunta: com pode irmãos em Cristo agirem assim? A questão é que Tiago sabia que isto não era um mal generalizado. Mas, devido ao comportamento dos orgulhosos mestres mencionados em 3:1,13, é contextualmente possível que Tiago estivesse se referindo a eles e não a todos os fiéis. Contudo, ainda que não fosse um problema de todos, não custava nada cada um aplicar para si uma verdade tão contundente como essa.

 

AS CONSEQUÊNCIAS DO DOMÍNIO DOS PRAZERES MUNDANOS

Quando os prazeres ou desejos mundanos dominam o coração das pessoas, sentimentos como a cobiça, inveja ou estilo de vida em “pé de guerra” começam a caracterizar a vida de tais pessoas. A cobiça e a inveja mencionadas por Tiago são sentimentos que levam as pessoas a lutar por ter algo ilícito, ou a destruir algo que lhes importuna.[2] Tais sentimentos fazem aflorar o pior que há no ser humano. Quando ele diz “matais”não significa que os cobiçosos tivessem cometido um homicídio literalmente. Porém, tal sentimento poderia levá-los a isso. Lembremo-nos de que segundo a explicação de Jesus lá no sermão do monte, um homicídio não é cometido apenas com as mãos, mas com o coração que leva a boca a falar aquilo que não agrada a Deus (Mateus 5:21-25). Ainda relacionado com a ideia do “matar”, Russel Shedd faz um bom comentário quando afirma:

 

Aquilo que Tiago está dizendo é muito sério. Pois da forma que ele, por intermédio do Espírito de Deus, vê as lutas e guerras é como resultado de ciúmes, inveja e cobiça, que podem em última instância gerar a morte, e mais destruição. E podia até ser que aqueles irmãos não tivessem chegado àquele ponto, mas isso não quer dizer que não chegariam. Em outras palavras algo verbal poderia se tornar físico.[3]

 

Hernandes Dias Lopes complementa que os cristãos estavam ferindo uns aos outros com a língua e com um temperamento descontrolado. Para ele, o mundo vê essas guerras dentro das igrejas, dentro das famílias, e isso é uma pedra de tropeço para a evangelização. Como podemos estar em guerra uns contra os outros se pertencemos à mesma família, se confiamos no mesmo Salvador, se somos habitados pelo mesmo Espírito? A resposta de Tiago é que temos uma guerra dentro de nós. Tiago aborda aqui três coisas. Primeiro, um fato: há guerra entre os irmãos. Essa guerra representa o contínuo estado de hostilidade e antagonismo. Segundo, uma causa: os prazeres que militam na nossa carne. Tiago diz que os nossos desejos são como um campo armado pronto para guerrear. Terceiro, uma prática: a cobiça.[4]

Outra consequência negativa, segundo a perspectiva de Tiago, de dar vazão aos prazeres mundanos era o de afetar a vida de oração. Aqueles mestres metidos a sabichões às vezes nada pediam. Mas quando pediam faziam-no inflamados pelos desejos carnais. É exatamente o que Tiago diz quando afirma “pedis mal”. Ainda bem que Deus não concede estes tipos de pedidos. Pois, caso contrário, estaria sendo conivente com o mundanismo. O propósito destas orações denuncia os maus desejos. Pois Tiago diz: “pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres” (v.3). A palavra “esbanjardes” é a mesma utilizada para se referir ao que o filho pródigo fez com sua herança.[5] Correlacionado desta forma, podemos ver claramente o acentuado tom de desperdício. Podemos entender que, nestes casos, o “não” de Deus é uma coisa boa! Pois está impedindo que uma pessoa regida pelos prazeres carnais afunde-se cada vez mais.

Li certa vez um autor fazendo um comentário interessante sobre os quatro tipos de respostas que Deus dá as orações que lhe são feitas. Deus diz: sim, não, espere e você deve estar brincando. Esta última acentua, às vezes, a insensatez dos pedidos feitos.

 

UMA ADVERTÊNCIA CONTRA OS QUE CEDEM AO MUNDANISMO

Do verso 4 ao 6, Tiago procura argumentar contra o mundanismo fazendo referencia às implicações com relação a Deus. Antes, ele mostrou o quanto a cobiça e a inveja danificam os relacionamentos entre os homens. Agora ele procura mostrar como isso prejudica o relacionamento com Deus.

Tiago dá o tom de sua advertência chamando os amantes dos prazeres carnais de infiéis.[6] O termo traz à tona uma acusação comum na literatura profética. É nos profetas que encontramos o Senhor simbolizando seu relacionamento com Israel como aquele entre marido e mulher (cf. Isaías 54:5; Jeremias 3:20). Em relação a isso, o autor Fritz Grüzweig tece um fala muita acertada e elucidativa:

 

Tiago elucida por que a aliança com o mundo tem efeitos tão nefastos, recorrendo a uma estranha constatação: “Adúlteras” sois vós! De acordo com o v. 5, a acusação não é de transgressão do Sexto Mandamento (“Não cometerás adultério”), mas do Primeiro Mandamento: “Eu sou o Senhor, teu Deus, não terás outros deuses além de mim”.[7]

 

Quando o mundanismo ganha forma por meio dos prazeres carnais, a pessoa automaticamente faz uma aliança com o mundo e quebra sua aliança com Deus. Nas palavras de Tiago: “Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus” (v.4). Em seguida, Tiago faz uma possível alusão às Escrituras do Antigo Testamento para dar endosso à sua advertência. Para Augustus Nicodemus, talvez: “...Tiago esteja fazendo aqui (...) uma citação poética de Êxodo 20:5; ‘sou Deus zeloso’ (ciumento). Pode ser ainda uma referência geral a Gênesis 6:3-5, em que Deus diz que seu Espírito não mais agirá no homem por causa de seus pecados (Cf. Isaías 63:8-16)”.[8] Esse ciúme de Deus é legítimo, pois elenos criou e redimiu! Tiago, então, oferece mais uma dose dos ensinos das Escrituras. Desta vez, baseado em Provérbios 3:34. Ele põe em relevo o Deus que luta contra os orgulhosos, mas que concede graça àqueles que reconhecem o seu auxílio.

 

PASSOS PARA VENCER O MUNDANISMO

O caminho para vencer o mundanismo de acordo com Tiago é simples. A sequência de imperativos oferece aos arrependidos a oportunidade de romper com os prazeres mundanos, e propõe sentir prazer em Deus e nas coisas de Deus.

O primeiro passo é o da sujeição. Já que Deus dá graça aos humildes, nada mais sensato do que colocar-se aos pés daquele que oferece liberdade dos tais prazeres. Sujeitar-se a alguém significa abraçar, acatar a vontade de outrem como conduta de vida. Geralmente, o pensamento corriqueiro demonstra certa aversão pela ideia de submissão a alguém. Agora, imagine como esse conselho deve ter azedado na boca dos “sábios” e “inteligentes” que Tiago mencionou em 3:1,13! Apesar da carga negativa que tem sido atribuída à ideia de sujeição, os cristãos podem descansar no fato de que, sendo Deus a autoridade a quem temos de nos submeter, nada há a temer.

O segundo passo é o da resistência. O diabo está sempre procurando a melhor oportunidade de derrubar a Igreja do Senhor. Por isso, é preciso manter uma postura de defesa e de ataque. Em Jesus temos o melhor exemplo de como resistir ao diabo. Assim como Jesus usou a palavra e o compromisso que ele tinha com o Pai, o mesmo pode ser feito pelos cristãos. O resultado disso é que o diabo “fugirá de vós”.

O terceiro passo é o da aproximação. Devemos nos achegar a Deus. O resultado disso será que ele também se chegará a nós. Como o mundanismo cria uma separação ou um rompimento no relacionamento com Deus, uma atitude humilde de aproximação promove a restauração do relacionamento.

Na sequência, Tiago apresenta um série de verbos que englobarão nosso quarto passo, que é o passo da contrição. Os verbos têm forte ligação com o contexto sacerdotal. Mas muito mais do que isso, se lermos aquelas passagens dos profetas em que Deus chama o povo ao arrependimento, iremos encontrar um contexto de restauração, de retorno, um convite à paz (shalom). Os sacerdotes assumiam o papel de arautos do arrependimento, orientando o povo a fazer aquilo que Deus requeria para que a paz entre ambos fosse restaurada. Foi desse legado profético, histórico e teológico que Tiago disse ao povo: “purificai as mãos”, “limpai o coração”, “afligi-vos, lamentai e chorai”, “humilhai-vos”. Para quem estava sendo dirigidas estas ordens? Para os pecados e aqueles de ânimo dobre. Esta última classificação seria semelhante ao “coxear entre dois pensamentos”, conforme o profeta Elias. Tiago já havia analisado o cristianismo de sua época e constatou que alguns estavam tentando conciliar dois caminhos que são irreconciliáveis: o caminho do mundo e o caminho de Deus.

Como num ritual de purificação, tais pessoas deveriam romper com o mundanismo. Tiago segue adiante com suas ordens em série. Mas, nos versos 9 e 10, ele sai do aspecto externo e propõe algo que venha do coração. O “afligir”, “lamentar” e “chorar” destacam a postura do coração diante de Deus. Mas por que fazer isso? Porque a situação assim o exige. Quando o mundanismo infecta o modo de pensar de um professo cristão, ele perde o referencial para medir a si mesmo e o mundo. Como consequência, tal pessoa passa a se amparar numa falsa sensação de alegria e gratificação.

Veja que Tiago revela uma contradição de situações. Ele pede para os pecadores pararem com os risos, pois a situação deveria ser de choro. Ora, se Deus vem para resistir aos soberbos, não seria essa uma situação para seriedade e não frivolidade? A ira de Deus não é como a ira dos homens. O Senhor pode muito mais do que o Homem. Por isso, para escapar desta ira e deste enfrentamento com Deus, Tiago propõe um contexto de arrependimento, no qual o pecador se humilha aos pés de Deus. O resultado desse “humilhar-se” é que Deus exaltará os que assim procederem. A exaltação dos soberbos não só é maligna e terrena, como também passageira e destituída de autoridade. Mas a exaltação que vem de Deus é perene e tem o aval da suprema autoridade.

 

Conclusão

O cristão só estará totalmente livre da influência do pecado quando Jesus voltar para reunir seu povo. Enquanto isso, nós vamos vivendo entre a tensão de “estarmos” no mundo sem “sermos” do mundo. Isso é possível? Sim, por meio de Jesus é possível. Não estamos obrigados a imitar o mundo e seu sistema de pensamentos e valores. Cristo nos libertou, e de fato estamos livres. Não rasguemos nossa carta de alforria. Seria a maior insensatez de nossa parte.

Como poderemos, depois de recebermos a liberdade, voltar outra vez a viver debaixo da escravidão do mundanismo? Submeter-se a Deus e resistir ao mundanismo é uma questão de escolha. Não temos de acreditar na ideia de que não temos saída. Mesmo que os desejos ardam em nós como as brasas de uma fogueira, teremos sempre a opção de não pecar. É óbvio que a pressão é grande. Com bem disse Tiago, os prazeres “militam” por meio de nossa carne. Só o fato de usar esta palavra é prova de que o contexto é de luta.

O que é fundamental neste assunto é crer que, à medida que conhecemos mais a Deus, mais progrediremos espiritualmente. E, assim como a luz da aurora, nossa piedade e santidade brilharão cada vez mais, afastando-nos do mundanismo e nos aproximando mais de Deus, a ponto de não mais fazemos umas visitinhas na sala do trono, e, sim de fazer a sala do trono a nossa morada!

 


 

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